Dentro de uma das estações de votação no Egito.Na semana passada, os egípcios foram às urnas para aprovar oficialmente a última iteração da constituição do país. Como na maioria das questões de “sim” ou “não”, só dois resultados são possíveis. Uma maioria “sim” forçaria o presidente interino, Adly Mansour, a pedir novas eleições (tanto parlamentares como presidenciais) dentro de 30 a 90 dias, segundo a nova constituição. Mas, incrivelmente, não há uma orientação para procedimentos no caso de uma maioria “não”.Isso pode parecer um pouco presunçoso, mas, felizmente, para o governo interino, essa maioria tem a história a seu lado; nunca houve uma maioria “não” em nenhum referendo constitucional na história moderna do Egito.A nova constituição é entendida como uma versão melhorada da constituição de 2012, definida sob o governo do presidente deposto Mohamed Morsi, e não é tão diferente de sua predecessora. Em vez de começar do zero, como se esperava originalmente, foram feitas alterações nas disposições controversas, num processo longo e arrastado que acabou finalmente quando Mansour anunciou o referendo no dia 12 de dezembro do ano passado.Apesar de uma maior clareza sobre discriminação e violência contra mulheres, assim como uma lista longa de direitos socioeconômicos, o projeto ainda contém vários artigos que preocupam os analistas — como um que pode enfraquecer potencialmente os direitos e liberdades dos trabalhadores — e mantém disposições que mantêm o uso continuado dos tribunais militares para civis. Mesmo assim, alguns têm absoluta certeza de que o conteúdo dessa constituição é exatamente o que o Egito precisa.“Eu li a constituição inteira!”, disse um homem, com orgulho, em frente a uma das estações de votação no distrito de Shubra, Cairo. “Essa é a constituição para o Egito. Deus abençoe o Egito e Deus abençoe o [general Abdel Fattah el-] Sisi! Anotei minhas partes favoritas da constituição aqui”, disse ele, sorrindo e me mostrando um pedaço de papel todo anotado. A constituição inteira tinha sido copiada de forma cuidadosa em letras miúdas.A fachada de um tribunal no bairro de Imbaba, Cairo, danificada por uma bomba.A Aliança Antigolpe, o grupo de oposição, declarou imediatamente sua intenção de boicotar a votação, temendo que pressionar pelo “não” pudesse legitimar de alguma forma o governo atual e sua nova constituição. No entanto, nada que parecesse um movimento de boicote conseguiu se infiltrar na consciência do público. Em vez disso, a campanha “Vote Sim” roubou toda a atenção e espaço para publicidade.No primeiro dia da votação, quase todos os postes das maiores pontes do Cairo estavam adornados com cartazes “Sim à constituição!”. Um outdoor gigantesco ligava ligeiramente o voto pelo “sim” à revolução de 2011 e ao levante de 30 de junho, que levou à queda do presidente Mohamed Morsi. A mensagem era clara: essa não é uma votação somente pela constituição, é uma votação pela revolução e pelos mártires.O primeiro dia começou mal, quando um explosivo foi detonado em frente a um tribunal no bairro de Imbaba, Cairo, apenas duas horas depois de as estações de votação abrirem na manhã de terça-feira. Apesar de ninguém ter morrido na explosão, isso desencadeou um aumento na presença da segurança — temendo que atos similares estivessem planejados para o período do referendo.Apesar do começo violento, o comparecimento no primeiro dia de votação foi relativamente alto, com o ministro do desenvolvimento administrativo afirmando que 28% dos eleitores registrados do país tinham comparecido às urnas apenas naquele dia. No entanto, conflitos espalhados por várias outras cidades se provaram mortais; o Ministério do Interior divulgou 12 mortos no fechamento do primeiro dia de votação e mais 250 prisões.Multidão carrega um cartaz do general Abdel Fattah el-Sisi, em frente a uma estação de votação no Cairo.Na TV estatal, a cobertura das estações de votação em todo o Egito mostrava filas longas, com todos sorrindo e esperando pacientemente.Em frente a uma escola no bairro nobre de Zamalek, uma mãe e suas duas filhas adolescentes saíam da estação de votação. Com os dedos ainda manchados com a tinta do voto, elas responderam como tinham votado. “Claro que todas votamos 'sim'!”, exclamou Dina, a mãe, aparentemente surpresa com a possibilidade de alguém votar “não”.“Essa constituição é melhor do que a última. Não votei no referendo do ano passado, mas sabia que era meu dever desta vez. É realmente muito, muito melhor”, explicou o filho dela, Abdel Aziz, antes de ela o interromper: “Há justiça aqui”, ela disse. “Há um futuro!” Sua filha, Noor, concordava com a cabeça enquanto seu irmão e sua mãe falavam. “Queremos que as coisas melhorem e esse é o primeiro passo para isso. O fim das lutas, um economia melhor, alguma estabilidade”, ela acrescentou.“Estabilidade” foi uma promessa muito repetida durante todo período de votação e, depois de três anos de turbulência, mortes, golpes e mudança de governantes, a oferta está mais tentadora do que nunca. “A coisa mais importante para o Egito agora é estabilidade”, explicou o policial de folga Mohamed Abdelmaher em frente à estação de votação de Imbaba. “Estabilidade política, estabilidade econômica, estabilidade social. A estabilidade é a cura para todos os problemas do Egito.”Ele segurava firmemente a mão da filhinha enquanto falava sobre o futuro do país, repetindo a necessidade de estabilidade e segurança. “Eu votei 'sim' na esperança de que não haja mais disso”, disse ele, apontando para a fachada danificada do tribunal. “É disso que o país precisa, se Deus quiser.”Siga o Adam (@aporamsey) e a Amanda (@mustardphoto) no Twitter.
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