Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.
Nos dias de hoje, a Internet possibilita-nos encontrar pornografia de todas as formas e feitios imagináveis. Mais complicado é encontrar cenas porno em que apareçam coisas exóticas como… preservativos.
Há muito que a indústria pornográfica norte-americana deixou os preservativos de lado, mas tudo pode mudar após as eleições caso os californianos optem pela Proposta 60, uma controversa lei que, não só exige o uso de preservativos na pornografia, mas também permite que cidadãos apliquem a lei através da instauração de processos.
Assim de repente, parece uma lei bem intencionada e que pode proteger os actores e actrizes da indústria do cinema para adulto. O problema, porém, é mais profundo: a proposta inclui uma série de medidas escusas que violam a privacidade alheia, a exemplo do artigo que prevê que o uso de preservativos poderá ser fiscalizado por qualquer residente do estado e que, ao realizar a queixa, deve-se colocar nomes e endereços dos envolvidos nas cenas.
Pois é. O projecto de lei prevê que qualquer pessoa na Califórnia, que veja pornografia filmada e perceba que não foram usados preservativos, pode registar uma queixa dirigida à Administração de Segurança e Saúde Ocupacional da Califórnia. Caso a queixa não seja dada como resolvida no prazo de três semanas, o queixoso pode então processar qualquer um dos produtores da obra. Se ganhar o processo, as suas despesas legais são pagas pelos produtores, bem como 25 por cento de quaisquer penalidades em que incorra.
Os actores e actrizes, claro, não estão muito satisfeitos com esta possibilidade. Afirmam mesmo que tal lei os coloca em risco."Estão a a tentar capitalizar em torno dos eleitores californianos que acham que o porno é igual ao que era nos anos 70, mesmo que as coisas tenham mudado completamente", comenta Tasha Reign, actriz na indústria pornográfica há oito anos. E acrescenta: "A maior parte de nós, gere os nossos próprios sites. Todos seremos responsabilizados pelos vídeos, já que somos nós que os fazemos. Sou a empresa, sou a produtora".
Tasha Reign está na pornografia há oito anos. Foto por Tasha Reign
Na Califórnia, o uso de preservativos nos filmes para adultos é uma exigência desde 1992, mas a fiscalização cabe à Administração de Segurança e Saúde Ocupacional do Estado, que raramente a faz. Michael Weinstein, presidente da AIDS Healthcare Foundation e principal proponente da medida, tenta há muito fazer com que estas leis tenham maior fiscalização. Em 2012, conseguiu com que uma lei mais detalhada sobre o uso de preservativos na pornografia fosse aprovada em Los Angeles. No entanto, também não foi posta em prática como deveria, o que explica o porquê da nova Proposta 60.
A lei, todavia, tem uma ampla oposição, não só da indústria do entretenimento adulto, mas também por parte de diversos grupos ligados à saúde pública, dezenas de directorias de jornais e dos partidos Republicano e Democrata. Então, pergunta Reign em conversa telefónica, "como é que esta iniciativa chegou a votação?". E acrescenta: "É como votar se os soldados mergulhadores dos EUA deveriam usar óculos de protecção. Seria ultrajante".
Há diversos motivos pelos quais a indústria pornográfica nunca curtiu muito preservativos. Desde questões mais práticas – as filmagens podem ser longas e incluir vários participantes, o que levaria a muitas interrupções para a troca de preservativos –, a motivos mais pessoais, já que há quem seja alérgico, ou, simplesmente, não goste de os usar. Há ainda quem afirme que o públiconão quer ver cenas com preservativos.
Por mais que sejam uma das formas mais eficazes de prevenir doenças sexualmente transmissíveis, a indústria optou por depender de um sistema de exames, largamente praticado, ainda que voluntário. Por causa disso, são poucos os casos de HIV ligados à pornografia registados nos últimos 10 anos e, de acordo com o LA Times, há mais de uma década que não há relatos de infecção em sets de filmagens na Califórnia.
Mas, embora Reign se sinta incomodada com a ideia de o governo ditar que método contraceptivo ela deveria utilizar no seu trabalho, a atriz afirma que a a sua maior oposição decorre dos possíveis processos que lhe podem ser instaurados. Estes exigiriam que os actores e actrizes revelassem os seus nomes verdadeiros e as moradas, o que prejudicaria a privacidade daqueles que, muitas vezes, optam por nomes artísticos.
Apesar de toda a oposição, Reign está preocupada com os eleitores californianos – que terão 17 propostas de lei para votar este ano –, que podem não ouvir todas as críticas e achar que aprovar esta lei protegerá os trabalhadores. Se acontecer, Reign acredita mesmo que a lei fará com que a indústria abandone a região, ou, até, se transforme numa coisa clandestina. A própria actriz, garante, que nessa eventualidade, deixará de actuar e voltará a assumir apenas actividades como modelo e escritora, de forma a continuar a viver na Califórnia sem desrespeitar a lei.
"Não vou largar tudo só porque um velho esquisito qualquer me diz que se não parar serei condenada", assegura Reign. "De maneira nenhuma".