Desde que o Papa Francisco se tornou líder da Igreja Católica no ano passado, a grande imprensa italiana enlouqueceu. Logo depois de sua indicação, Jorge Mario Bergoglio (seu nome verdadeiro) foi chamado de “revolucionário”, “rock star”, “super-herói” e um “cara legal”. Ele também foi proclamado um santo vivo depois de realizar um milagre, apenas algumas horas depois de tomar posse em março de 2013: fazer o transporte público de Roma funcionar direito (pelo menos por algumas horas).E isso foi só o começo. Depois de sofrer com o antipático Papa Bento (e seus sapatos Prada vermelhos figurando o tempo todo nas manchetes), a indústria do jornalismo italiana não conseguiu acreditar quando percebeu que, finalmente, tinha um papa que andava de ônibus, segurava a própria bolsa e que não era imune à gripe. Sabe aquela freira que virou notícia por participar da versão italiana do The Voice na semana passada? Ela não teria conseguido isso se o Papa Francisco não tivesse aberto caminho para a união dos conceitos de Igreja e celebridade.E essa união profana partiu para outro nível no dia 5 de março: depois de estampar várias capas de revista, o Papa Francisco pôde finalmente se orgulhar de ter uma revista semanal focada inteiramente em sua vida. A Il Mio Papa [Meu Papa] tem sido marketeada como “a primeira revista semanal devotada inteiramente ao Papa Francisco”. O editor da IMP é Aldo Vitali, que também está por trás das revistas sobre TV e celebridade mais vendidas da Itália, a TV Sorrisi e a Canzoni, publicadas pela Mondadori — uma das principais editoras da Itália, de propriedade da família do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi.De acordo com o comunicado de imprensa oficial, a Il Mio Papa “tem um ponto de vista positivo e popular, com layouts coloridos e fotos altamente emotivas”. A Mondadori tem grandes esperanças para a publicação, com três milhões de cópias a serem impressas no primeiro mês, e um plano de comunicação que inclui faixas na Praça de São Pedro em Roma.Em seu primeiro editorial, Vitali explica sua escolha em lançar uma revista semanal (basicamente, indo contra tudo o que se sabe sobre tendências financeiras no jornalismo impresso): “O Papa nunca para — todo dia ele nos surpreende com suas decisões firmes e seus gestos imprevisíveis. As pessoas se sentem muito próximas dele”.Mas isso não acaba aí; ele segue se dirigindo ao leitor: “Se você está lendo estas linhas, significa que temos algo em comum: uma admiração e profunda apreciação pelo Papa Francisco”. A Il Mio Papa, ele continua, busca não tanto “celebrar” Bergoglio, mas “ajudá-lo a espalhar sua mensagem”.O mais estranho é que isso já tinha sido previsto cerca de um ano atrás. Em março passado, o site Mother Jones bolou uma paródia da Tiger Beat (uma revista americana “de fãs” para garotas adolescentes) com Bergoglio na capa. Mas a realidade conseguiu ser muito mais bizarra do que a sátira.Folheando as primeiras páginas, você logo percebe que a revista é de uma leitura muito fácil. O tom dos artigos é mais ou menos o seguinte: “O Papa sempre abraça as crianças levadas a ele pelos pais”; “Frequentemente, as mães pedem um beijo para seus filhos e o Papa está sempre cercado de pupilos gritando, felizes de estar perto dele”; “Papa Francisco mostra seu entusiasmo para com os devotos e a praça do Vaticano se torna a casa de todos”, e assim por diante.A melhor parte, claro, são as “imagens altamente emotivas”, que copiam o estilo dos tabloides. Mas em vez de fotos da celebridade X dando uns amassos na celebridade Y num táxi, na Il Mio Papa temos Francisco “andando entre a multidão feliz” na Praça de São Pedro.As páginas seguintes lidam com as notícias (a produção de uma série de TV inspirada na vida de Bergoglio na Argentina entre 1976 e 1981, “quando ele se opôs ao regime de Jorge Rafael Videla, ajudando os necessitados”) e atualidades, como um sermão contra a guerra. Suas incitações são destiladas pelo autor na frase: “A Igreja precisa de sacerdotes, não de conspirações”.Depois da seção “política” (chata), a Il Mio Papa dá dicas aos leitores que participam da Hora do Angelus (“você pode ver melhor o Papa do primeiro quadrante da praça, do lado direito”) e oferece vislumbres da vida pessoal do pontífice, que “se recusou a morar nos apartamentos papais” e “preferiu viver num quarto de hotel”. Tem até um mapa do apartamento papal que mais parece uma ilustração de livro de criança.Com 50 centavos de euro (R$1,58) — por uma revista de 68 páginas — os leitores ganham um pôster do pontífice, que pode decorar “sua sala ou seu local de trabalho”, para que “o sorriso e as orações do Papa estejam sempre com você”.Quase no final, há uma matéria em fotos sobre o primeiro ano do Papa no Vaticano, em que você encontra uma selfie que ele tirou com crianças em agosto de 2013, com a legenda “Um Papa tecnológico”. A referência à tecnologia aparece de novo algumas páginas depois, com um guia prático de como se juntar ao Twitter para “receber as mensagens do Papa em seu celular (é fácil e grátis)”.A página 55 é de longe minha favorita. Intitulada “Francisco Nos Ajuda”, a imagem mapeia os componentes da “oração dos cinco dedos” do Papa [para uma explicação em português da oração dos cinco dedos, clique aqui].Via Tumblr.Mesmo sendo mais séria do que as revistas de fofoca padrão, Il Mio Papa continua sendo uma revista recreativa. Na verdade, a revista tem até “palavras-cruzadas Meu Papa”.Finalmente, todas as páginas têm anúncios claramente direcionados para o estereótipo que você imagina de um leitor da Il Mio Papa: “Kilocal Mulher ajuda você a lutar contra o ganho de peso”; “Acorde seu intestino e lute contra a prisão de ventre”; “Recarregue seu intestino com bactérias boas”; “Hypoacusis atua contra o envelhecimento das células cerebrais” (parece que eles acham que todo mundo que lê a Il Mio Papa é gordo, doente e velho). Há também anúncios de assentos especiais para carro, aparelhos auditivos, cremes de beleza e produtos de perda de peso que vão deixar “suas pernas 20 anos mais jovens”.Depois de ler a revista inteira, uma pergunta passou pela minha cabeça: o que será que o Papa Bergoglio acha da revista? Julgando por essa entrevista para o jornal Corriere della Sera, ele não parece ficar muito contente. O Papa diz que não quer ser retratado como um super-herói ou uma estrela do rock, porque ele ainda é um homem que “ri, chora, dorme calmamente e tem amigos como todo mundo. Uma pessoa normal”.De acordo com o vaticanista Sandro Magister: “Francisco é um papa que não precisa ser discutido ou interpretado”. Mesmo que isso seja verdade, parece que ele é uma mina de ouro de “notícias felizes” que a imprensa italiana e internacional estão loucas para explorar.@captblicero
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