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Viagens

Fui visitar a capital paranormal do mundo

E não, não vi fantasmas.

Escondida numa zona remota entre Daytona e Orlando, a pequena “Capital Paranormal do Mundo” é um santuário para médiuns, curandeiros, videntes ou, simplesmente, malucos.

O Acampamento Espiritual de Cassadaga foi fundado em finais de 1800 por um tal de George P. Colby. Este médium nova-iorquino foi convencido pelo seu guia espiritual — um índio norte-americano chamado Séneca — a ir para a Flórida e abrir um centro espiritual. Viajou pela natureza selvagem da Flórida Central em 1875 e apropriou-se da terra, de acordo com a profecia de Séneca. A escritura para formalizar a Associação de Encontro do Acampamento Espiritualista de Cassadaga do Sul foi concedida em 1894, e Colby adquiriu 14 hectares. O guia espíritual tinha, aparentemente, um grande conhecimento sobre direitos de propriedade. Com o passar dos anos, o Acampamento Espiritualista expandiu-se para 23 hectares. Cassadaga começou por ser um lugar para as pessoas praticarem espiritualismo — uma miscelânea secular do final do século que combina ciência, filosofia e religião. Em 2013, as coisas mudaram ligeiramente. Duas tendências distintas emergiram no Acampamento Espiritualista de Cassadaga — o pessoal da Nova Era e a organização religiosa sem fins lucrativos assumiram a direcção do acampamento. Tal como os judeus e os muçulmanos em algumas partes do mundo, apenas uma única rua separa as duas vertentes. Os adeptos da Nova Era usam cartas de tarot e reúnem-se no Hotel Cassadaga. A organização religiosa mantém a crença tradicional estabelecida por Colby em 1800. Isto não significa que as pessoas do Hotel Cassadaga e os seus médiuns contratados não sejam fiéis ao Espiritualismo como religião, mas são mais relaxados. Tipo, os episcopais e os católicos. O Hotel Cassadaga (o único da cidade) é, supostamente, assombrado. A varanda tem cadeiras de balanço e palmeiras corcundas que lembram uma versão mais mediterrânea do Motel Bates. No site do hotel pode ler-se que o lugar tem “espíritos amigáveis” — suponho que sejam aparições, tipo o Bill Cosby no Ghost Dad. O hotel original incendiou-se no Natal de 1926 e foi reconstruído um ano depois. O interior evoca os anos 1920, com mobília estilo toscana e um hall de entrada que lembra um café. Ao lado do lobby, fica o Sinatra's Ristorante, que tem um pianista, um bar e comida italiana. As noites de sábado são de karaoke, mas falamos sobre isso depois. Vamos deixar uma coisa clara: não acredito em fantasmas. Não poder ver algo é, simplesmente, estúpido. Mas acredito no bizarro. E no estranho. E Cassadaga está repleta das duas coisas. Marquei uma leitura assim que cheguei. Os últimos andares do hotel são reservados para os consultórios dos médiuns. Num canto do hotel, encontrei a minha sala de leitura. Uma mulher numa mesa redonda, coberta de objectos psíquicos, estava sentada de costas para a porta aberta. Era parecida com uma daquelas médiuns dos anúncios de TV que passam de madrugada. A pequena sala era decorada com ídolos pagãos e figuras de animais. O incenso era forte o suficiente para sufocar uma larva. Esta é a Torre. A presença da Torre é o que esperavas se o Sam Kinison reencarnasse como mulher. Tanto é vidente, como é médium. Começou a leitura por pressionar o cronómetro do iPhone, e disse uma oração que mencionava alguma coisa sobre peixes e penas. Tinha trazido 55 dólares para meia hora de leitura. Por isso, estava pronto para aproveitar o espectáculo. Aqui fica uma lista das coisas que ela me disse durante a leitura: 1) Tenho dois guias espirituais. Um é uma mulher, que mais tarde descobrimos ser a minha avó, da parte da minha mãe. O outro é um homem idoso, que foi barbeiro no século XVII.
2) Tenho um espírito animal de um leão. Mas é uma mistura de leão cobarde e rei do safari.
3) Vou viajar para os Barbados num futuro próximo.
4) Também vou para o Oriente. Pequim, mais especificamente.
