GTA XX é a série especial da VICE Brasil, com entrevistas e análises exclusivas, que celebra os 20 anos da franquia que mudou tudo nos games.
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Matéria originalmente publicada na VICE US.
A Rockstar Games criou um monstro quando decidiu que as pessoas só queriam zoar por aí e serem bandidos num videogame. Pense em todas as horas engolidas pela série Grand Theft Auto – cada jogo, um best seller. Cada edição, um clássico – e todas as referências de cultura pop formadas aí. Pais chatos que usam camiseta de banda e jeans esquisitos têm Star Wars, nós temos Grand Theft Auto. E eu sei o que eu prefiro.
Fantasias de máfia, traições e assassinar pessoas com um vibrador. Cafetões, duas-caras e dinheiro rápido pelos meios mais ilícitos possíveis. Armas enormes, carros explodindo e uma trilha sonora que se tornou instantaneamente icônica. Cada jogo de GTA abençoa os jogadores com uma enorme caixa de areia estranha, onde eles podem causar o caos e se perder inteiramente. Cheia de referências culturais e caos cartunesco, a série tem uma mistura de humor e amor genuíno pelo gênero de crimes, e criou vários jogos que deixaram os jogadores colados nos controles.
Aqui vão alguns dos melhores momentos da série.
Ser traído por Lance Vance – ‘Grand Theft Auto: Vice City’
Acho que a gente já devia esperar uma coisa dessas. Nas linhas tortas de puro clichê de filme de gangsteres, já teríamos sacado que uma traição dessa estava vindo. Mas não assim. Isso me pegou desprevenido, como um soco no estômago – mesmo com o nome da missão já dando uma baita pista. Independente disso: vai se foder, Lance Vance, e vai se foder Lance Vance Dance.
“Você nos vendeu…”, diz Tommy Vercetti – ainda (para mim) naquela ridícula camisa havaiana azul; preso na estase do guarda-roupa que era a sexta geração de consoles – ao descobrir que seu colega agora está do lado de Sonny, ex-chefe de Tommy e seu atual inimigo.
“Não… eu vendi você, Tommy”, diz Lance. “Eu vendi você.” Aí, com todo mundo em seus lugares, Tommy começa a atirar.
Para meu eu de 13 anos, esse foi o auge de muitas referências que eu não entendia completamente. Vivendo uma vida através do camaleão Tommy e com o barulho de rock hairspray, essa é provavelmente a melhor maneira de terminar um jogo: assassinando um amigo que te traiu numa enorme mansão numa chuva de chumbo. Era incrível.
Destravar o jetpack – ‘Grand Theft Auto: San Andreas’
Até esse ponto, San Andreas já parecia alucinado, sim, mas com algum pé na realidade. Era um grande cozido viscoso de uma narrativa de rap barato, ligeiramente conectado por referências preguiçosas a todo filme do começo dos nos 90, mas pelo menos fazia um vago sentido… e aí veio “The Black Project”.
Esquecendo o fato que o San Andreas no começo era tão agarrado à realidade que te fazia passar por uma série de lições de voo excruciantes antes de te liberar para pilotar, agora você tinha a chance de usar um “jetpack” para sair voando de uma base militar com um nome de posição sexual e estourar tudo com seu pequeno fuzil Carbine.
Uma missão armada por um hippie vesgo chamado The Truth, “The Black Project” era – na falta de uma palavra melhor – totalmente besta. (E isso num jogo onde esconderam um minigame que te dá pontos por transar direito com a sua namorada pixelada.) Mas era incrível: Você tinha que invadir o equivalente de San Andreas da Área 51 – chamada “Área 69”, porque esse é um videogame para adultos – e matar um monte de gente enquanto ia descendo uma escadaria assustadora em espiral cheia de caras de uniforme camuflado, roubar um JETPACK e de depois usar o treco para voltar para casa. Foi francamente pornográfico.
Three Leaf Clover – ‘Grand Theft Auto IV’
De todas as coisas que a série Grand Theft Auto faz porcamente – combate físico, estabilidade online, literalmente qualquer coisa com mulheres – tem duas vezes mais coisas que eles fazem bem. E o jogo não faz nada tão bem como um grande assalto.
Considerando que GTA IV é um dos jogos mais amados da série, ele também tem uma das melhores missões de todas: com uma história chupinhada de Fogo Contra Fogo, a emocionante missão “Three Leaf Clover”.
Começa com você, Niko, andando em qualquer lugar e recebendo uma mensagem de um dos irmãos McReary, de uma gangue de irlandeses-americanos cheirados com que você acabou se metendo. O que vem depois é você de terno com uma arma enorme e uma bolsa com C4, prestes a roubar o Bank of Liberty por $1 milhão. Como isso aconteceu? Esse deveria ser um jogo de bandinhos pé de chinelo em apartamentos fuleiros.
“Three Leaf Clover” é uma missão emocionante que exige que você atire em cada pessoa que encontrar no caminho, em cada viatura da polícia que aparecer. Cada pedaço da missão se torna um evento: a morte do Michael, o refém morto em retaliação, o primeiro helicóptero que aparece, a fuga por Chinatown. Ela usa todo que tem de bom na série, com uma narrativa bem costurada e uma trilha sonora que te faz cagar nas calças.
Começa o 3D – ‘Grand Theft Auto III’
Lembro de ter dito “porra”. Eu tinha uns dez anos e estava sentado no quarto do meu amigo Tyler quando ele colocou Grand Thef Auto III para carregar, o que parecia levar uns 20 minutos. E aí eu vi. “Porra.”
