Como os Conservadores Vêm Acabando com a Vida Noturna de Londres Desde 1986

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Música

Como os Conservadores Vêm Acabando com a Vida Noturna de Londres Desde 1986

Há quase 30 anos, leis do parlamento britânico aliadas à especulação imobiliária dificultam a cultura club na cidade.

O medo congênito do partido conservador da, err, cultura noturna, combinado com um interesse (particular) na sua recusa em combater o vertiginoso aumento dos preços dos imóveis — e a subsequente elevação dos aluguéis — na capital britânica fez com que Londres se tornasse uma cidade onde construtoras são favorecidas em detrimento da população e dos criativos locais. Espaços que cinco, dez ou quinze anos atrás teriam sido usados por artistas, músicos ou escritores são engolidos por elas todos os dias. A alma criativa de Londres está sendo sugada do seu cadáver cinzento, aniquilado e apodrecido.

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Nesses cinco, dez ou quinze anos, temos observado um êxodo. Cada vez mais jovens criativos estão trocando o leste de Londres pelo leste de Berlim. Entender onde Berlim está acertando — tanto no que diz respeito a criativos quanto a clubbers — pode revelar onde Londres está errando.

Primeiro, vamos voltar a 1985 — quatro anos antes do segundo verão do amor. Sob ordens da então primeira-ministra Margaret Thatcher, a polícia, em todo o país, foi convocada a violentamente dar um fim à reunião pacífica, ainda que ideologicamente anárquica, dos frequentadores do Stonehenge Free Festival.

Um ano depois, coagindo a imprensa marrom a ajudá-la fabricando consentimento, Thatcher transformou o seu medo — e agora de grande parte do país — da cultura de música alternativa em lei, com a Lei da Ordem Pública, de 1986. Essa lei conferia poder irrestrito e inequívoco ao policiamento autoritário, utilizando a proteção à propriedade e contra qualquer "perturbação à vida da comunidade" como justificativa/fachada para o que, na verdade, era uma evidente declaração de guerra à uma cultura que desafiava o status quo.

Acelere para 1994. O acid house e o segundo verão do amor supracitado já tinham vindo e ido. A cultura rave continuava firme, mesmo que, à esta altura, estivesse um pouco decadente. O sucessor de Thatcher, John Major, desferiu outro golpe, ainda mais destrutivo, contra a cena de festas alternativas, aprovando a Lei da Ordem Pública e da Justiça Criminal, criada especificamente para acabar com a cultura rave. Esta lei definia muito claramente os aspectos sonoros da música que tinha como alvo: "sons total ou predominantemente caracterizados pela emissão de uma sucessão de batidas repetitivas". Os dias de glória das grandes raves chegavam ao fim.

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O que ultrajava o Partido Conservador, tanto quanto o uso de drogas e a música esquisita, era a ideia de que essas atividades estavam acontecendo em terrenos comuns, ou pior, na propriedade de outra pessoa. As raves eram infiltrações na propriedade privada. Os conservadores argumentavam que, sendo assim, eram ataques ao tipo de construção sociocultural que faz as coisas continuarem funcionando ao seu modo. A posição conservadora sobre as festas era clara: fosse em um clube de Hackney ou em um campo em Hampshire, esse tipo de evento não seria tolerado.

Corte para os dias atuais. A previsão é de que passemos pelo menos mais quatro anos e meio sob controle direto dos conservadores. As casas noturnas de Londres agora enfrentam um ataque esmagador de uma variedade de fatores. Mecanismos que foram implementados sob o pretexto de manter a sociedade segura, como o escaneamento unilateral da carteira de identidade, parecem mais dispositivos Orwellianos que, em última instância, são indicativos de um governo cuja percepção de cultura não parece ter avançado muito além dos dias de Downton. Mas o policiamento draconiano e a vigilância invasiva, por mais graves e prejudiciais que sejam, além de serem elementos fundamentais na narrativa de morte a que Londres rapidamente está sucumbindo, são quase insignificantes quando começamos a considerar o grande e temido elemento G: gentrificação.

Um dos lindos prédios novos de Londres. Mal podemos esperar até que a cidade inteira fique bonita desse jeito. Que lugar vai ser!

O influxo de construtoras e dos novos "residentes locais" que elas trazem consigo faz lembrar a Lei da Ordem Pública de 1986. Esse projeto de lei interpretava a "perturbação à vida da comunidade" (sob uma premissa muito limitada do que constitui ou não uma "comunidade") como um pretexto amplo para literalmente desligar o som dos clubes, independente da história ou do tempo de atividade dos proprietários. A mesma coisa está acontecendo agora.

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Todos sabemos que os aluguéis de Londres aumentaram em parte graças aos oligarcas e investidores árabes sobre os quais lemos no Standard em nosso caminho de volta até nossas quitinetes apertadas, que alugamos pelo preço de um apartamento de três dormitórios em uma região bacana de Manchester. Estamos vivendo — e você precisa ser um desses oligarcas para não saber disso — uma crise imobiliária, nascida com (ou combinada à) uma abundância de lugares desocupados (apesar da falta crônica de lugares para morar da cidade), e somada à uma relutância em construir outros que sejam genuinamente acessíveis.

