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Perguntámos a um especialista o que aconteceria se a UE abrisse as suas fronteiras a todo o mundo

Achamos normal que os países ricos 'defendam' as suas fronteiras dos imigrantes dos países pobres, mas se abrissem as suas fronteiras, iria realmente acontecer aquilo que prevemos?
Fotografia: Flickr/ takomabibelot

Há umas semanas, mais de 900 pessoas, entre as quais homens, mulheres e crianças, afogaram-se no Mediterrâneo depois de que o barco em que viajavam, desde a costa da Líbia, naufragasse. Uma semana antes, no dia 12 de Abril, 400 pessoas morreram afogadas num acidente semelhante. O ACNUR diz que, durante este ano, já morreram 1 700 pessoas a tentar atravessar o Mediterrâneo em direcção à Europa.

Após os trágicos acontecimentos recentes, a Europa já não pode fechar os olhos a este problema. Numa cimeira organizada extraordinariamente, os líderes da UE concordaram implementar uma série de medidas que permitissem o resgate de mais pessoas em risco na região do Mediterrâneo. Além disso, foram discutidas várias ideias para tentar dissuadir os refugiados de o tentarem atravessar. As recomendações foram desde a criação de grandes campos de detenção nos países do Norte de África até uma intervenção militar na Líbia.

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O problema dessas ideias é bastante óbvio: nenhuma delas resolve o problema fundamental. São muitas as pessoas que querem migrar para a Europa mas a União Europeia não as quer deixar entrar. Os motivos que os levam a emigrar são muito diversos: uns fogem da guerra e das perseguições, outros da pobreza e da falta de perspectivas de futuro. No entanto, a UE não cede nem um milímetro: ninguém pode entrar sem um visto.

Raramente se põe a questão de porque é que tem de ser assim. Ninguém pensa em impedir um ateniense de 19 anos de tentar a sorte em Estugarda mas, ao mesmo tempo, estamos a negar a outras pessoas esse mesmo direito. O que aconteceria se abríssemos as fronteiras da União Europeia e deixássemos entrar quem quisesse?

Hoje em dia essa possibilidade parece ser utópica. Estamos habituados à ideia de que os países mais fortes economicamente devem defender as suas fronteiras a todo o custo. Ceder este controlo e permitir o acesso a qualquer emigrante que o deseje, depois de comprovar os seus antecedentes e de uma revisão médica, parece ser considerada uma forma ingénua de activismo sem fronteiras que nem merece ser tida em consideração.

Mesmo quando o argumento moral para a abertura das fronteiras é aceite pela maioria, prevalece a convicção de que não é uma opção realista. A crença generalizada é que a Europa entraria em colapso perante o fluxo maciço de pessoas do "terceiro mundo".

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O que muito pouca gente sabe é que esse tipo de ideias são levadas a sério em certos círculos académicos, em particular os economistas, como Michael Clemens. Como investigador do Centro para o Desenvolvimento Global, tem estudado o fenómeno da migração e chegou a conclusões bastante surpreendentes, como a sua teoria de que as restrições à imigração "são um dos principais obstáculos entre o actual bem-estar da humanidade e aquilo que poderia vir a ser". Segundo os seus cálculos, a livre circulação através das fronteiras internacionais poderia ajudar a dobrar o PIB global.

Pedi a Michael Clemens que imaginasse o que aconteceria se a UE decidisse abrir as suas fronteiras à migração internacional. Mesmo não querendo, com este cenário, reflectir a verdade absoluta, tenho de admitir que as suas ideias me surpreenderam.

VICE: Sr. Clemens, para além das razões políticas porque é que as pessoas querem migrar para os países ricos?

Michael Clemens: As pessoas de países pobres migram principalmente em busca de segurança tanto para eles, como para as suas famílias, e para obter uma compensação adequada à sua educação e ao seu trabalho. Essa segurança e oportunidade dependem em grande parte do país em que vives, e 97% da humanidade vive no país onde nasceu. Para os que nasceram num país daqueles seguros e prósperos, o resultado da lotaria é muito satisfatório. A maioria dos imigrantes são pessoas que decidiram não deixar que os resultados de uma lotaria imposta por outros determinasse o seu destino.

