jovem com os seus pais sentados numa cama
Foto por Sean Acklin Grant.

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Identidade

Millennials e os seus pais contam-nos como é ainda viverem juntos

"As pessoas, pelo menos na minha localidade, ficam em casa dos pais até mais tarde. Para mim não faz sentido gastar dinheiro só para ir para a terra ao lado" - João Pedrosa, Portugal.

Este artigo foi publicado originalmente na VICE UK, com contributos de vários países, incluíndo Portugal.

Trocares o teu quarto de infância e adolescência por um apartamento criminosamente nojento que partilhas com amigos, deveria ser um ritual básico de passagem para todos os jovens. No entanto, graças à crise que se vive um pouco por todo o lado em relação aos arrendamentos, causada por senhorios que impõem valores de renda absolutamente inacreditáveis e políticas governamentais negligentes no que a esta matéria diz respeito, muitas pessoas na casa dos 20 e 30 não podem sequer sonhar com essa possibilidade. Ao invés, são forçadas a manter-se no conforto do lar familiar e a não poderem desfrutar da liberdade de sair de casa.

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Em 2016, dados do Eurostat colocavam Portugal no oitavo lugar entre os países da União Europeia onde os jovens permaneciam até mais tarde em casa dos pais. Segundo o estudo, divulgado na altura pela Bloomberg, os rapazes são os que permanecem por mais tempo debaixo do tecto parental. Cerca de 68 por cento dos jovens masculinos entre os 16 e 34 anos ainda vive com os pais, sendo as raparigas ligeiramente mais independentes, com 58 por cento ainda a habitar com os progenitores. No Reino Unido, em Novembro de 2016 o Centro Nacional de Estatísticas avançava que 3.3 milhões de indivíduos entre os 20 e os 34 anos continuava a viver com os pais, o que representa um crescimento de 618 mil pessoas nos últimos 20 anos.

Falámos com cinco millennials e com os seus pais, todos de diferentes partes do Mundo, para tentarmos perceber como é ainda partilharem o mesmo tecto. Ficámos a saber como dividem as contas e as tarefas e se é ou não na boa levar alguém para casa.

Frederic, Bettina e Lutz – Alemanha

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Frederic (à direita), com os pais, Bettina (à esquerda) e Lutz (ao centro). Foto por Lea Albring

Depois da licenciatura, Frederic (25) voltou para casa dos pais em Colónia. VICE: Porque é que ainda vives com os teus pais?
Frederic: Sai de casa aos 20 quando entrei na universidade. Precisava mesmo de independência, portanto troquei o meu pequeno quarto por um apartamento na cidade. Agora estou com os meus apis desde que acabei o curso em Junho. Estou actualmente a fazer mestrado e é provável que vá para o estrangeiro durante um semestre, portanto, definitivamente, não me compensava manter-me num apartamento se dentro de um ano vou para fora.

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Dás alguma ajuda em casa?
Frederic: Tratamo-nos como colegas de casa. Quando comemos juntos, por exemplo, revezamo-nos a cozinhar. É claro que há imensas vantagens - o facto de o frigorífico estar sempre cheio, ou os cozinhados da minha mãe.
Bettina: O meu marido trabalha em Berlim durante a semana, portanto gosto muito de ter cá o meu filho. Todavia,faço questão de não o mimar muito e de não estar sempre a fazer-lhe as coisinhas todas. Costumava levantar os pratos que ele deixava sujos, mas, hoje em dia,deixo-lhe uma nota escrita, ou mando-lhe uma mensagem para o lembrar de arrumar as coisas.

O que é que os teus amigos acham de viveres com os teus pais?
Frederic: Muitos deles entendem perfeitamente. Aliás, até costumava ser ao contrário. Havia pessoas que me perguntavam porque é que vivia sozinho, com os meus pais ali tão perto.
Lutz: Quando eu fui para a universidade, há 30 anos, toda a gente queria ser livre e sair de casa o mais depressa possível. Agora, a maior parte dos meus amigos ainda tem os filhos a viver com eles.

