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Tecnologia

CCDB – Parte 1

Cláudio César Dias Baptista, o irmão mais velho de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, ficou famoso como engenheiro de som e criador de várias traquitanas musicais dos sons mais loucos dos Mutantes.

Há uns três anos, quando eu trabalhava em uma editora de livros, recebi um e-mail assinado por um tal de CCDB. Ele oferecia um livro para publicação – a obra tinha 12 volumes e um dicionário-glossário, e se chamava Géa. Achei a proposta insana, e resolvi clicar em um dos links do corpo do e-mail, que mandava para esse site. Era uma bagunça, um labirinto de páginas gigantescas, construído como uma megaversão dos sites pessoais dos anos 90. Acabei passando umas três horas de trabalho ali. Foi só no final do expediente que descobri quem estava por trás da sigla CCDB.

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Era Cláudio César Dias Baptista, mais conhecido como o irmão mais velho de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, ambos dos Mutantes. Cláudio ficou famoso como engenheiro de som e criador de várias traquitanas musicais responsáveis por alguns dos sons mais loucos da banda. Fiquei pensando o que teria levado um cara desses a largar o trabalho com tecnologia de som e virar um escritor do gênero fantasia, misturando experiências místicas e ficção científica. Não gosto de tudo o que ele escreve, mas admiro sua coragem. Queria ter visitado a sua casa em Rio das Ostras, mas faltou tempo, então troquei longos e-mails com ele sobre coisas como o mercado editorial, a tecnologia musical e os Mutantes. A entrevista ficou gigante, por isso vai em duas partes. Aqui está a primeira, onde ele fala sobre Géa, sua vida sexual ativa, se compara a Jesus e seu site com o planeta Terra. Vai:

VICE: Conheci seu site quando eu trabalhava numa editora e recebi o seu e-mail. Nunca pedi o seu livro inteiro, Géa, pra avaliar porque ele tem praticamente treze volumes – contando o dicionário-glossário. O que conheço da sua obra vem do site. Acho que 'intrigado' é a melhor palavra pra descrever a minha reação – o site parece ter sido feito em 1997 e nunca atualizado em termos de forma. Ao mesmo tempo, é gigante, tem conteúdo pra caralho, e já me perdi por lá uma porrada de vezes. Por que seu site parece tão velho assim? E por que você põe tanta coisa lá? Você não se perde quando atualiza ele?
CCDB: Porque é velho mesmo. Porém é dinâmico e vem recebendo camadas, tal como funcionam os layers em computação gráfica. Não apagarei as camadas antigas em prol das novas. O site é um museu, um histórico de sua própria evolução. Houve um lapso no meu aprendizado de computação, desde que me pus a escrever, porque só faço uma coisa por vez na vida, para fazer o melhor. Em 1994 cessei o estudo de computação (além do que, não possuía sequer telefone, quanto mais conexão à web) para escrever Géa e meus outros livros. Só vim a ter telefone bem depois de me haver mudado, em 1997, para cá, Rio das Ostras. E só depois de terminar os livros – que anuncio no site e podem ser lidos on-line na seção CCDB Livros – é que voltei ao estudo de computação, para poder criar CCDB Livros em PHP, o que fiz há aproximadamente um ano. Porém, meu filho Rafael não ficou parado; esse tempo todo foi ele quem estudou e muito me ajudou na computação.

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Eu não me perco. Sei de cor, ou quase, tudo o que há em meu site. Quem cria uma coisa conhece a coisa. Principalmente quando tem enorme prazer em criar e atualizar. O site é uma parte de mim, nada esqueço, tal como não me olvido do ouvido. A quantidade gigante de textos no meu site é como o planeta Terra. É para viajar quem quiser, pra conhecer quem quiser, pra divertir quem quiser. Ninguém é obrigado a ler tudo. Mas há quem tenha lido tudo mais de duas vezes! Por exemplo, o papa da computação e dos hackers (dos bons hackers), autor de Universidade Hacker, Henrique Cesar Ulbrich, que até deu o meu nome a um de seus filhos.

