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Por Que os Videogames Ficaram tão Bichinhas?

Nos últimos cinco ou seis anos demos aos games muitas das qualidades menos maravilhosas da humanidade.

O Robotron: 2084 é um dos videogames mais incríveis já feitos. Um jogo sanguinário que comia nossos trocados e disparava barulhinhos bem estranhos quando você jogava. A máquina de fliperama parecia o sarcófago da Elke Maravilha. O nome soava como um componente crucial de uma rádio FM alemã ou de um torpedo térmico. Parado lá em frente à tela, com seu neon berrante e seus personagens minúsculos, você achava que estava tendo uma embolia cerebral, mas uma embolia cerebral em que você pode atirar em pessoas. Ah sim: o que inspirou seu design foi um acidente de carro sofrido pelo seu criador, o Eugene Peyton Jarvis.

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O Jarvis é o John Carpenter dos videogames. Ele sabia bem como explorar o caos e a super-violência com respingos artísticos. Ele era cruel com seu público, e seus jogos — especialmente os primeiros — eram o meio pelo qual ele explorava os limites de sua crueldade. Desde o início ele entendeu que era inerente aos vídeo games ser mal-intencionados, e que eles deviam ambicionar, acima de tudo, causar dor àqueles que os jogavam. Esse é um ideal que tem se evaporado no mainstream, particularmente nos últimos anos. Todos os videogames costumavam ser tão brilhantemente desagradáveis como Robotron, mas hoje quase nenhum deles é. O que aconteceu?

Antigamente, os games espreitavam no escuro, te atraindo com suas luzes brilhantes, depois tomavam o seu dinheiro e te derrubavam por um minuto ou mais. Era como pagar pra alguém com uma roupa legal te dar um soco bem forte no saco. Se você parava de jogar um fliperama, ele não dava a mínima. Sempre havia outros. Se você atacasse um fliperama, provavelmente ele só tombaria por cima de você, quebrando suas costelas e te dando uma hemorragia interna, e as bitucas de cigarro do último jogador acabariam dentro da sua boca.

Com os consoles e computadores pessoais, a tradição foi mantida em grande parte: os jogos eram obscuros, volúveis e inúteis. O objetivo era ser bonito, e geralmente eles eram mais bonitos quando estava acabando com você. Era preciso ir melhorando neles lenta e dolorosamente, da mesma maneira que Napoleão pensou que poderia se tornar imune a arsênico lambendo o jornal todo dia — ou seja lá o que ele ficou fazendo naquela ilha antes de morrer por lamber muito jornal.

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Era uma maravilhosa relação abusiva, mas não duraria para sempre. Se eu tivesse que apontar o momento exato em que as coisas desandaram, eu diria que foi o lançamento do Xbox 360.

Na superfície, o 360 é capaz de gloriosas batalhas maldosas. A Microsoft o lançou no Natal por um motivo, e o carregou previamente com uma congregação de deploráveis falhas de projeto, o que significa que a maioria deles funcionou por dois ou três dias fora da caixa, e depois tossiram sangue e morreram, como um cachorro que comeu um garfo. Infelizmente, as equipes do software não eram tão comprometidas com a brutalidade quanto as equipes do hardware, e outro grande atributo do 360 — quando não estava soltando fumaça e pondo fogo na sua casa — era uma coisinha chamada "Conquistas".

Eu me pergunto que tipo de vida você leva pra achar que Conquista é um bom nome para algo que o pai do Internet Explorer tinha acabado de inventar. Conquistas usa a linguagem tradicionalmente reservada para caras como Douglas Bader, Thor Heyerdahl, e os antigos Maias, aplicada a andar por aí num tanque de faz de conta, geralmente fazendo as coisas que você faria normalmente. Você desbloqueava Conquistas por matar pessoas num jogo de matar pessoas. Você as desbloqueava para completar uma campanha que tinha te custado £40. Às vezes você as desbloqueava só de apertar o start. Isso só é uma conquista se você é um daqueles cantores chilenos que tiveram as mãos cortadas pelo General Pinochet.

As Conquistas deram o pontapé inicial, mas logo todo mundo estava entrando nessa. Games que deveriam estar te dando uma joelhada na cara ou te socando naquela parte atrás da perna onde o Steven Seagal geralmente soca as pessoas estavam agora gritando "Uhull!" pra você, atirando bugigangas e te afogando em elogios. Eles começaram a te perguntar se você queria pular aquela fase complicada. Eles te diziam que esse corte de cabelo te deixava parecido com o Toby Maguire. Eles pediam desculpa quando você morria.

Em outras palavras, nos últimos cinco ou seis anos, demos aos games muitas das qualidades menos maravilhosas da humanidade. Nós os ensinamos não a se envolver, mas a não ser sinceros. Eles não ficaram melhores em nos enrolar com seus sistemas inteligentes, eles só ficaram melhores em nos mimar para nos manter fora de sistemas tão maus quanto eles já foram um dia.

Acho que estou generalizando, mas é interessante notar isso, hoje, quando lançam um jogo que é genuinamente difícil — um jogo como Dark Souls (Namco Bandai, PS3, 360), digamos, ou Super Crate Box (Vlambeer, iOS) – ele é tratado um pouco como uma odisséia, como um viajante de outro planeta ou como um animal de zoológico perigoso.

Quando Eugene Jarvis estava fazendo o Robotron, nos éramos os únicos nas jaulas — e os videogames é que ficavam do lado de fora, sarcásticos, jogando pedras na gente.