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​Visitamos um Crematório de Pets

Velório online, urna ecológica para plantar as cinzas, urna que dissolve na água do mar sem poluir e infinitas possibilidades para dizer adeus ao seu melhor amigo.

Foto: Anna Mascarenhas

Aos oito anos de idade, cheguei em casa e recebi a notícia de que minha tartaruga macho chamada Hugo havia morrido depois de tomar uma forte chuva no quintal. Soluçante, pedi que me levassem ao paradeiro final do meu estimado mascote para o último adeus. Foi aí que uma mão adulta abriu uma grande lata de lixo e de dentro dum jornal velho saiu o mirrado cadáver do meu melhor amigo. Certamente, comecei a me tornar um ser humano horrível naquele momento.

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Foto: Anna Mascarenhas

Hoje em dia, o descarte de animais vai além de deixar o corpo nas clínicas veterinárias – que obrigatoriamente devem acolhê-los para posteriormente entregar à coleta da prefeitura que, então, decide entre a incineração ou o enterro. E não só cães e gatos, mas papagaios, aranhas, cavalos, coelhos, hamsters, furões e uma infinidade de espécies podem ganhar um outro final: serem veladas e cremadas.

Pode parecer absurdo, pode parecer exagero, pode parecer a tal gourmetização da morte (e talvez até seja), mas o fato é que só no Pet Memorial, um complexo crematório enorme e luxuoso surgido em 2000 na cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo, mais de mil cremações acontecem por mês. O preço inicial dos serviços começa em R$ 760, podendo ir bem mais longe.

Urna ecológica. Uma vez enterrada com as cinzas e as sementes, seu melhor amigo irá virar uma planta. Foto: Anna Mascarenhas

Ali, as pessoas escolhem entre as diversas opções de urnas para guardar as cinzas de seus amados pets. As opções são muitas: pode-se obter uma estátua de bronze que represente seu melhor amigo ou até mesmo uma urna-baú, onde você pode guardar brinquedos e coisas que pertenceram ao bichinho. Existem também as urnas ecológicas: uma delas traz sementes e pode ser plantada. Já a hidrossolúvel, como diz o nome, pode ser jogada ao mar e irá se dissolver em 48 horas.

Modelo de urna-baú. Foto: Divulgação

Exagero? A psicóloga Joelma Ruiz, integrante da equipe do crematório, explica: "É um luto que a sociedade não autoriza. Ela não valida o luto de um animal. Muitas vezes, a pessoa não tem com quem falar, com quem chorar. O velório nada mais é do que um momento em que você é acolhido e pode falar da sua dor".

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Velório do leão Ariel, que ficou famoso na internet após uma campanha para ajudá-lo a voltar a se movimentar. Foto: Divulgação

Tudo é opcional: os tutores podem velar ou não o corpo de seus bichinhos - e, para isso, existem duas capelas específicas. A maior comporta cerca de trinta pessoas. O leão Ariel, que ficou famoso na internet, foi velado ali e recebeu muitos amigos para lhe dizer adeus.

Urna hidrossolúvel. Em 48 horas, ela desaparece na água do mar. Foto: Anna Mascarenhas

O velório pode ser transmitido online para familiares e amigos que não puderam estar presentes. Em dado momento, alguém do Memorial badala um sino três vezes. Isso significa que o velório está encerrado e, então, a equipe retira o caixão. A incineração leva, em média, duas horas e meia.

Cinerário, onde as urnas ficam guardadas por tempo indeterminado. Foto: Anna Mascarenhas

Fica a critério do cliente levar as cinzas para casa ou pagar uma taxa que permite que a urna fique, por tempo indeterminado, no cinenário do crematório – a parte que mais balançou a nossa reportagem. Ali, brinquedinhos, roupinhas, fotos e cartinhas ficam próximas às urnas dos animais.

Urna hidrossolúvel. Em 48 horas, ela desaparece na água do mar. Foto: Anna Mascarenhas

Mas por que a cremação e não o enterro? O médico veterinário e gestor ambiental do Pet Memorial, Luis Henrique Guimarães, fala dos riscos da contaminação do necrochorume (líquido que escorre dos corpos em cemitérios). "O corpo, animal ou humano, em decomposição é altamente patogênico. Se atingir o lençol freático ou o poço artesiano de uma casa pode percolar no solo e se propagar numa distância quase que infinita", frisa. Já a realidade das cinzas é diferente: "Elas são um excelente fertilizante, ricas em nitrogênio, fósforo".

Mesmo assim, ainda soa um tanto mórbido guardar as cinzas de alguém em casa, seja as um ser humano ou as de um bicho. Mas a morte tem dessas. Cada um lida com a dor de um jeito. "As cinzas são um vínculo com o animal. Na psicologia, chamamos isso de continuação do vínculo. A história que a pessoa viveu, ninguém tira. As cinzas representam isso", diz Joelma.

Mais uma urna. Foto: Anna Mascarenhas

Para quem não quer guardar nada em casa, há uma opção de luxo: confeccionar um pingente de diamante com um pelo ou uma pena do animal.

Questiono Sérgio Lascane, diretor de marketing do Pet Memorial, se não existe um certo exagero comercial em cima da vulnerabilidade alheia com esses modelos de urna e joias. Ele explica que a intenção do lugar é fazer com que a pessoa não tenha um choque emocional tão grande. "Procuramos amenizar a dor o máximo possível", diz, referindo-se a sua equipe e a todo aparato presente no crematório.