A vida real de uma Primeira Dama
Primeira Dama. Foto pelo autor.

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Entrevista

A vida real de uma Primeira Dama

Manuel Lourenço quer fazer singles. Muitos. No segundo disco, "Primeira Dama", o objectivo é cumprido. Agora só lhe falta conseguir escrever uma canção sobre Lisboa.

Foi há cerca de duas semanas. Estava um sol desgraçado e tive a brilhante ideia de marcar a entrevista para o início da tarde. Depois de uma longa caminhada a torrar, ainda tive que subir até ao último andar de um prédio na Avenida Almirante Reis em Lisboa.

Era lá que me esperava Manuel Lourenço, também conhecido por Primeira Dama. Sentámo-nos numa mesa à beira da janela e falámos muito. Sobre o disco homónimo que o Manel lançou recentemente, mas também sobre a "Rita", novelas, música portuguesa em geral e a vida em Lisboa em particular.

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VICE: Passou pouco mais de um ano desde que lançaste o teu primeiro disco…

Primeira Dama: É verdade. Teve que ser assim de seguida.

Decidiste que este segundo disco seria homónimo. Isso quer dizer que já encontraste o som que querias?

Não, quer dizer que é o fim desta fase. Acho que hei-de fazer mais discos homónimos, ou com nomes que claramente se refiram a esse lugar de "encontrar uma cena que é tua". Primeiro sinto que estas canções têm muito mais a ver comigo all-the-way. Segundo, acho que este disco mostra que ainda estou numa fase de fazer canções que vêm do outro disco, mas faço-as melhor. Fazendo assim uma piada lame: as histórias que ficaram por contar no outro disco, neste já são cenas mais reais. [O primeiro disco chama-se Histórias por Contar] São tudo coisas da minha vida real.


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É uma versão mais sólida desse primeiro álbum?

Eh pá, não necessariamente. É um disco diferente, com uma construção diferente. Acho que se nota muito a diferença deste disco para o outro, especialmente esteticamente. Do ponto de vista das canções, ainda tem muitas coisas do outro. É da minha vida. Pronto, se calhar é uma coisa mais sólida. É mais a sério. Pelo menos eu acho que é bastante melhor que o outro.

E sentes que as reacções ao disco também estão a ser melhores?

Sim, sim. Bem, não sei se são melhores, mas são mais imediatas.

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Pelo menos a tua canção "Rita" está a pegar bastante. Há muita malta por aí interessada nela.

É uma song que o pessoal curte cantar. Essa e a "Rua das Flores" são as que estão assim a bater mais. São as que as pessoas curtem fazer a piada desconfortável de cantar a tua song a ver se tu vais com a cena. Sim, pessoas, não façam isso porque é uma cena super desconfortável.

Já dei por mim a cantar a "Rita", por exemplo.

É isso que se quer, o objectivo é esse.

Conseguiste fazer um single orelhudo.

A ideia é essa! Eventualmente a "Rua das Flores" até é mais single, por isso é que só foi segundo single. Saiu agora com o vídeo do Chico [Correia], porque, por exemplo, nas audições do Bandcamp é a música mais ouvida. A outra também está a correr bem no Youtube.

E tem dado na rádio.

Sim, são as duas que têm passado mais.

Qualquer dia pode estar numa novela também.

(Risos) Quem sabe, não é.

Alinhavas nisso?

Pá, acho que sim. Se houvesse por aí numa novela uma protagonista chamada Rita. E ela…

Fosse bonita?

Exacto, e se quisessem a canção. Sim, tinha era que me ir inscrever na SPA para fazer bué guito.

Preferias uma novela de que canal? RTP, SIC ou TVI? A RTP agora não tem muitas novelas, é mais séries.

É sempre mais fixe com a RTP só pela coisa do serviço público.

Parece mais ético ou assim?

Exacto, automaticamente parece que tenho mais ética. Mas se tivesse que escolher entre as outras duas, preferia a SIC. Porque também tenho amigos meus que trabalham lá.

