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“A verdade: nas Honduras é ainda pior". Caravana de migrantes enfrenta a miséria na fronteira mexicana

Cerca de duas mil pessoas conseguiram chegar à fronteira entre a Guatemala e o México e encontram-se agora bloqueadas.
Um grupo de migrantes descansa no parque central de Ciudad Hidalgo em condições complicadas

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma VICE News.

TECUN UNAM, Guatemala - A caminhada pela ponte que separa a Guatemala e o México demora apenas 15 minutos. Agora, este trecho de cimento tornou-se parte de um cenário de crise humanitária em desenvolvimento, com a chegada de cerca de mil e 500 migrantes, a maioria vindos das Honduras - e muitos, crianças -, que estão a dormir entre pilhas de lixo, sem casas-de-banho e sem água, a não ser aquela que os voluntários conseguem transportar em sacos de plástico.

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De momento, este é o fim da linha para quase metade do grupo de aproximadamente quatro mil migrantes, na sua maioria hondurenhos, que formam parte de uma "caravana humana" que tem como destino a fronteira norte-americana. Na sexta-feira, 19 de Outubro, a polícia federal mexicana disparou gás lacrimogéneo para prevenir uma investida dos migrantes contra os portões; agora, a multidão acalmou e parecem prontos a esperar o tempo que for preciso para passarem a fronteira.

"O município está a colapsar devido à quantidade de pessoas que aqui estão", alerta Gustavo Adolfo Arana Jui, da Comissão de Desastres Naturais da Guatemala (conhecida por Conred), numa conferência de imprensa realizada no sábado, 20 de Outubro, em Tecun Uman, localidade para onde os migrantes convergiram.

Num esforço para aliviar a crise, o governo da Guatemala está a enviar autocarros para Tecun Uman de forma a oferecer transporte gratuito até às Honduras para aqueles que querem voltar a casa. O Presidente da Guatemala, Jimmy Morales, disse no sábado que cerca de dois mil membros da "caravana humana" já terãoaceite a proposta. No entanto, os oficiais municipais de Tecun Unam estimam que esse número é bastante mais baixo e não ultrapassará as mil e 200 pessoas.

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Um grupo de migrantes da América Central atravessa o rio Suchiate numa jangada feita com câmaras de ar de pneus de tractor e tábronteira entre a Guatemala e o México. Ciudad Hidalgo, México, Sábado, 20 de Outubro, 2018. (AP Photo/Moises Castillo)

Entretanto, mais de mil e 400 migrantes dessa mesma "caravana humana" entraram no México na semana passada, de acordo com as estimativas dos oficiais do governo mexicano e dos centros de acolhimento que operam na região. A alguns foi-lhes concedida entrada legal, mas a maioria parece ter cruzado a fronteira ilegalmente, em jangadas, através do rio Suchiate.

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No entanto, o grosso dos migrantes que se juntaram a esta caravana estão agora a viver em campos improvisados numa ponte com menos de dois quilómetros de comprimento. Alguns dormem debaixo de lonas, mas a maioria não tem nada com que se proteger da chuva e do sol. E sem contentores, por exemplo, o lixo amontoa-se na estrutura, apesar dos esforços dos migrantes e dos voluntários para manterem a área limpa.

Ainda assim, o plano da maioria dos migrantes é ficar e esperar o tempo que for preciso - até aqueles que têm crianças. "A verdade: nas Honduras é ainda pior", revela Sadi Mejilla, que está grávida de quatro meses e viaja com os seus quatro filhos, todos com menos de 11 anos. "Aqui, na ponte, estamos minimamente bem. Tirando o dormir no chão e o facto de estarmos à torreira do sol, acho que é melhor que as Honduras".

Mejilla, que quer encontrar trabalho no México ou nos Estados Unidos, não tem um plano para depois. Pensou em candidatar-se a asilo no México, mas acabou por decidir que não, porque acredita que os oficiais mexicanos a iriam deportar. O governo mexicano diz que processou 640 migrantes da caravana que procuravam asilo e que está a dar prioridade a mulheres e crianças.

Sandra Duarte, por outro lado, quer pedir asilo para ela e para o seu filho. Todavia, não conseguiu chegar à fala com oficiais mexicanos para o fazer. O plano é continuar a tentar. E sublinha: "O meu filho está prestes a fazer 16 anos. Nas Honduras - com todo o crime e gangs -, que tipo de futuro é que o espera?".

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Migrantes da América Central a saírem de Ciudad Hidalgo, México, domingo, 21 de Outubro, 2018. (AP Photo/Moises Castillo)

Já Orfa Catalina Lemos, de 23 anos, diz que não ganhava dinheiro suficiente nas Honduras para comer. Está, por isso, a apreciar a comida que lhe é doada na Guatemala. "Se tivesse comida nas Honduras como tenho aqui, teria ficado," garante.

Ainda assim, apesar da determinação dos migrantes, o desespero está a crescer. Multidões juntam-se na ponte para debater se deviam tentar cruzar para o México de jangada. É uma viagem curta - uma questão de minutos -, mas alguns já ouviram dizer que aqueles que operam as jangadas lhes ficam com o dinheiro e os entregam às autoridades mexicanas. Sem informação viável, sem plano para cruzar a fronteira e com uma potencial crise de saúde pública em desenvolvimento, a situação na ponte parece estar pronta para explodir em violência a qualquer momento.

E, apesar de a caravana ter começado com um porta-voz e organizador - o ex-legislador hondurenho, Bartolo Fuentes, que foi preso na Guatemala na semana passada e deportado de volta para às Honduras - qualquer sentido de liderança que restava já se evaporou entretanto. Um padre hondurenho, que agora vive na Guatemala, caminhou pela ponte na noite de sexta-feira, a implorar às pessoas que se mantivessem calmas.

Alguns hondurenhos decidiram mesmo desistir. A jornada já foi demasiado longa e dura e perderam a esperança de que alguma vez conseguirão entrar no México.

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Rapaz num autocarro que leva pessoas de volta para as Honduras. (Foto: Jorge Patino)

Marcela Gutierrez, que se juntou à caravana com o seu filho de 11 anos, queria pedir asilo. Trouxe com ela o documento oficial de um procurador das Honduras, que dizia que era uma testemunha protegida - testemunhou contra o assassinato do seu pai. Mas, Gutierrez diz que não conseguiu chegar à fala com as autoridades mexicanas para mostrar o documento.

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"Estou aterrorizada com a possibilidade de voltar às Honduras. Mas, não vejo outra opção," explica. E acrescenta: "Arrependo-me de ter saído. Teria sido melhor continuar a viver escondida nas Honduras do que passar dias a dormir na rua, no chão, a pôr em risco a vida do meu filho. Teria sido melhor ter lá ficado".

Mas, a caravana humana continua.

No domingo, 21 de Outubro, de manhã, os cerca de dois mil migrantes que se estima tenham conseguido chegar ao México, dirigiram-se para Norte, continuando a marcha em direcção aos Estados Unidos, a partir da localidade fronteiriça de Ciudad Hidalgo. A caravana de migrantes está muito mais pequena nestes últimos dias, mas os que resistem já mostraram que estão disposto a arriscar tudo para seguir em frente.


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