Na verdade, a crise imobiliária de Londres só poderia piorar se a Kirstie Allsopp, filha de Charles Henry Allsopp, o sexto Barão de Hindlip, primo de Cath Kidston e, não surpreendentemente, amigo íntimo da atual ameaça à segurança nacional, David Cameron, resolvesse se tornar conselheira da habitação do Partido Conservador, com aspirações de se tornar Ministra da Habitação como meio para entrar para a Câmara dos Lordes… Ah, merda, isso já está acontecendo. Mal aí.

Tudo isso quer dizer que o espaço em Londres é, mais do que nunca, para usar o clichê, "propriedade quente". Construtoras e locatários estão afastando negócios locais com aumentos dramáticos nos aluguéis, e a visão distópica de um Wagamama a cada esquina e novos flats de luxo está sendo aplicada agora em cada centímetro do que era anteriormente conhecido como Londres. E o que isso significa para a vida noturna da cidade? A morte, basicamente. Flats de luxo = criativos são afastados pelo preço = as pessoas vão embora de Londres = Londres se torna fiscalmente mais rica, mas culturalmente mais pobre. Você já sabe disso. Você também sabe, provavelmente, que as coisas não precisam ser desse jeito. Vamos dar uma espiada no que está rolando em Berlim.

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O parlamento alemão conseguiu deter o ritmo do aumento dos aluguéis para valores exorbitantes com a introdução de um limite para o preço, protegendo os inquilinos sob novos contratos de ter o seu aluguel aumentado acima de 10% do valor médio local. Outro benefício que Berlim tem, em função de Frankfurt ser o centro financeiro alemão, é não estar infestada de yuppies de terno risca-de-giz que moram na região mais central possível enquanto são jovens, antes de se espalharem para áreas que antes consideravam "menos atrativas" quando suas carteiras — e eles mesmos — ficam mais gordos. Que é o que observamos neste momento em Londres.

Embora hoje a maioria dos clubes de Berlim tenha um proprietário legal, a natureza anárquica e underground da cidade tanto se formou quanto foi formada pela consideração pelo espaço e pelo seu uso para a cultura noturna. Não há melhor exemplo disso do que o festival Atonal, que foi muito diferente de qualquer evento que eu tenha ido antes.

Localizado no vasto espaço da fábrica Kraftwerk — uma antiga usina elétrica em Mitte, e agora o lar permanente do lendário clube Tresor — o espaço físico do Atonal permitiu que a música — techno cru e intenso — respirasse, livre das pressões de mercado e das horas mais curtas de um alvará. É um festival que, talvez involuntariamente, revela a própria natureza de Berlim em relação à propriedade privada, em respeito tanto à sua música quanto às suas casas noturnas.

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Em comparação, poucos clubes de Londres têm conseguido manter a sua permissão para funcionar além das 5h ou 6h, e é cada vez mais improvável que novas casas receberão esse tipo de licença no futuro. Apesar das novas propostas de devolução do Lorde Chanceler — que parecem oferecer um incentivo econômico para que os conselhos locais passem a escutar as casas noturnas, com os impostos sobre imóveis comerciais indo diretamente para as suas mãos (uma conexão interrompida pelo regime Thatcher) — é improvável que algo irá mudar a longo prazo. Este sentimento foi manifestado por muitas pessoas até o momento, incluindo Alex Proud, dono do Proud Group, sempre amigável com a mídia, que abriu restaurantes, galerias e clubes por toda a cidade e observou no Daily Telegraph que "as construtoras têm dinheiro e boas relações com os ministros do governo; os donos dos clubes, não".

É claro, o setor imobiliário não é o único problema a afetar a vida noturna da cidade. Vamos voltar no tempo de novo, desta vez para 2012. Foi neste ano que a Network Rail (uma empresa vendida, sim, por ela de novo, Thatcher) fechou o Cable, um dos clubes mais amados de Londres, como uma pomba com incontinência intestinal aninhada sobre os arcos elevados da estação London Bridge — à força e sem consulta prévia. Não foram levados em conta os seus muitos funcionários ou a sua contribuição cultural para a cena musical de Londres. Essas preocupações foram ignoradas para abrir caminho para a renovação da estação de trem acima do clube. A contribuição de uma estação de trem maior para a economia local, é claro, é muito mais facilmente quantificada do que a contribuição de uma casa noturna.

Os apelos de grupos de resistência, como o Night Time Industries Association (NTIA) — formado para coerente e coletivamente combater o rigor extremo na liberação de licenças e representar a quinta maior indústria inglesa (totalizando 66 bilhões de euros por ano) — parecem não encontrar eco, ou cair em ouvidos que estão apenas sintonizados com o som de investidores estrangeiros e construtoras imobiliárias. A menos que ocorra uma mudança geral na mentalidade, dos altos escalões do governo até os conselhos locais, e todos passem a exigir proteção para o que resta da cultura de aluguel em Londres, as casas noturnas serão completamente consumidas pelo corrosivo e insípido avanço das forças de mercado. Só resta esperar que a relativa proteção estatal e as visões mais punk e anárquicas sobre propriedade em Berlim garantam proteção suficiente aos clubes da capital alemã para enfrentar o que, em última instância, pode se tornar uma tempestade compartilhada.

Tradução: Fernanda Botta.

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