Há alguma coisa que te chateie no facto de viveres com os teus pais?
Frederic: Enquanto estudante, tenho o meu próprio ritmo diário. Normalmente estou acordado até mais tarde que eles e gosto de ouvir música. Isso não é apenas um problema para os meus pais, mas também para os vizinhos. De qualquer forma, também não estou à espera de poder fazer tudo o que me apeteça. Viver com outras pessoas significa que tenho de ter consideração por elas e não seria diferente se estivesse a viver com amigos.

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- Lea Albring

Jonathan, Joe e Maria – Canadá

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Jonathan (ao centro), com os pais, Joe (à esquerda) e Maria (à direita). Foto por Sean Acklin Grant

Jonathan (23) ainda vive com os pais no Ontário como forma de poupar dinheiro enquanto tenta uma carreira na música. VICE: O que te levou a tomar a decisão de ficar em casa?
Jonathan: Quando entrei na universidade fazia sentido ficar em casa e poupar dinheiro, em vez de acumular uma dívida enorme e estar sempre preocupado em arranjar maneira de pagar as contas. Agora que me licenciei e tenho um emprego em part-time, consigo focar-me no meu sonho de ser produtor musical, sem ter de encontrar trabalho a tempo inteiro. Foi uma sensação óptima poder agarrar no dinheiro da bolsa do meu mestrado e pô-lo no banco, sem ter de me preocupar de o gastar em comida ou na renda. Espero que o possa vir a usar mais tarde em alguma coisa que valha a pena, como um depósito a prazo, ou uma casa.

Quais são os prós e os contras de ter o Jonathan em casa?
Joe: Na verdade, não consigo apontar nenhum contra. Ele é uma óptima companhia. Quando já cozinhas para dois, cozinhar para três é a mesma coisa. As contas não são muito diferentes do que seriam se estivéssemos só os dois.
Maria: Felizmente, ele não é um rapaz desarrumado.
Jonathan: É assim, também não é sempre tudo uma maravilha. Acho que haverá sempre momentos em que discutimos, mas nunca chegou a nada de muito grave. O que é que os teus amigos acham de viveres com os teus pais?
Jonathan: Muitos deles, neste momento, estão no mesmo barco que eu. Honestamente, parece-me que alguns dos meus amigos que se viram forçados a sair de casa têm um bocadinho de inveja. Mas, também sabem que quando for a altura certa, eu saio.
Joe: Conhecemos pais que correram com os filhos aos 16 anos. Se ele fosse aquele tipo de miúdo preguiçoso, que bebesse e fumasse muito, é claro que consideraríamos pô-lo a andar se entendessemos que isso o poderia ajudar a encontrar o seu caminho.
Maria: Ele saberá quando for a altura certa. Não quero que ele ande preocupado e nervoso por não conseguir ganhar o suficiente para a renda e para comer.

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E como é que é no que diz respeito e festas e raparigas?
Jonathan: Bem, nunca fui muito de trazer raparigas cá a casa de qualquer maneira, portanto não é um problema. Sou mais de relações prolongadas, do que de ter vários casos. Para além disso, gosto da ideia de ir a uma festa em casa de amigos e depois poder voltar para o conforto do lar.
Maria: Queremos que ele tenha uma vida. Até já tentei convencê-lo a fazer festas, mas ele não está para isso.

- Moses Montrezza


Vê também: "Jovens noivas à venda: o controverso mercado das virgens na Bulgária"


Melania e Mirela – Itália

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Melania (à esquerda) com a mãe, Mirela (à direita). Foto cortesia de Melania.

Melania (24) regressou a casa da mãe, em Roma, depois de perder o seu rendimento regular. VICE: Porque é que voltaste para casa da tua mãe?
Melania: Deixei de ter um emprego fixo, portanto comecei a não ter rendimento regular e tornou-se complicado pagar as contas. A maior parte dos meus amigos ainda vive com os pais, portanto não foi nada embaraçoso.