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Compreendemos por isso que no nosso país existam pessoas que deixam os bairros perigosos, pobres ou ambos. São as mesmas razões pelas quais as pessoas deixam os seus países, ressalvando duas coisas: muitas pessoas vivem em países pobres e perigosos numas condições tão miseráveis que nem sequer o mais pobre dos países ricos seria capaz de imaginar. E claro, não existe um homem armado nas saídas de cada bairro para impedir as "fugas".

Então, o que aconteceria se a UE abrisse as fronteiras totalmente? Ficaria cheia de imigrantes procedentes dos países mais pobres?

É muito difícil prever os fluxos migratórios. Como ficou demonstrado em duas ocasiões, quando a Grã-Bretanha levantou as restrições em matéria de imigração; em 2004 com a Polónia e, neste caso, a imigração foi muito maior do que o esperado. E em 2014 onde o acesso ao país foi permitido desde a Roménia e a migração foi muito menor do que a esperada.

O que podemos ter certeza é que previsões catastróficas e impetuosas não faltariam. Quando a Alemanha levantou as restrições de acesso à Polónia em 2012, os sindicatos alemães previram uma invasão de milhões de polacos durante o ano seguinte. Finalmente o fluxo migratório da Polónia foi de 10% daquilo que era esperado; os outros 90% foram criados pelo medo. Quando os EUA, em 1986, abriu as suas fronteiras com a empobrecida Micronésia, foram muitos os que auguravam um fluxo massivo dos seus habitantes para o Havai e para a Califórnia. Catorze anos depois, a população da Micronésia que se mudou para os EUA é menos de 6%.

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Mas o que é que aconteceria numa escala global? Os resultados da pesquisa mundial realizada pela Gallup mostra dados orientativos sobre o resultado. Os investigadores da Gallup estão em quase todos os países. Em cada um destes países fizeram o mesmo grupo de perguntas a uma amostra de cerca de 1 000 adultos por ano. Uma das perguntas era se eles gostariam de emigrar e, em caso afirmativo, para que país.

A questão é que se todos os entrevistados que quisessem emigrar o fizessem, a população total da Europa aumentaria em 10%. A da Alemanha aumentaria em 23%, por ser um destino próspero e particularmente atraente.

Esta é a melhor prova que temos. Eu digo que só pode servir de orientação porque não sabemos até que ponto os desejos expressos se veriam refletidos no comportamento real. Muitos daqueles que dizem "sim" podem estar somente a expressar um desejo vago em vez de um plano específico, como quem diz que "sim" a um entrevistador que pergunta se algum dia gostarias de abrir uma empresa. E muitas das pessoas que dizem "não" poderiam voltar atrás se afinal pudessem migrar, sem ter de pagar a contrabandistas nem ter de arriscar a vida. A verdadeira resposta, então, é que, mesmo que os especialista em ciências sociais não possam ter a certeza, avisaram-nos desta tendência sistemática que têm alguns grupos para prognosticarem fluxos migratórios exagerados.

Como é que este fluxo de imigrantes iria influenciar a economia europeia?

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A nossa pesquisa indica que a imigração teve um efeito positivo sobre o crescimento económico da Europa em geral. É a mesma conclusão a que chegaram as previsões mais sofisticadas dos economistas. Christian Lutz e Ingo Wolter prevêem um impacto positivo da imigração sobre a economia alemã. Katerina Lisenkova e Miguel Sanchez prognosticaram o mesmo para a economia do Reino Unido, etc.

Eu atrevo-me a dizer que é uma opinião consensual entre os economistas. É muita conversa, porque todos sabemos do que são capazes os economistas. Mas em todo o caso, as provas sugerem que a redução de barreiras à mobilidade laboral iriam resultar em grandes benefícios para a economia em geral.

A opinião é basicamente unânime. Alguns economistas fazem vagas alusões às consequências que a imigração pode provocar na economia, mas não sustentam as suas afirmações em estudos económicos revistos por um perito. Portanto, a sua visão deve ser considerada mais uma opinião política do que uma amostra da sua experiência em economia.

