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Na terapia, primeiro você se sente uma merda pra depois se sentir melhor

Falar com uma psicóloga depois do meu último pé na bunda significou relembrar todos meus relacionamentos antigos.
Foto:  Tero Vesalainen / Getty.

Matéria originalmente publicada no Tonic.

Três anos e meio atrás, comecei a ver duas mulheres ao mesmo tempo: Sarah, que se tornaria minha namorada, e Laura, minha terapeuta. Sarah e eu nos apaixonamos e começamos a morar juntos um tanto rápido demais. A Laura esteve do meu lado durante todo processo, tratando minha ansiedade e depressão, forjada durante uma infância repleta de amor e cuidado da minha família, misturada confusamente com uma falta de aceitação.

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Os primeiros anos do meu relacionamento com a Sarah, incluindo o último quando começamos a morar juntos, foram marcados por pequenas brigas ocasionais, mas no geral me trouxeram uma felicidade extraordinária. Nas sessões com a Laura, me conectei muito mais com minhas emoções, entendendo suas raízes e me permitindo trabalhar com elas.

Mas as coisas lentamente começaram a desmoronar entre a Sarah e eu. As brigas se tornaram mais frequentes e virulentas; eu tinha um pequeno ataque de pânico quando ouvia os passos dela subindo as escadas para o nosso apartamento. Naquele ponto – mais de dois anos e meio depois do começo do nosso relacionamento – aquilo seria um comprometimento pro resto da vida ou a dissolução.

Então me mudei. Foi horrível.

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O que se seguiu foi um negócio de músicas de sofrência e sitcoms: crises de choro do nada, às vezes desencadeadas por lugares que me lembravam a Sarah como o supermercado, no corredor de carnes. Eu jogava peitos de frango e bifes na minha cesta, resistindo à memória muscular de pegar salmão também. Não como peixe, mas cozinhava para a Sarah o tempo todo. A seção de hortifrúti era outra aventura.

Numa sessão recente com a Laura, uma das minhas crises mais hardcore me fez chorar incontrolavelmente repetindo “Sinto saudades dela! Sinto muita saudade!”

Conhecendo minha história de enterrar meus sentimentos, Laura apontou que a dor que eu estava canalizando – aos 38 anos – na verdade era muito nova para mim, graças a todo o trabalho que eu estava fazendo na terapia. “Na verdade”, ela continuou, “como você está muito mais consciente de si, não acho que você está triste só com a perda da Sarah. Você está sofrendo por todas as suas ex-namoradas”.

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Aparentemente, a terapia abriu alguma enorme comporta emocional.

São momentos como esse, para mim e muitas pessoas em tratamento, que ilustram os paradoxos da terapia, por assim dizer. Pacientes procuram análise em busca de conforto, para se sentirem bem emocionalmente. No entanto, durante as sessões, e mesmo fora do consultório do terapeuta, mergulhar nas profundezas dos seus medos, problemas de autoestima, traumas e outras causas fundamentais do transtorno mental de alguém não é nada prazeroso. Na verdade, isso pode abrir uma ferida e irrigá-la antes de curá-la.

“As pessoas são motivadas a evitar dor”, diz Roger Moore, um psicoterapeuta da Carolina do Norte. “De todas as dores que temos, a dor emocional é a mais aguda.”

Moore diz que com o tempo as pessoas desenvolvem “maneiras talvez mal adaptadas, mas funcionais de modular suas emoções”, ignorar a dor repetidamente como meio de lidar com ela. Mas essa abordagem não é saudável, e o acúmulo de todo esse desconforto não abordado, segundo Moore, pode levar a úlceras, estresse, pressão alta, dor, fadiga, sem mencionar uma variedade de transtornos mentais.

Da parte deles, os terapeutas devem fazer seus pacientes confrontarem o que realmente os perturba, mesmo que o método para evitar isso de várias maneiras – e por muitos anos – tenha servido bem.

“Em uma boa sessão, os terapeutas estão, no mínimo, pressionando os clientes para se sentirem desconfortáveis”, diz Noelle Lefforge, uma psicoterapeuta de Nevada. Terapeutas, acrescenta Lefforge, “têm que acreditar que há um valor em fazer isso… mesmo vendo o sofrimento que vem desse desconforto”.

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Lefforge, que também é diretora-assistente do The PRACTICE, uma clínica de treinamento em saúde mental da Universidade de Las Vegas, instrui seus estudantes a abordar os clientes como se fossem “colocar o pé sobre o fogo, mas sem se queimar”.

Moore disse que, quando seus clientes entram na terapia, “uma inclinação ascendente em termos de se sentir melhor” é o ideal. Mas ele explica que para eles “muitas vezes há um mergulho, inicialmente, e depois eles esperam se sentir melhor com o tempo”.

Esses mergulhos do bem-estar dos clientes, desencadeados pela nova confrontação com emoções, era difícil para Morre observar no começo de sua carreira. Ele diz que teve que alterar sua maneira de pensar, dizendo a si mesmo para sempre ter empatia pelos pacientes, mas se certificando de compartimentar seus sentimentos apropriadamente.

Minha terapeuta, Laura, me diz que fazer análise (ou terapia) às vezes lembra ir ao dentista: você está com dor, e aí paga para experimentar mais dor ainda. Ela diz que se sente inspirada por pessoas que simplesmente superam o medo de ir para uma sessão – menos pela tarefa complicada de lidar com suas emoções – talvez pela primeira vez na vida adulta.

O rescaldo do meu término com a Sarah significou uma inundação de tristeza, ressentimento, arrependimento, solidão e todos os sentimentos clássicos que veem quando um relacionamento longo acaba – multiplicados por sete, uma vez para cada relação que tive desde que comecei a namorar, incluindo uma esposa.

Eu nunca tinha deixado a dor desses términos fluir. E até lembro de pensar, com orgulho, um ano depois do meu divórcio, que não tinha chorado nenhuma vez, e claramente estava lidando com isso muito bem.

Esse período pós-término, já chegando ao nono mês, ainda é desafiador. Escrever isto não é fácil, e ainda tenho que ir para a terapia e comprar comida esta semana. Ainda assim, há a promessa de que a terapia traz resultados positivos, mesmo que só eventualmente. Nos permitir sentir as emoções, não importa quão amargas, “nos permite viver de verdade e completamente”, me diz Moore. “Não podemos ter altos se não tivermos baixos, saciedade se não temos fome, calor se não tivermos frio.”

Terapeutas fornecem um espaço seguro para os pacientes encontrarem de maneira saudável essas emoções difíceis de lidar. Mas eles não podem fazer promessas de que você vai gostar de estar ali. “Como psicóloga, meu principal objetivo é ajudar as pessoas a funcionar melhor em suas vidas”, disse Lefforge. “Meu trabalho não é remover o sofrimento da existência de alguém, mas permitir que a pessoa consiga funcionar independente do que a vida coloque no caminho dela.”

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