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Mas não parece que a SIC vive um bocado a nostalgia de terem sido o grande canal dos anos 90? A TVI parece ter muito melhores audiências agora.

A sua televisão independente… é verdade.

Acho engraçado esta cena de tentares fazer singles, porque lembro-me de há uns tempos entrevistar [para o meu podcast Brandos Costumes] o Carlos Maria Trindade - que foi A&R da Polygram - e de ele se queixar que, nos anos 90, as bandas mais alternativas não queriam fazer singles. E acho que hoje ainda existe uma réstia dessa mentalidade…

Acho que isso é completamente errado. O single é sempre o ponto máximo da cena. Enquanto no outro disco tinha um single e as outras eram canções fixes, mas mais erráticas e que andavam de um lado para o outro, neste disco tentei ter o maior número possível de singles.

Como és muito novo [20 anos], o ano entre o álbum anterior e este faz uma diferença muito maior do que se fosses mais velho. Concordas?

Ya, claro. No outro disco tirei um ano só para fazer música. E o outro disco veio ainda dessa passagem. Tinha 18 anos e estava a acabar o secundário. A minha vida neste último ano mudou completamente.

O que é que mudou?

Tudo. Fiz uma editora [Xita Records] em que agora as pessoas até têm algum interesse. Lancei um disco. Conheci pessoas, muitas delas importantes.

Foto pelo autor.

A vida em Lisboa acaba por influenciar a tua música.

Ah, sim. Ficou por dizer que saí de casa. Isso fez bué diferença.

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E não é só isso, acho que se não morasses em Lisboa a tua música seria completamente diferente…

Também viajei um bocadinho mais por Portugal. Tenho a sorte de até já ter viajado bastante para a minha idade, acho eu. Mas viajar por Portugal acontecia mais quando era pequeno, com o meu pai e assim. Nos últimos anos tinha perdido isso um bocadinho e este último ano voltei. Passei mais tempo no Porto, bom buds aí a tocar, ou até a ir ao NOS Primavera Sound o ano passado. Estar um bocado com pessoal diferente. Dei uns concertos fora, fui às Caldas da Rainha, Évora, Portalegre, fui ao Barreiro duas vezes. Não é muito longe, mas são sempre pessoas diferentes e isso faz uma diferença maior.

Pareces-me uma pessoa que absorve muito as coisas que acontecem à tua volta.

Bué. Eu acho que isso é o meu maior defeito e a minha maior qualidade.

É ser interessado pelas coisas todas?

Sim, uma pessoa de tudo.

Em Lisboa, deve fazer muita diferença para a música que fazes, estares próximo das tuas principais influências mais recentes. E acabas por cruzar-te com essas pessoas na noite ou mesmo de dia….

Isso é um ponto que joga a meu favor. Apesar de eu também ter a escola toda dos antigos, farto-me de falar do Zé Mário [Branco] e gosto muito do Zeca, até toquei no tributo [dia 29 de Abril deste ano no Voz do Operário, em Lisboa] e toco versões dele quando me apetece. Em casa toco versões do Zé Mário, apesar de não me sentir muito à vontade para as tocar ao vivo. Porque também são canções que, em termos de arranjos, são um bocado mais difíceis. Nunca me sinto confortável de as tocar ao vivo.

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Essas coisas existem todas, mas depois não se pode perder o outro lado. Porque, de facto, gosto muito, por exemplo, do Lourenço [Crespo], que é um amigo meu com quem eu estou muitas vezes e que é uma pessoa que, obviamente, influenciou a minha música em termos de mood. Acho que o Nacho (alcunha do Lourenço Crespo) foi muito importante o ano passado, porque fez-me perceber que, mesmo quando estás a falar de coisas menos felizes, podes dar-lhe sempre uma forma e estética eventualmente mais pop ou alegre.

