Vendedores da Maré
Foto: Maurício Fidalgo

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Maré Vermelha

Vendedores da Maré

Um infinito de luzes vermelhas na frente, outro de luzes brancas atrás, um buzinar interminável das motos que passam costurando pela janela – e, do meio da bagunça, eles surgem gritando "Vai? Vai? Vai?" enquanto ficam brandindo os pacotes de...

Um infinito de luzes vermelhas na frente, outro de luzes brancas atrás, um buzinar interminável das motos que passam costurando pela janela – e, do meio da bagunça, eles surgem gritando "Vai? Vai? Vai?" enquanto ficam brandindo os pacotes de pipoca e biscoitos. São os vendedores da Maré, que dividem com o trânsito pesado as vias expressas do Rio de Janeiro.

Foto: Maurício Fidalgo

Já estou acostumado quando me perguntam se estou perdido: meu biotipo branquelo e alto não é exatamente o padrão das comunidades cariocas. E foi assim, andando pelo acostamento da Linha Vermelha, uma das vias expressas da cidade, que encontrei essa galera, que ganha a vida ali vendendo comes e bebes.

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Foto: Maurício Fidalgo

Protegidos debaixo de um viaduto durante a chuva, primeiro eles me encaram: um estranho nunca é bem-vindo. Quando veem a câmera, surge a curiosidade. Sempre tento demonstrar respeito, sorrio para as quase duas dúzias de moleques e levanto a câmera lentamente; daí pra frente, eles fazem pose, pedem mais fotos e logo vêm ver o resultado no minúsculo visor da máquina.

Foto: Maurício Fidalgo

Todos são moradores do Complexo da Maré, moram ali do lado. O cardápio varia de acordo com cada um, mas, em sua maioria, se resume a água, pipoca doce, refrigerante, biscoitos Globo e Guaraviton. Os dois últimos são parte essencial da dieta carioca e aliviam os congestionamentos diários na volta para casa e na ida ao trabalho. Eu, pessoalmente, acho de gosto duvidoso essa bebida adocicada, cor de terra e que faz tanto sucesso por essas bandas, mas os próprios vendedores me garantem: "É sucesso". E ela custa dois reais, metade de uma latinha de refrigerante.

Foto: Maurício Fidalgo

A idade dos ambulantes varia muito. Thiago, 27 anos, já conta 13 deles nas idas e vindas dos acostamentos na Linha Vermelha. Não é difícil encontrar alguém que, como Tiago, tenha trabalhado de carteira assinada antes, mas que prefira a vida de "empreendedor do trafego pesado". "Por dia, eu tiro em média uns 100 reais, isso num dia fraco. Quando eu trabalhava de carteira assinada, eu fazia muito menos e trabalhava muito mais", explica. O mesmo vale para as crianças, ou "os menor", que, ao saírem da escola, já dividem espaço com as motos. Parte da grana vai para a família; a outra, eles gastam com fliperama, jogos e doces. Um dos lados bons é que o lucro vem na hora: nada de esperar até o fim do mês e ter de passar o fim de semana de baile funk sem um centavo no bolso.

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Foto: Maurício Fidalgo

O maior problema deles é um consenso entre todos: a disputa do espaço com os motoqueiros. Não é difícil achar quem já tenha sido atropelado ou pelo menos tenha tido o seu isopor atingido pelo guidão das motocas. "As pessoas ainda fecham o vidro, medrosas, ou fingem que não veem a gente." No entanto, ele reconhece que, antigamente, havia arrastões no perímetro – antigamente, reafirma. "Se alguém rouba aqui e é da comunidade, vai se dar mal. A lei do tráfico não tem pena: ele vai apanhar – e muito", diz X., que pediu para não ser identificado.

Foto: Maurício Fidalgo

Por outro lado, os ambulantes estão sempre dispostos a ajudar motoqueiros que se envolvem em acidentes. Pedidos de informações e carros quebrados também se enquadram nos serviços do grupo e são cortesia da casa! Apesar dos coletes que são quase um uniforme, a atividade é ilegal. E a apreensão, mesmo que pontual, acontece sim. O maior medo deles é o "rapa" (quando a Guarda Municipal persegue os garotos e leva toda a sua mercadoria). Há quatro meses, a confusão resultou em balas de borracha e bombas de gás, conta Luciana, 28 anos. Porém, eles garantem: amanhã, estarão lá de novo. "Segunda e sexta são os melhores dias, pode aparecer!"

Foto: Maurício Fidalgo

Eu me despeço do grupo, mas não sem antes ser cobrado pelos retratos que fiz. "Me add no Face[book], que eu pego [as fotos lá]", eles dizem. Na volta pra casa (e com fome, depois de uma bela chuva), tento comprar uma pipoca. Eles prontamente se recusam a receber os dois reais: "Pode ficar, você é gente boa". E, assim, volto pra casa: com mais alguns amigos e de estômago cheio.