5) A Torre viu a minha avó escrever as palavras “sabedoria” e “humildade” num quadro preto. Enquanto fazia a leitura, os olhos da Torre ficavam perdidos e olhava para o além, como se eu nem estivesse na sala. Dizia coisas como “estou a sentir um formigueiro” ou “estou a receber um verdadeiro choque”. Teve um ataque de tosse durante a leitura. Já me tinha avisado de que podia acontecer. Estava a recuperar de uma gripe forte. “Como está a minha avó?”, perguntei. Ela começou a entrar em transe e fez uma cara como se tivesse um pequeno cocó debaixo do nariz. “Ela diz: 'Estou óptima.'” A minha avó nunca diria algo assim. Era uma siciliana insensível. As coisas nunca estavam “óptimas”. Disse-me que a minha avó “está num jardim, a rodopiar num vestido de verão”. Hmmmmm, não me parece. O único jardim onde a minha avó esteve foi o restaurante Olive Garden. De vestido de verão, então, nem pensar. “Acabou de apagar a palavra humildade do quadro preto e substituiu-a pela palavra…” A Torre procurava como se estivesse no tal jardim com a minha avó. Um jardim com um quadro preto, aparentemente. “…esperança”, terminou a frase com se descarregasse uma mentira. O alarme tocou. A leitura tinha acabado. Senti-me um bocado enganado pelo fim dramático, mas foi aí que a Torre começou a contar-me a sua história. Ela era do Canadá e mudou-se para Ohio quando ainda era criança. Contou-me que o desejo de ser vidente veio da sua avó. “A minha avó também tinha esse dom. Era óptima jogadora de bingo”, disse a Torre. “Podia jogar 30 números de uma vez e colocava todas as imagens à volta do cartão de bingo.” Isso é fazer batota, pelo que sei. Quando tinha uns 20 anos, a Torre mudou-se para Orlando e começou a tocar em bandas de rock, como os Intense, e numa banda só de gajas chamada Miss Conduct. “Abrimos para os Flock of Seagulls uma vez, na época em que tínhamos um vídeo a passar na MTV”, disse ela. A Torre também foi cabeleireira, mas o verdadeiro despertar como vidente praticante surgiu nas noites de Halloween dos Universal Studios. “Eles tinham montes de barraquinhas de videntes com estilos diferentes. Um deles era um sultão que me perguntou: 'Por que não estás aqui a fazer isto?'” Boom!!! Começou a trabalhar como vidente. Através de contactos com clarividentes daqui, conseguiu ser contratada pelo Hotel Cassadaga. Mas, ela não é só uma mente contratada, também ensina crianças videntes num acampamento de verão em Orlando. “Ensino as crianças que têm estes poderes a não se exibirem e a respeitarem o dom que têm”, contou. “Também ensino como lidar com as outras crianças que não entendem.” Falava das crianças como se elas fossem de uma escola para jovens sobredotados. Começou a brincar com uma mini caveira de cristal. “O que é isto?”, perguntei. “Querias dizer: 'Quem é este?'” Foda-se! “Este é o iMax. Uma caveira de cristal que a JoAnn Parks me deu”, explicou. A JoAnn Parks é uma texana guardiã do “Max” — uma famosa caveira de cristal de quartzo, descoberta há cem anos numa catacumba maia na Guatemala. “E por que é que tem esse nome?”, perguntei. “Foi ela que me disse.” Também disse que o iMax lhe perguntou: “O que queres saber?”. “Perguntei-lhe quando é que o mundo ia acabar.” “O que respondeu?”, questionei. “Gostavas de saber?” “Gostava.” O iMax contou-lhe que, no futuro, sete tribos e nações unir-se-ão para que não haja mais guerra. Mas que, no ano 3000, o mundo vai acabar. “Aí, soltei a frase: 'Fui usada' — e fui de certeza, naquela época”, relembrou. Enquanto a Torre tinha uma conversa normal comigo, os seus olhos vagavam como se ainda me estivesse a fazer a leitura. “Quando falas com alguém, podes ver espíritos guia ou algo assim durante a conversa?”, perguntei. “Tipo, digamos que estás numa loja… Vês coisas quando entras lá?” “Sim, mas tenho de esquecer isso — colocar uma venda. Especialmente em lugares assim, que estão cheios de más vibrações.” Desci as escadas para fazer