Acho que isso nota-se muito neste disco. Julgo que foi a maior aprendizagem que fiz com o Nacho. Independentemente dos feelings que estás a mostrar, a maneira como dizes as coisas é importante e tem que ser mais cativante. Tem que ser mais para a frente, sem medo de às vezes ser meio "estou triste, mas até estou armadão que estou a fazer uma canção feliz". É uma cena que acho importante.

Há agora aquele "caixote B Fachada", onde te têm arrumado a ti e a muitos outros. Parece-me que tu já és da segunda geração disso. O B Fachada claramente foi um gajo importante, porque trouxe à tona algumas coisas da música portuguesa que andavam menos em voga. Quer dizer, ele fez tanta coisa que é normal que o pessoal esteja sempre a colar outros músicos ao seu trabalho… ninguém antes dele estava sequer a enfrentar tanta música portuguesa de uma vez…

Ele foi um dos que trouxe de volta o querer fazer música portuguesa. Não trouxe de volta a música portuguesa, porque eu cresci a ouvir música portuguesa muito antes de ouvir o B. Cresci a ouvir os discos do Sérgio Godinho de trás para a frente, com o meu padrasto no carro. Anos e anos a fio, desde os seis. Depois o Zeca e o Zé Mário foram aparecendo… o Adriano… o Fausto foi mais cedo… No despertar para a possibilidade de fazer música com essa herança portuguesa que vai buscar coisas à tradição? Sim, o B foi muito importante nisso.

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E ele acaba por se influenciar por esses gajos todos, não é?

No fundo as influências não são diferentes, porque a verdade é que uma geração são 25 anos e nós não somos de uma geração diferente do B. Ele foi só o primeiro a ir buscar essas coisas, o que é muito importante porque as pessoas andavam esquecidas do que estava para trás.

Ele também fez muitas coisas diferentes e as pessoas não estavam muito habituadas a ouvir coisas em português. Talvez por isso as coisas estrangeiras lhes soem mais diferentes umas das outras agora, provavelmente daqui a uns anos soa tudo ao mesmo.

Eu acho que o B tem assim coisas mais à Animal Collective e ninguém topa essa cena. Acho incrível como é que ele consegue ir buscar essa tradição toda e a herança de África e, ao mesmo tempo, ter um lado estético Panda Bear muita crazy.

Quando falava desta segunda geração - e não tens culpa de ser mais novo - queria dizer que foste influenciado pelas pessoas que são influenciadas por ele.

Sim, eu tento sempre ir buscar atrás e à frente. Há alturas em que ouço mais coisas antigas, outras que ouço o B, outras em que só ouço o Cão [Cão da Morte, agora Luís Severo], Nacho [Lourenço Crespo] e o Éme, ou outras em que ouço cenas de fora… Animal Collective, PJ Harvey ou Mac de Marco, por exemplo. Vou mudando bué. Mas é verdade, agora nota-se que há mais 'Lisa' [maneira fixe de dizer Lisboa] nas estéticas das minhas coisas. O Éme e o Cão têm essa coisa do "andar na cidade" mais resolvido nas suas canções… eu ainda estou demasiado frustrado com isso. Ainda por cima vivi um ano muito intermitente entre Algés e aqui, para mim era sufocante. Hoje ainda tenho pesadelos com isso, não lido nada bem com o Verão na cidade. Odeio isto. Não consigo estar aqui.

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É uma merda. Não faz assim tanto sentido fazer este calor em Lisboa.

É isso, e às vezes só quero bazar. Mas, por outro lado, sinto-me demasiado preso aqui. Ainda não consegui resolver esses problemas. Apesar de ser uma coisa que está presente em mim todos os dias, se calhar por isso é que ainda não fiz nenhuma canção daquelas que toda a gente fez: sobre a cidade.

Também não tens que fazer.

Não é uma questão de ter de fazer ou não… sinto essa necessidade. Ainda não encontrei a forma certa de a fazer.

Lisboa é para ti uma cidade agridoce?