Quais são as vantagens e desvantagens de viverem uma com a outra?
Melania: Apesar de por vezes a minha mãe conseguir ser um bocado chatinha, já tive colegas de casa bem piores. Ambas contribuímos para as tarefas domésticas, portanto é tudo bastante justo.
Mirela: Sim, é bom ter uma ajuda quando precisamos e, como mãe, é óptimo poder estar envolvida na vida da minha filha.
Melania: Muitos pais passam por isso quando os filhos começam a crescer.

Quando achas que vais voltar a sair de casa?
Melania: Assim que puder! Mas, sempre que me parece que estou a chegar à luz ao fundo do túnel, acontece alguma coisa que me dá cabo dos planos.
Mirela: Espero que seja em breve. Não que não a queira cá, mas isso significaria que ela tinha encontrado o seu caminho e alguma estabilidade.

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Há um termo italiano "bamboccioni" (bebés grandes), que se refere a pessoas na casa dos 20 que não deixam a alçada dos pais. Achas que é um termo que te descreve?
Melania: Bem, de certa maneira, sim, mas não me vejo a viver aqui para sempre. Em Itália temos um grande problema de desemprego e de rendas insuportáveis, pelo que a minha situação não é assim tão estranha. Mas, é claro que acho que estou muito atrás do ponto em que devia estar. - Matteo Contigliozzi

Simon, Amanda e Ian - Austrália

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Simon (ao centro) com os pais, Amanda (à esquerda) e Ian (à direita). Foto cortesia Simon.

Simon (26) é um estudante de Economia de Melbourne, que espera poder sair de casa dos pais no início do próximo ano. VICE: Porque é que decidiste permanecer em casa dos teus pais?
Simon: Basicamente, por conveniência. Tem sido bastante fácil. Dou-me muito bem com os meus pais. Conheço muita gente que fica maluca com os pais que os tratam como se ainda tivessem 15 anos. Mas, não é o meu caso.

Dito isto, estou desejoso de me mudar quando terminar o mestrado no próximo mês e começar a trabalhar no meu primeiro emprego à séria no início do próximo ano. Tem sido bom, mas estas coisas têm limites. Para além disso, a cena do solteiro a viver sozinho parece-me divertida e quero ter essa experiência antes de os meus amigos começarem todos a casar e a ficarem chatos.

Até que ponto é que o custo de comprar ou arrendar uma casa foi importante na decisão?
Foi um factor tido em conta, mas não foi decisivo. Desde que acabei o liceu, trabalhei a tempo inteiro quase quatro anos e durante esse tempo paguei renda em casa, num valor semelhante ao que teria de pagar se arrendasse um quarto nos subúrbios. É possível que tivesse o suficiente para dar entrada para um apartamento, se não tivesse rebentado tudo quando decidi ir viajar durante um ano, incluíndo um semestre de intercâmbio no Reino Unido. Ainda não sei se foi uma boa ideia, mas na altura pareceu-me uma excelente ideia.

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Quais são os prós e os contras de viveres com os teus pais?
Há montes de prós. Para começar, eles vivem numa zona muito fixe de Melbourne. Vou demorar décadas a conseguir pagar alguma coisa que se assemelhe remotamente. Há muito espaço e não é complicado ter privacidade. Par além disso, estou a 10 minutos a pé da zona comercial, da praia, da estação de comboios e de alguns bares. Se comparares isto a viver numa espelunca com outras pessoas que encontraste na Internet, nem tens de pensar muito. Ah, e as refeições caseiras, claro. Não cozinho mal, mas o meu repertório é muito mais limitado do que o dos meus pais. São ambos excelentes cozinheiros.