o passeio histórico. O passeio é afiliado ao Acampamento e fica do outro lado da rua. Um pequeno grupo já estava à espera para começar. O nosso guia era uma mulher aparentemente alegre. O crachá dizia apenas: A SUA GUIA. Não tinham dinheiro para imprimir crachás para todos os guias. Não está fácil para ninguém. O grupo que estava comigo era formado por uma grupo de turistas típicos de meias brancas até à canela e camisas tropicais. A nossa guia, aparentemente apanhada de surpresa, anunciou que tínhamos uma convidada especial connosco. “A reverenda, Judy Cooper, vai estar connosco no passeio hoje. É um prazer!” A Judy Cooper é a vice-presidente do Conselho de Administradores do Acampamento Espiritualista de Cassadaga do Sul. É a médium residente e, pelos vistos, só estava no passeio por minha causa. A livraria onde eu tinha comprado bilhetes para o passeio tinha-lhe dito, provavelmente. Quando começámos a descer a colina, a Cooper começou a andar na minha direcção. “Devias ter esperado pela aprovação do conselho antes de vir para cá”, disse-me em voz baixa. Expliquei-lhe que esta era a única época em que podia visitar Cassadaga e que não dava para esperar mais. “Só não quero que me arranjes problemas”, disse ela. Problemas? Eu nem quis perguntar. Continuámos o nosso passeio. Fomos parando em casas da era vitoriana na rua principal. A nossa guia explicou que uma das médiuns residentes tinha falado com Abraham Lincoln. Durante o passeio, a guia contou a história de Colby e mostrou fotografias do seu álbum de couro. Os passeios históricos costumam ser uma seca. Mas este não foi. A guia falou sobre espíritos que entram nas salas das casas à noite e que espiam pelas janelas, máquinas de xerox que ficam loucas e todos os tipos de acontecimentos espirituais. Aproximámo-nos da igreja chamada Templo Memorial Colby. A primeira coisa de que me apercebi foi um barco cheio de girassóis. Nenhum crucifixo, só girassóis. Alguém do grupo fez uma pergunta sobre isso. “Os girassóis voltam-se para a luz do sol. Assim, o Espiritualismo vira-se para a humanidade na luz da verdade”, afirmou a reverenda Cooper. Os visitantes concordaram. O altar da igreja parecia um cenário do filme Nothing But Trouble. Pensei que o Dan Akroyd ia saltar do alçapão. Um dos turistas perguntou: “Acreditam em Jesus?” “Acreditamos na Inteligência Infinita como nosso Deus”, respondeu a guia. E saímos da igreja para ver o Lago Espírito, que fica logo atrás do templo. “Como podem ver, não há água no nosso lago. Mas para quem quiser ser voluntário, vamos cortar o mato todo em Janeiro”, anunciou Cooper. No fim do passeio, a reverenda falou-me um pouco sobre si mesma. Foi criada em Titusville porque o pai trabalhava para a NASA. Mora em Cassadaga há 20 anos, tendo começado aqui como estudante. “Nós certificamos os nossos estudantes. Eles podem ficar nas nossas casas mas, treinamo-los de quatro a seis anos. É por isso que somos diferentes de…” Apontou a cabeça em direcção ao Hotel Cassadaga do outro lado da rua. “Só não gostamos quando repórteres e programas de TV aparecem por aqui e nos divulgam de forma incorrecta." “De que é que vocês não gostam?” "Quando nos põem no mesmo grupo que eles. A nossa relação com eles varia.” Depois disse-me para não andar pelas ruas do Acampamento quando escurecesse. “Fazemos isso para que os hóspedes do hotel ou outras pessoas não vandalizem a propriedade. Acontece muito no Halloween.” “Vocês fazem patrulhas?”, perguntei. Ela disse algo como “temos os nossos métodos”. Imaginei uma vigilância paranormal. Fui até ao restaurante. Até ao bar, mais especificamente. Havia uma promoção especial de dose dupla de um whiskey Kentucky Deluxe. O bar estava cheio. O pianista cantava músicas do Elton John e do Billy Joel. Os clientes eram, principalmente, mulheres de meia-idade ou mais velhas. Esta é uma das coisas mais visíveis na comunidade: as mulheres. À procura de algo, de uma