Respondo SEMPRE a tudo o que me escrevem; portanto, responder a quem me escreve comentando o site e responder a tudo isso todos os dias também me atrasa na escrita de novos livros. Mas é bom responder, porque a resposta cria o Movimento Géa.

Os doze volumes de Géa. Nossa capa preferida é a do número 9, que traz a esposa de CCDB.

Para produzir tanto material, você deve ter uma rotina definida, não? Como é o seu dia a dia?
Meu cotidiano é simplíssimo: desperto no salão do segundo pavimento com Giza todo dia às seis da manhã. Esse segundo pavimento nos serve, a Giza e a mim, de quarto de dormir, estúdio de reprodução de áudio, local de meu trabalho nos computadores de produção e Internet. Descemos ambos para o pavimento térreo (onde há um quarto em que dorme Rá); Giza vai tratar das cadelinhas, dos gatos e das galinhas. Enquanto Giza faz isso, preparo e bebo um copo de leite com cacau, faço café com pão, manteiga e um copo d'água para meu amor, e trago esse alimento para o andar de cima, aonde logo Giza sobe e o toma na cama.

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Durante o café de Giza, leio para ela um livro que vou traduzindo do inglês, para treinar tal idioma, de modo a, quando meus livros forem publicados no exterior e quando forem transformados em filmes, se eu ainda viver neste corpo físico, seja mais capaz de me comunicar com os editores, produtores e diretores.

Giza prepara a saída de Rafael para o trabalho dele, o que ocorre às 9 da manhã; e daí em diante ela prossegue nos trabalhos da casa. Giza é quem administra o lar, cuida de todas as finanças, das obras na residência e das compras. Começo às oito nos computadores, já com o lendário Sistema de Áudio CCDB em ação - este ficará ligado o dia inteiro, tal como vem sendo desde 1972, sem jamais ter precisado de assistência a partes fixas. No computador respondo a correspondência (somente) pela manhã, daí escrevo livros, aprimoro a seção tradicional do meu site, administro a seção ativa "CCDB Livros" do mesmo site, crio looks no site byMK, ilustro meus livros e o site.

Até um ano atrás, eu costumava trabalhar com picareta, pá, enxada e carro de mão nos seis lotes de terreno de nossa propriedade (total 2.400 metros quadrados), nos quais escavei e movi para aterrá-los mil metros cúbicos (aproximadamente 1.500 toneladas), trabalho de egípcio antigo durante uns seis anos. As contraturas em minhas mãos (Du Puytren) e pés (Leder Hose) pioraram a ponto de eu não mais poder segurar o cabo da enxada ou da picareta – fui forçado a interromper esse trabalho, que me fazia bem à saúde do corpo e também à escrita dos livros: meu suor pingava na terra e dela brotavam ideias; eu corria para o salão no segundo pavimento e as anotava.

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Giza tem doze anos menos do que eu (que estou com sessenta e quatro - nasci em 06/06/1945) e hoje consegue trabalhar mais do que eu; não para até a meia-noite ou além. Todos os dias Giza e eu nos amamos, fazemos o melhor dos sexos, à noite e de dia quando vem vontade – e como vem, mesmo nesta idade, com mulher e amor assim! Sexo sempre foi parte importante em minha vida e na de Giza. Claro que com a idade decai a potência; porém, como na juventude, eu ultrapassava de longe a média das relações sexuais diárias de alguém com a mesma idade – como depreenderá se ler Géa e intuir o que ali transmito por meio de personagens substitutas e também por meio de personagens da vida real – o sexo é um dos pilares de minha vida, porquanto o sinto e entendo como parte da própria Essência das essências, que é a Vida em si, à qual denomino de Géa na obra homônima. Géa tem muito de sexo, bem como de relações polêmicas – entre elas o incesto.

Este ano começarão as aposentadorias para Giza e para mim, o que melhorará um pouco a nossa condição financeira, permitindo-nos algumas reformas na casa, antes de ela literalmente desabe. Às vezes tomo banho de sol no terceiro pavimento, uma laje que abarca a casa inteira, pois adrede inexiste telhado. Da laje temos 360º de vista estupenda, com todo tipo de paisagem mutável – o mar, a mata, o campo cultivado e até um vulcão extinto: o Morro de São João, bem como os picos do Frade e da Bicuda a se recortarem no horizonte, onde localizei parte da história de Géa.