É incrível, mas é muito chata ao mesmo tempo. Às vezes não há paciência para ela.

Em breve vais-te matar.

(Risos) Não, mas às vezes fico nervoso de estar com as pessoas na rua. Apetece-me andar à porrada com turistas, ao calhas. Uma pessoa a tentar andar na rua e ninguém se desvia. Sempre a olhar para cima. Epá… estou a trabalhar, meu! Vão-se…

Às vezes parece que esta cidade é mais para estar de noite, para estar a beber "jolas".

É isso, parece que só dá para existir depois das seis da tarde. Das seis da tarde às seis da manhã. São as melhores horas para existir.

Gig-lendar. Foto pelo autor.

Voltando atrás, resume lá como é que surgiu este disco?

Tinha praticamente já todas as canções e, inicialmente, queria ter feito o disco com o Cão porque queria um lado mais Flamingos [projecto de Luís Severo com Coelho Radioactivo]. Não porque quisesse que soasse à banda, mas sim em termos de produção. Estética meramente técnica da execução da produção da banda. E ele disse-me, e bem, que, na realidade, não era a pessoa certa para o fazer, mas sim o [Filipe] Sambado - com quem eu já tinha feito o meu disco anterior e portanto não queria - ou o Coelho Radioactivo. Ele veio cá tocar no Jameson Urban Routes, com Vive Les Cones. Eu também tinha tocado no Festival. Ele e o Tito [par de Coelho Radioactivo na banda] ficaram em casa da minha mãe, nessa altura estava sem ninguém a casa. Na noite anterior disse-lhe logo:

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- Coelho, bora aí gravar o meu disco. Queres fazer?.

E ele respondeu:

- Quero bué, bora aí, man.

Marcámos e foi assim uma cena bué dureza. Dez dias em Aveiro com montes de frio no início de Janeiro. Um frio absurdo, com muita humidade ali junto à Ria. Foi mais doloroso que mais a Norte. O pico de Inverno em Aveiro é uma coisa indiscritível.

Sobretudo para alguém de Lisboa…

Eu e o Coelho trabalhávamos sempre de noite então foi duro. Doze ou 13 horas por dia, durante 10 dias seguidos. No último dia já estávamos a morrer.

O teu som é quase só tu ao piano e a tua voz, que é como te apresentas ao vivo.

Quer dizer, agora no lançamento se calhar vai haver…

Banda?

Não vai haver banda, mas sim surpresas. Vai começar um novo formato, em princípio. Mais umas coisas lá para o meio. Uns beats e umas cenas.

Podias tocar saxofone. Como é que nunca fizeste uma música com saxofone? Há uma versão da "Telepatia" [da Lara Li] que tem saxofone…

Porque não toco saxofone!

Tocas, tocas!

Não toco saxofone diariamente, o meu saxofone nem está cá em casa.

Sabes que os teus vizinhos te iam odiar se tocasses cá em casa?

Pff… já me odeiam. Só a Dona Esmeralda é que gosta de mim. E nós praticamente vivemos com as vizinhas do lado, são da nossa family. (Risos)

Tinham na porta uma placa a dizer "Open House".

Sim, porque há pessoas que têm relações entre casas e assim.

Estás a morar sozinho há pouco tempo. Este disco acaba também por ser sobre a tua independência.

Este disco é isso, é essa transição. Por isso é que eu também não sei bem o que vou fazer a seguir. Quer dizer, sei exactamente o que quero fazer, mas ainda não sei como, porque não estou a fazer canções agora. Se calhar tenho que tocar mais este disco e viajar um bocado mais. Vou dar uma data de gigs agora. Podes ver aqui no meu gig-lendar [Ver foto acima]. Foi a Rita [sim, a própria que intitula o single de estreia] que me deu, antes de se ir embora.

Se quiseres saber onde podes apanhar Primeira Dama ao vivo nos próximos tempos espreita aqui aqui. Abaixo podes ouvir "Primeira Dama".