É claro que a velocidade é também um factor bastante importante. É evidente que o impacto provocado pela deslocação de um milhão de imigrantes vai depender de que estes cheguem ao longo de três ou ao longo de 20 anos. Este aspecto nunca está presente no debate público, que muitas vezes se centra em absolutos como "temos de os impedir a todos" ou "vamos deixá-los entrar a todos".

Outra discussão mais suavizada poderia partir do consenso baseado em estudos sobre os benefícios económicos globais da imigração e sobre a preparação de uma transição que permita explorar esses benefícios. O desenvolvimento económico dos países pobres está relacionado com o aumento da emigração, pela mesma razão que é mais provável que as pessoas de um bairro dos subúrbios resida e trabalhe numa zona luxuosa do centro da tua cidade quando esse bairro periférico enriqueça. Um dos maiores desafios políticos do século XXI é o de encontrar maneiras de criar políticas que transformem a mobilidade em lucro, em vez de criar bloqueios navais e campos de detenção massiva.

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Acha que os ordenados dos trabalhadores europeus iriam ser reduzidos de forma significativa? Pode um mercado integrar milhões de trabalhadores, muitos deles sem formação?

A longo prazo, os fluxos de imigrantes provavelmente iriam contribuir para aumentar os salários e a taxa de emprego dos países da Europa.

Os melhores dados de que temos à nossa disposição vêm dos economistas Mette Foged e Giovanni Peri. Não existe ninguém que tenha informação mais confiável e métodos mais precisos do que eles. Entre 1991 e 2008, estudaram os ordenados e o trabalho de todos e de cada um dos trabalhadores na Dinamarca e foram registando as suas reações aos grandes fluxos migratórios de refugiados de países como a Somália e o Afeganistão. O resultado é que estes imigrantes produziram um aumento de salário e de emprego aos trabalhadores nativos não qualificados.

Para entender o porquê, precisamos dar um passo atrás. Não temos dúvidas, quando há apenas um lugar para um trabalhador da construção civil ou para uma educadora de infância, um migrante que ocupe esse posto estará a privar esse lugar a um nativo. Mas isso é apenas um princípio do funcionamento do mercado de trabalho. Quando existem imigrantes, os trabalhadores locais procuram empregos alternativos. Através do seu estudo, Foged e Peri demonstraram que a reacção dos dinamarqueses sem qualificações perante a chegada dos imigrantes foi especializarem-se em empregos que exigiam tarefas mais complexas e menos trabalho manual.

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Além disso, de acordo com outro estudo, quando ocorre um aumento da imigração, os nativos procuram adquirir mais conhecimentos e as empresas ajustam os seus investimentos, afastando-se das tecnologias que substituem os empregos pouco qualificados para contratar imigrantes e nativos com pouca ou nenhuma formação.

Resumindo, os imigrantes pouco qualificados ocupam e criam postos de trabalho. De acordo com os melhores estudos sobre a Europa que temos em nosso poder, o saldo tem sido positivo mesmo nos lugares onde os políticos e os activistas insistem em dizer que é negativo. Conseguir divulgar estes dados tem sido um desafio constante, já que a ocupação de postos de trabalho por imigrantes é um facto directo e visível, embora seja muito complicado provar que, de uma forma indirecta, também criam empregos.

Se muitas pessoas dependessem do estado de bem-estar dos países europeus poderia este entrar em colapso? Existe um paliativo para isso?

Um debate sensato sobre a imigração e o bem-estar deve começar com factos. Actualmente, o estado de bem-estar europeu depende, em geral, dos imigrantes, e não o contrário.

Um relatório global independente para a OCDE realizado em 2013 concluiu que a família imigrante média europeia contribuiu 2 750€ a mais em impostos do que recebeu em benefícios. Isso indica que o trabalho dos imigrantes, em geral, constitui a base dos subsídios dos estados europeus, e ajudam o cidadão europeu a pagar a educação dos seus filhos e o cuidado dos seus pais. A questão é se este sistema de bem-estar poderia ser sustentado sem imigrantes.

