FYI.

This story is over 5 years old.

Música

O Barreiro Rocks Bum Bomba

Um festival que nunca desilude.

Tinham-nos prometido uma noite inesquecível e nós já sabíamos que esta malta do Barreiro não costuma faltar à palavra. A edição deste ano do Barreiro Rocks, a 13.ª de um festival que nos habituámos a ir todos os anos, estendia-se numa só noite pela madrugada dentro, prometendo um cartaz dedicado ao garage-rock e todas as suas ramificiações — encimado por Mark Sultan, claro —, e com algumas surpresas pelo meio que nos deixavam curiosos para ver como se iriam comportar — o novo show de Victor Torpedo ou os Xungaria no Céu, por exemplo. Também nos tinham avisado para estar à hora certa no recinto, porque o primeiro concerto iria começar a horas. E como no ano passado Fast Eddie Nelson já tinha dado um dos concertões do festival, já sabíamos que não queríamos chegar atrasados. Opção correcta. Mais uma vez, o bluesman barreirense de voz cavernosa ofereceu-nos um dos momentos altos da noite. Agora com uma guitarra extra, cortesia de Rev. Bo Jackson (dos Tracy Lee Summer e dos The Jack Shits, tudo gente muito estimável), Fast Eddie foi ainda mais rock'n'roll do que habitual, num concerto que recuperou em boa hora o velhinho disco Bovine Intervention, uma versão arrastada pela lama do “Come Together” e, no final, uma homenagem merecida aos espanhóis Los Chicos, com “Muddy, Muddy” (e Johnny Intense, dos Act-Ups, a dar uma perninha), essa instituição do festival e auntêntica party-machine que este ano não esteve presente (fisicamente, porque o seu espírito estará sempre omnipresente desde que haja pelo menos uma pessoa a dançar). Ao fim de 13 anos, o Barreiro Rocks também se faz de memórias. E uma das melhores que guardamos é a de um concerto de Tiago Gullul, em 2010, completamente punk-soul. Sabíamos que não iríamos ter o mesmo em Xungaria no Céu, até pela natureza do projecto — que reúne a família toda da Flor Caveira + Manuel Fúria + outros amigos —, mas também não sabíamos muito bem com o que contar. Na prática, a Xungaria no Céu é uma celebração em formato hip-hop meets punk-rock, que nos faz lembrar os Run DMC ou os Beastie Boys, salvo a distância mais lo-fi. Já sabemos que não os devemos levar propriamente muito a sério, mas entre alguma displicência e uma espécie de desorganização mais ou menos controlada, a coisa não foi bem o que contávamos. Nick Nicotine também havia estado em palco durante a Xungaria no Céu e logo a seguir convocou a sua orquestra, chamando de volta o rock'n'roll ao palco do Barreiro Rocks. Nos últimos discos, a Nicotine's Orchestra tem-se aproximado mais do tropicalismo do que do psicadelismo e isso reflecte-se também ao vivo — e não é sequer pelos versos emportuguês do Brasil do refrão de “Tropic of Capricorn”. No entanto, a jukebox musical de Nick Nicotine tem ainda outros sons escondidos: o doo-wop dos anos 50, a soul posterior da Motown ou o Roy Orbison. Concerto impecável. Joinha! Continuamos a olhar para os Murdering Tripping Blues e a lembrar-nos dos Suicide. Apesar das ocatanas a mais e de sintetizadores a menos no sangue, o rock'n'roll dos Murdering Tripping Blues tem a mesma espécie de insinuação industrial da banda de Alan Vega. No Barreiro Rocks ficou a sensação de uma actuação demasiado flat, a necessitar de algumas variações de intensidade, mas com uma competência irrepreensível. Pela primeira vez no Barreiro Rocks, o bar d'Os Ferroviários deixou de ser o sítio apenas onde íamos buscar cerveja entre concertos (ou confraternizar durante as actuações menos interessantes). Este ano, serviu também como cenário para os concertos mais viscerais do festival, tirando partido da multidão acumulada em redor das bandas em comunhão e festa. Os Los Saguaros, que consta que têm um disco novo na forja, foram outro dos momentos altos desta edição. Surf-rock cuspido uma mudança acima, uma harmónica ocasional a surgir ao microfone sem estar sequer planeada e meia hora de garage-rock roufenho, cheio de fuzz e distorção. Os Tiger Picnic, por sua vez, estavam a ser o outro lado desta mesma moeda, num concerto com alguns altos e baixos, mas na mesma onda garage dos Saguaros, quando o amplificador decidiu suicidar-se. Concerto interrompido e altura para ir deitar um olhinho ao espectáculo de Victor Torpedo.

Publicidade

O conceito tem piada. Um karaoke rock, com vídeos manhosos tirados do Youtube, as letras a passar em baixo e temas electro-pop-xunga, com Victor Torpedo em palco em pose Tony Silva pós-modernista. Tem piada ao início, mas prazo de validade curto, já que depois começa a tornar-se numa espécie de circo bizarro. Faltou-nos falar de Mark Sultan, mas não foi por esquecimento. Afinal, o canadiano, quer se queira quer não, era a principal atracção deste Barreiro Rocks. Ele, que é uma das melhores one-man bands do mundo (Nick Nicotine dixit), é ao mesmo tempo um autor de canções, que desfilou umas atrás das outras como se fosse a coisa mais natural do mundo. Apesar da atitude punk, Sultan é um romântico, que canta sobre o amor, mas de forma pouco ortodoxa, fascinado em igual medida pelo punk e pelo doo-wop. Momento alto da noite. E, para terminar, a surpresa do festival. Os Pista, acabadinhos de lançar um EP com cinco temas, encerraram o festival no bar d'Os Ferroviários em autêntica apoteose, que meteu crowdsurfing pela primeira e última vez este ano. Novamente o formato simples de bateria com guitarra, mas num registo musical bem diferente dos Tiger Picnic ou Los Saguaros, os Pista seguem mais a tradição dos (saudosos) Lobster ou Lightning Bolt. Rock'n'roll agressivo, que desagua em noise gratuito, punkalhada violenta e uma inesperada influência africana, pôs toda a gente a dançar, até que os Bro-X — colectivo de gunas com mau feitio — invadiram o concerto e para tocarem, em conjunto, “Bum Bomba”. E mostraram aquilo que os Xungaria no Céu poderiam ter sido também. Um rebuçado a fechar. Bum! Bomba! Até te apagas! Fotografia por Vera Marmelo.