As eleições acabam com a nossa saúde mental
Foto: Aarón Blanco Tejedor via Unsplash

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Saúde

As eleições acabam com a nossa saúde mental

Como o medo, a tristeza e a ansiedade em relação ao futuro do país agem no nosso cérebro durante esse período decisivo.

Esses dias, num scroll rotineiro pelo Twitter antes de dormir, acabei me deparando com o vídeo dos dois candidatos a deputados pelo PSL, partido do presidenciável Jair Bolsonaro, arrancando e rasgando o adesivo com o nome de Marielle Franco de uma rua no Rio de Janeiro. "A morte da vereadora não pode servir como desculpa para a depredação do patrimônio público", vocifera um dos candidatos e, logo após retirarem a placa, bradam "Marechal Floriano, presente!" (Não vou linkar para o famigerado vídeo aqui para não espalhar ainda mais esse sentimento horrível.)

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Essa ironia com o assassinato violento de Marielle e reverência ao ex-presidente conhecido como "Marechal de Ferro" me embrulhou o estômago de cara. Quando eu tentei esquecer daquilo para fechar os olhos e dormir, adivinhem: as imagens continuavam a aparecer na minha cabeça, mesmo que eu não quisesse. Pensando nas motivações e consequências desse ato, meu coração começou a acelerar, as mãos dispararam a tremer e toda aquela história que a gente está cansado de saber.

Esse momento tem acontecido com certa frequência nessas últimas semanas. Conforme a corrida presidencial vai ficando mais acirrada, mais ansiosa e triste eu me sinto com o estado em que o país se encontra, e o que o resultado destas eleições pode significar para os próximos quatro anos da população do Brasil. E, pelo que eu vejo, a preocupação não é só minha: conversando com amigos, familiares, colegas de trabalho, e olhando postagens de conhecidos nas redes sociais, essa queda de saúde mental parece afligir grande parte das pessoas à minha volta.

Para a doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações pela UnB e professora de Psicologia no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia (IFRJ), Jaqueline de Jesus, a ansiedade generalizada em relação às eleições surge, em grande parte, pela falta de educação política que temos ao longo da vida num país como o Brasil. "[Os momentos que vivemos nas eleições] não são trabalhados no resto da experiência das pessoas. A gente tem pouca educação política e geralmente as discussões sobre são muito superficiais", fala a psicóloga. "Eu entendo perfeitamente a aflição e a ansiedade em lidar com algo que não é uma experiência cotidiana e que é tratado como alienígena no nosso dia a dia. As pessoas geralmente aprendem que política é algo que não nos acompanha, mas é algo que define as nossas vidas."

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Mas Jaqueline enxerga particularidades nessas eleições que aprofundam o efeito negativo na nossa cabeça, com o clima violento criado pelos eventos antes e durante esse processo, como o impeachment em 2016, o assassinato de Marielle no começo do ano e, há algumas semanas, o atentado a faca a Bolsonaro. Além disso, agora mais do que em eleições anteriores, muitas pessoas estão lidando seus direitos sendo ameaçados.

"Têm sido um processo difícil de enfrentamento. Especialmente nós que temos um contexto concreto de violência: pessoas LGBT+, pessoas negras, mulheres. Corremos um risco de segurança", fala a psicóloga. Jaqueline encara esse processo bem de perto, já que concorre como deputada estadual pelo PT no Rio de Janeiro. "Também como professora da baixada fluminense eu enfrento uma experiência política muito violenta, muito agressiva, de muito risco. Uma aluna, quando eu disse que seria deputada, disse que preferia me ver viva dando aula do que morta como candidata. É muito danoso o jeito que a política é feita no Brasil."

Como soluções para o medo, tristeza e ansiedade generalizada, a doutora aponta alguns caminhos. Momentos de pausa de assuntos políticos, afastamento de redes sociais — e inclua aqui grupos de WhatsApp onde o diálogo não é possível — e concentração nas suas tarefas do dia-a-dia podem rumos mais saudáveis. E, mais importante, divida suas aflições com quem também as tem, como explica Jaqueline sobre sua movimentação com outras candidatas. "A gente se encontra muito, conversa muito, conhece as diferentes experiências das diferentes mulheres que são candidatas. É muito importante nos fortalecermos não apenas no sentido político, mas também no coletivo."

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