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Isto é particularmente importante na Alemanha. Onde o Professor Holger Bonin demonstrou que os impostos de renda por estrangeiro superam os subsídios em 1 400€ por ano.

Esta é a realidade actual. Os imigrantes pagam o subsídio aos não-imigrantes, na Alemanha e em toda a Europa. É altamente improvável que isso mude com o aumento dos fluxos migratórios, porque, de acordo com os analistas responsáveis pelo estudo, os novos migrantes tendem a ser jovens e saudáveis e encontram-se no auge da vida, ou seja são os contribuintes perfeitos para os cofres do governo. O padrão não iria mudar muito, mesmo que aumentassem os fluxos migratórios e mesmo que as políticas fiscais e de gastos não se alterassem.

Além disso, o estado de bem-estar pode adaptar-se aos fluxos migratórios. O estudo da OCDE encontrou grandes diferenças consoante o país. O impacto fiscal líquido positivo dos imigrantes na Noruega é duas vezes maior do que na Dinamarca. O impacto fiscal da imigração é uma decisão tomada pelos governos.

A chegada à Europa de muitas pessoas de países menos desenvolvidos pode vir a provocar algum problema sociocultural ?

Os nossos preconceitos sobre a imigração estão tão arraigados em nós que inclusivamente se manifestam na nossa linguagem. Estamos habituados a dizer que os problemas da sociedade são "causados pela" imigração. Pensa por um momento sobre a quantidade de suposições necessárias para dizer este tipo de coisas.

Imagina que uns homens atacam uma mulher na rua, a caminho do seu trabalho. O que causou o ataque? Isso vai depender das tuas suposições. Muitos acreditam que as mulheres não têm o direito de trabalhar ou até mesmo de andar na rua. Essas pessoas vão dizer que atacaram a mulher porque a sua família lhe deu autorização para ter um emprego e descer a rua sem supervisão. Se acreditas que a mulher tem o direito indiscutível de trabalhar e de viajar, podes pensar que a razão destes homens para atacá-la seja outra.

Da mesma forma, muitos podem ver as manifestações em que os activistas ameaçam os imigrantes com violência como um conflito social "causado pela" imigração. Para chegar a essa conclusão, tens tanto de convencer-te de que esses migrantes não têm o direito de estar ali, como de que as mulheres não têm o direito de andar sozinhas pela rua para justificar o ataque.

Neste ponto, o raciocínio justifica-se por si só. As pessoas usam os conflitos sociais "causados pela" imigração para justificar o argumento de que os migrantes não têm o direito a estar num país. Mas o conflito só é "causado pela" imigração quando começamos a acreditar nisso. Os argumentos que se justificam a si mesmos são opiniões, e não argumentos. Os políticos poderiam gastar menos energia a fabricar medos e mais a inovar as políticas.

Ok, mas uma emigração mais fácil não prejudicaria o desenvolvimento desses países mais pobres de onde procedem os migrantes?

Estamos a falar de políticas de imigração. Ou seja, não é sobre se estas pessoas deveriam ficar nos países pobres, mas sim até que ponto os países ricos dificultam a migração. É isso que fazem as "políticas de migração". Um visto não obriga uma pessoa a mudar-se, mas é uma decisão de não impedir activamente que uma pessoa se desloque.

Então, se falamos sobre políticas migratórias, a pergunta, "A migração prejudica significativamente os países com menos rendimentos?" é o mesmo que perguntar: "Será que o facto de evitar à força que as pessoas abandonem os países com menos rendimentos vai ajudar esses países?". Resumindo, não existe nenhuma prova que possa apoiar este argumento.

Seria diferente nos países pobres? E nas regiões pobres de África? Nem nesse caso seria necessário imaginar. Durante várias gerações, as zonas da África que são tão prósperas como as da Europa - Joanesburgo, Pretória e Cidade do Cabo - têm impedido que a maioria dos africanos negros vivam e trabalhem aí. Muitos moradores alegaram que era benéfico para eles, já que os incitava a "desenvolver" as suas próprias terras. No entanto, não existe nenhuma prova desse suposto efeito positivo.