resposta dos espíritos guia ou de alguma coisa que diga que vai ficar tudo bem. Uma das mesas foi a mais turbulenta durante toda a noite, beberam e cantaram como piratas. Eram empregadas de bares da cidade próxima de Debary. Os risos roucos de fumadoras ecoavam pelo restaurante todo. A líder do grupo aproximou-se da proprietária do Hotel Cassadaga para lhe mostrar alguma coisa no telemóvel. “Queríamos mostrar-te isto. A minha amiga acabou de tirar esta foto no quarto dela.” A Dinah Morn, a proprietária, disse-me para deliciar os meus olhos com a foto. Era uma cena mesmo convincente. Uma imagem branca, delgada, no canto da sala. Parecia que tinham mesmo conseguido fotografar um fantasma. A Morn ficou orgulhosa. Descobri, depois, que uma das mulheres tinha usado uma aplicação do telemóvel para enganar toda a gente. A Morn ficou chateada. “Estou mesmo fodida”, disse-me, enquanto dava um gole de vinho branco. O karaoke começou. A Morn e o seu falecido marido tinham comprado o hotel em 1979 num impulso, durante uma escala no aeroporto de Orlando. “Tínhamos ido visitar uns amigos em Deltona e estávamos a voltar para Milwaukee. O meu marido pegou num panfleto de uma imobiliária e viu este anúncio”, disse. “Antes de darmos conta, já eramos os donos do Hotel Cassadaga.” A Morn era a gerente/proprietária do hotel mas, também, a figura materna para os empregados e videntes, bem como para o próprio prédio. “Chamo o hotel de 'ele'”, disse. “Porque ele é meu. Eu tomo conta dele.” A Morn gostava do restaurante e espreitava pelas janelas. A seguir, levou-me a ver o grande piano restaurado. Disse-me que era de 1880. Restaurou o hotel todo. Gastou quase dois milhões de dólares com restaurações. Tinha sido criada como católica e não conhecia o Espiritualismo até vir para Cassadaga. Para o bem e para o mal, converteu-se à religião depois de adquirir o hotel. “Temos os nossos altos e baixos com o Acampamento. Mas só queremos dar-nos bem e fazer o melhor pela comunidade.” Os hóspedes, residentes e videntes chegaram para o karaoke. Cantaram sucessos da Sheryl Crow, do Kid Rock e até Dixie Chicks. Depois de ganhar coragem, cantei “I'm Just a Gigolo” do David Lee Roth. Até fui bastante aplaudido. Ao fundo do restaurante, a Morn e outras pessoas estavam sentadas numa mesa, com as palmas das mãos para cima, enquanto uma mulher lhes fazia a leitura. Este pessoal nunca desiste. Depois do karaoke, o bar esvaziou. Os corredores tipo o Shining e as luzes fracas da varanda eram as únicas coisas que pareciam vivas. Acordei na manhã seguinte ainda vestido com as roupas da noite anterior. Não quis dormir debaixo dos lençóis, com medo dos fantasmas ou algo assim. Arrumei as minhas coisas. Durante o pequeno-almoço lembrei-me que as pessoas de Cassadaga são só pessoas normais, que tentam ter uma vida. Até têm correios. Mas, no fim de contas, Cassadaga é mesmo um sítio muito estranho. Imagina se a tua cidade fosse invadida por pessoas que acreditam numa determinada coisa. Que acreditam que todos as pessoas sabem ensinar e são professores, por exemplo. Ia ser muito cansativo. Tudo o que eu queria era voltar para o que toda a gente chama de “normal”. Queria fugir da seca que eram as leituras, vidências, guias espirituais, astrologia e análise grafológica. Só queria sentar-me na minha cama, na minha casa, e pensar que existem outros lugares além de Cassadaga.Mas, no fim de contas, Cassadaga é mesmo um sítio muito estranho. Imagina se a tua cidade fosse invadida por pessoas que acreditam numa determinada coisa. Que acreditam que todos as pessoas sabem ensinar e são professores, por exemplo. Ia ser muito cansativo. Tudo o que eu queria era voltar para o que toda a gente chama de “normal”. Queria fugir da seca que eram as leituras, vidências, guias espirituais, astrologia e análise grafológica. Só queria sentar-me na minha cama, na minha casa, e pensar que existem outros lugares além de Cassadaga.