Não há assim muitos contras. Parece-me que toda a gente o está a fazer há imenso tempo. Apesar de agora começar a achar que já estou a passar um bocadinho dos limites. Quando saio até tarde, normalmente tenho tendência a ir para casa antes de o sol nascer para evitar chegar com os meus pais já acordados. Conheço algumas pessoas que dizem que dormiram em casa de amigos e aparecem ao meio-dia em condições deploráveis. Aparentemente, os pais acreditam. Que anjinhos. Ninguém fica a dormir em casa dos amigos aos 20 anos.

E para vocês como é, Amanda e Ian?
Amanda: Não tive de passar pelo desgosto de o Simon sair de casa e perder aquela ligação com ele que acontece sempre com a distância. Para além disso, é bom podermos ter esta relação com ele na sua vida adulta.
Ian: Sim, mas quando nos preocupamos com ele é por causa de problemas mais complexos do que aqueles que tínhamos quando era criança. O que pensam os teus amigos sobre o facto de viveres com os teus pais?
Simon: Não é um assunto que surja muito. Entre os meus amigos há provavelmente metade que ainda vivem com os pais. Ainda assim, mesmo que achem que é patético, são muito educados e olha que não são assim muito educados com a maior parte dos assuntos. Portanto, concluo que não é algo que lhes interesse.

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No que diz respeito a raparigas, depende. É interessante que são as mais novas que acham que a coisa já passou dos limites. São apenas demasiado jovens e idealistas. Eu provavelmente também o fui em tempos, mas depois a vida acontece e chegas aos 26 anos e ainda vives em casa dos pais.

Julian Morgan

João, Raúl e Margarida – Portugal

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João (à esquerda) com os pais, Raúl (ao centro) e Margarida (à direita). Foto por Pedro Miguel.

João (30) gosta de viver com os pais, na pequena aldeia da Sismaria, Leiria, porque fica mais em conta e traz-lhe vantagens em termos profissionais. VICE: Porque é que decidiste ficar a viver em casa dos teus pais?
João: Trabalho com o meu pai e a empresa dele fica a poucos metros daqui de casa, nem sequer vou de carro para o trabalho. Vou a pé, é mesmo ao fim da rua. Para sair daqui, seria sempre para ir viver para a cidade, uma vez que vivo na aldeia, só que, neste momento, não me compensa e gosto de estar aqui. Estou no campo e, ao mesmo tempo, a 10 minutos da praia.

Quais são os prós e contras de terem o vosso filho a viver convosco?
Raúl: Ele é uma companhia. É nosso filho, gostamos dele e gostamos que ele cá esteja.
Margarida: Não vemos desvantagem nenhuma, se um dia tiver de sair, como nós também saímos quando éramos mais novos, pois assim será. Tem direito à vida dele. Mas, não o vamos mandar embora. Enquanto ele quiser, está à vontade.

E para ti João, quais são as vantagens e desvantagens de viveres com os teus pais?
João: Para além do que referi anteriormente, a proximidade do trabalho, os meus pais não são daquele género de pessoas que estejam sempre a meter limites a tudo. Estou à vontade nesse aspecto. É claro que, a partir de uma certa altura - e ando seriamente a pensar nisso - queres ter as tuas coisas. Não tem nada a ver com eles, queres simplesmente o teu espaço. Mas, é o que eu digo ao meu pai, se ele me oferecer uma casa, saio já amanhã. (risos).

O que é que os teus amigos pensam sobre a tua situação?
João: A maior parte não pode falar muito, pois estão numa situação idêntica. Acho que na aldeia é diferente. As pessoas, pelo menos na minha localidade, ficam em casa dos pais até mais tarde. Para mim não faz sentido gastar dinheiro só para ir para a terra ao lado.

Quando é que te vês a sair de casa?
João: Talvez no início do próximo ano, mas ainda quero decidir para onde é que vou. A localização da empresa onde trabalho é muito importante e é aqui que ela está. Tenho de pensar bem se quero ir para longe e ter de fazer o caminho todos os dias. Mas, sim, ando a pensar nisso.

Pedro Miguel


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