O autor no Mindful Drinking Festival.
O autor no Mindful Drinking Festival.

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comportamento

Tentei 'beber consciente' pra ver se eu conseguia me divertir sóbrio

Experimentando drinques sem álcool e tentando achar sentido na vida.
JL
fotos por Jake Lewis
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor

“Sinto uma certa liberdade em não beber mais porque isso ocupa muito espaço no seu cérebro”, disse Laura Willoughby no Mindful Drinking Festival (MDF) em Londres, um evento sobre não precisar encher a cara para se divertir. “Foi a melhor decisão que tomei na vida.”

Álcool: a causa e a solução de todos os problemas da vida. Claro, Os Simpsons disseram isso primeiro, o que não torna a frase menos verdadeira. Bebidas são meu demônio mais feroz; já fodi muita coisa graças a minha incapacidade de parar de beber quando deveria.

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E segundo as estatísticas sobre álcool dos últimos anos, não estou sozinho: muita gente parece acreditar que se envenenar regularmente por diversão não é uma boa ideia. Numa pesquisa do Drink Monitor, quase um quinto dos participantes disseram que estavam mudando seus comportamentos de consumo de álcool, com pelo menos dois quintos dizendo que já tinham utilizado métodos de planejamento para cortar o consumo, e o pessoal mais velho aderindo a restrições antiquadas enquanto os millennials tinham mais chance de evitar totalmente o álcool.

Na verdade, temos visto um pico dos abstêmicos no geral. Segundo o Gabinete Nacional de Estatísticas do Reino Unido, são quase dois milhões de adultos abstêmicos em Londres – 30% da população adulta – enquanto no país todo a porcentagem é de 20,9%. E essa tendência parece estar só começando, como você percebe por incontáveis relatórios sobre a Geração Z (pessoas entre 16 e 24 anos) supostamente trocando as cervejas pela sobriedade.

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Dez anos atrás, um evento como o MDF teria sido ridicularizado como uma festa puritana. Mas hoje, nesse clima, faz todo sentido. Comandado pelo Club Soda – que se descreve como um “movimento para beber de maneira consciente” – o festival estava cheio de pessoas experimentando vários tipos de bebidas sem álcool.

“Comecei o Club Soda porque parei de beber seis anos atrás, e queria que as pessoas pudessem se juntar a esse movimento e mudar seus hábitos da maneira como quisessem, seja cortando, ficando um tempo sem beber ou parando de vez”, explicou a fundadora Laura Willoughby. “Agora temos 20 mil membros. O que descobrimos é que nossos membros ainda querem frequentar restaurantes e pubs, mas se sentem – especialmente em pubs – sendo tratados como idiotas, quando você está pagando para estar ali.”

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No MDF, esses clientes pagantes caminhavam entre as barraquinhas na rua sem saída degustando misturas que – para mim – tinham gosto daquelas versões sem álcool de coquetéis de fruta efervescentes. Mas teve uma marca que realmente gostei, Punchy, que vendia coquetéis sem álcool de rum e gengibre (eles também tinham versões alcoólicas de seus produtos em exposição, mas não podiam vendê-las no festival).

“Nossa abordagem é equilibrar bebidas alcoólicas e não-alcoólicas – é importante para nós não nos vender como uma marcar para encher a cara nem de abstinência total”, explicou o cofundador Paddy Hobhouse. “Na Regata Henley, por exemplo, vendemos cerca de 600 garrafas alcoólicas e 300 não-alcoólicas. Acho que o que impulsiona isso é que as pessoas estão sempre postando nas redes sociais, então há essa pressão para estar sempre bem e saudável, o que alimenta essa tendência. Acho que é por isso que tem tantas marcas aqui hoje.”

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E havia mesmo muitas marcas no festival. A Heineken estava vendendo sua cerveja sem álcool “0.0”, a Gordon's oferecia seus coquetéis de gim e tônica de 0,5 de álcool, e tinha vários fabricantes independentes de vinho, champanhe, cerveja e até stout oferecendo amostras. Mas nada disso deveria ser surpresa: o mercado para produtos sem álcool ou de baixo teor alcoólico é cada vez mais lucrativo. Segundo a empresa de análise Kantar Worldpanel, a venda de cervejas e cidras abaixo de 1,2 de álcool aumentou quase 30% em 2017, comparado com 2015, enquanto a venda de vinhos com zero álcool cresceu 8%.

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Pessoalmente, ainda não estou totalmente convencido. Foi estranho passar o dia todo bebendo coisas que faziam meu cérebro tilintar com a promessa de ficar bêbado, sem realmente ficar bêbado. Talvez seja meu alcoolismo falando, mas todos os drinques eram um pouco sem vida. A Heineken tinha gosto de cerveja aguada, o sabor da tônica Gordon's era fraco demais, e consigo imaginar a stout sem álcool sendo usada num cenário de tortura. Quase com certeza porque meu cérebro estava antecipando um barato que nunca batia, mas fiquei com a sensação de que preferia tomar um suco de laranja que qualquer outra cerveja ali.

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“A Heineken 0.0 é deliciosa – é a que mais parece com uma boa cerveja, segundo minha memória”, argumentou Yasmine, 26 anos, membro do Club Soda que está sóbria há 22 meses. “Eu soube por cerca de oito anos que meus hábitos com álcool eram problemáticos”, ela elaborou, “mas era aceitável estar bêbada o tempo todo – era tudo que eu e meus amigos fazíamos – então nunca me ocorreu parar. É difícil dar as costas para a única vida que você conhece, mas eu só queria saber na época o que sei agora: a vida é infinitamente melhor sem álcool.”

E isso era algo que eu continuava ouvindo dos frequentadores, vendedores, dos donos das barraquinhas e dos organizadores: que – inacreditavelmente – quando eles pararam de beber em excesso, tomar más decisões e serem obrigados a lidar com a ressaca no trabalho, a vida deles realmente melhorou. Parece ridículo, mas lá estavam eles, dizendo isso seriamente na minha cara.

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O pessoal do Reino Unido é famoso por se voltar para o goró para comemorar, chorar ou simplesmente passar o tempo. Só brigo com as pessoas que amo por causa do álcool, e só realmente as magoo e decepciono quando tenho álcool no meu sistema. Não consigo contar as vezes em que disse para mim mesmo: “OK, vou ficar sóbrio por um mês”, só para acabar com meus planos na primeira ocasião social do mesmo jeito como não consigo parar de roer unha e olhar no celular toda hora, mesmo me odiando por isso.

Então fico feliz que eventos assim estejam se tornando mais populares, e que talvez o leve estigma que cerca as bebidas sem álcool esteja começando a cair. Se as pessoas querem beber, e conseguem curtir o álcool de uma maneira responsável que não prejudica sua existência, tudo bem. Mas em breve, espero, vai ser completamente normal não ter que depender de uma droga tão antiga para nos ajudar a passar pelos desafios cada vez mais implacáveis do mundo moderno.

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Matéria originalmente publicada pela VICE Reino Unido.

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