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Dá pra ler, então a gente não precisa explicar.

Como eu já disse, não sei se tenho tempo para conseguir ler um romance em doze volumes que precisa de um dicionário, e acho que um monte de gente não tem tempo pra ler isso. Você não acha isso grande demais prum escritor que muita gente deve considerar "iniciante"? Você não liga se as pessoas te chamarem de arrogante?
O Livro Treze começa com o Glossário Geóctone. Este contém a tradução dos termos alienígenas – que mesmo sem tradução podem ter suas acepções intuídas por quem leia Géa, que foi programada para ir ensinando tais acepções aos poucos, no desenrolar do texto. Claro que a consulta ao Glossário pode ser feita, se houver dúvidas. A segunda parte do Livro Treze é o Rarefeito Dicionário de Palavras Raras. Meu léxico em Géa tem trinta mil palavras; isso é o dobro do que William Shakespeare utilizou em toda a sua obra e seis vezes o que Camões empregou em Os Lusíadas. Quantidade pode indicar, mas não é sinônimo de qualidade; portanto, o certo para saber o que é Géa é lê-la e conferir o conteúdo.

Quanto a isso de autor ser "iniciante" é um tremebundo engano! Alguém que escreve um livro sincero e cujo conteúdo é o retrato de sua própria vida, com o objetivo de transmitir informação útil ao próximo, jamais deve cogitar em mercado. Afirmar que todo autor "iniciante" deva escrever um livro humilde, simples, barato e seguir os ditames da mercadologia e da técnica literária focalizada em produção de best-sellers e de livros que as pessoas "não conseguem parar de ler" é o mesmo que dizer: os Vedas, as Sagradas Escrituras, o Corão e livros como esses deveriam ter autores consagrados pelo público literário por detrás de si. Por favor, encare a obra Géa como um desses livros, uma revelação, que não se faz por meio de dogmas ou afirmações categóricas; sim, por meio de alegorias ficcionais – e alguns relatos da vida real. Jesus falava por meio de parábolas. Géa também. Se naquele tempo Jesus utilizava o que todos viam derredor – os lírios do campo, por exemplo – hoje devo utilizar o que todos têm na mente: a era espacial, a ciência da computação, a genética, para criar minhas parábolas! É a mesmíssima coisa.

Se me comparo a Jesus, é porque Aquenaton, Zaratustra, Buda, Jesus, Maomé e outros místicos ou mestres tiveram a mesma iniciação que todo místico busca: o contato direto com Deus. O que foi transmitido ao mundo a partir desse contato, dessa epifania, dessa Iluminação, dependeu de terceiros. É de segunda mão, de terceira mão via sacerdotes e dogmas, que os fiéis das inúmeras religiões recebem o reflexo dessa Luz. A mesmíssima Luz que se acha no coração de cada ser vivo, não apenas os humanos, e que cada um pode descobrir.

Quanto à minha arrogância, é a mesmíssima de Jesus, quando afirmou ser "O Filho de Deus" – coisa que muito pouca gente compreendeu e compreende. Cada um de nós – até a barata que a gente pisa – é "O Filho de Deus". Jesus é, você é, eu sou, a célula é, a partícula quântica é. Isso está explicado em Géa, na Teoria da Biorrelatividade, que engloba e supera de longe a de Charles Darwin. Tenho até uma página no site sob o nome de “Amodéstia” para responder algo mais sobre a minha "arrogância". Há mais: com sessenta e quatro órbitas derredor do Sol, um autor que tem mensagem a comunicar não se pode dar ao luxo de ser "iniciante", humilde e tal. Tem de alardear a obra, caso contrário ela será esquecida antes que ele morra e só será lida, se o for, alguns séculos depois – o que não prejudicará a Verdade ali contida, mas sim o entretenimento que também existe em todo bom livro – verbi gratia: a Bíblia!

Leia aqui a segunda parte da entrevista.