Eu tinha certeza, vendo aquele cara na tela num beco, usando uma jaqueta de couro velha e calça camuflada, que nada ia superar esse jogo. Meus olhos quase caíram da minha cara. Isso não era um videogame – era um filme que eu podia controlar. O diálogo era inteligente e engraçado, e a música era ótima (nunca vou esquecer de dirigir um Sentinel preto ouvindo Double Clef FM enquanto eu viver), e as missões eram difíceis, violentas e só um pouco loucas.
Mas independente de todos os apetrechos técnicos, o videogame tinha um clima. Parecia errado. Parecia perigoso. Como Resident Evil tem um clima que sugere terror, mal, tripas e sangue, GTA III tinha um clima de agulhas sujas, carros incendiados e cuidar de quem vacilasse com você com um taco de basebol. O jogo foi como uma pedrada da primeira vez que joguei. Eu não acreditava no que estava vendo. No momento em que tomei o controle desse bandido com tênis que faziam barulho, me apaixonei por esse jogo.
Conhecendo Trevor – ‘Grand Theft Auto V’
Você está no meio do mato alto e Johnny, o amado protagonista motoqueiro da expansão do GTA IV The Lost and Damned, está falando com esse velhote, Trevor, usando uma regata suja e com um olhar severo. Sabe, o Trevor acabou de transar com a mulher de Johnny, e Johnny está fazendo uma exceção aqui…
Até aquele momento, Grand Theft Auto V tinha sido quase um pouco decepcionante. A escala era imensa, os detalhes eram extraordinários, mas a história? Não. Parecia que tinha tanta coisa acontecendo que não dava para dar um show na superfície. E aí apareceu o Trevor.
Longe de ser um dos melhores personagens da série – ou mesmo desse jogo em particular – Trevor era uma arma. Ele é o mais perto de manifestação do mal que você vai ver na série. Ele está na sua tela, ele tira o pau para fora, ele chuta a cabeça de um personagem conhecido de um jogo anterior enquanto grita “Cunt! Cunt! Cunt!”, como um Don Logan do Sexy Beast. E você – sentado lá de cueca, jogando esse jogo num sábado de manhã – pode controlar esse cara. Ele é um personagem que coloca um espelho diante do gênero e nos mostrava como vilões de verdade devem ser: amargos, rancorosos e cruéis.
Kent Paul e Maccer – ‘Grand Theft Auto: Vice City’ e ‘San Andreas’
No que provavelmente foi o momento mais Essex da minha vida, quando Tommy Vercetti entra naquele clube noturno e conhece Kent Paul, levantei como um raio e gritei “PAI! VEM RÁPIDO! É O DANNY DYER!”
Aquele tesouro nacional de inteligência e sabedoria tinha sido estampado da nossa psique coletiva como um emblema de ferro de uma torneira de cerveja. A aparição de Danny Dyer em Grand Theft Auto continua uma das coisas mais engraçada e surpreendentes que já vi. Duas vezes.
Em Vice City ele era um promoter de clube cheio das gírias com braços que balançavam como um boneco de posto quando ele falava, e em San Andreas ele era o atormentado empresário do músico Maccer, interpretado pelo colega lenda viva Shaun Ryder. A segunda aparição, em particular, é um deleite: perdido no deserto de Las Venturas com Maccer, eles estão presos num carro com C.J., o protagonista, que não tem ideia do que está acontecendo. Trazendo humor ao jogo em um punhado de cutscenes, essas são as melhores participações especiais da série inteira.
A introdução – ‘Grand Theft Auto 2’
O GTA 2 foi o jogo que me apresentou a toda franquia, um moleque idiota de oito anos que conseguiu convencer a mãe a ignorar a classificação de 18 anos da capa. Não sei o que eu estava esperando. Na época, os únicos videogames que eu já tinha jogado eram FIFA e qualquer coisa com Tony Hawk no nome.
A introdução do II é, pensando agora, uma compilação de clichês e Jack Branning de EastEnders correndo por Nova York com aquela edição rápida que veio a definir muito dos anos 90 (além de um momento esquisito onde uma mulher canta “Yakuza…” com toda a empolgação de alguém encomendando azulejos). Mas na época, claro, todo mundo achou que esse filme de introdução era a melhor coisa que alguém já tinha feito. “Caramba!”, a gente dizia, suando só de pensar nisso. Todos os nossos sonhos de ação num lugar só, cuidadosamente embalados no começo do que se provou um jogo muito foda, com um toque de sutileza que provavelmente se perdeu para pré-adolescentes que só queriam saber de atropelar uma procissão de hare krishnas.
A morte de Vlad – ‘Grand Theft Auto IV’
Parece que você nunca vai conseguir uma arma nesse jogo. Você fica fazendo trabalhos, conhecendo pessoas e meio que esquece que está jogando um videogame onde precisa de uma arma o tempo todo… E aí você consegue uma. E a usa. O barulho é alto e assustador, ecoando pelas paredes e mandando sangue para todo lado. Parece, bom, com uma arma mesmo. E você quase sentia que tinha recebido uma responsabilidade e tinha que exercê-la com cuidado e respeito (pelo menos por um tempo).
Quando você tem que assassinar Vlad, um bandido do leste europeu que vive te fazendo fazer o trabalho dele e depois te ferrando, a arma parece pesada na mão do seu avatar e você se sente bem mal por ter que matar alguém. É uma loucura que um jogo faça você se sentir assim. Você sequestra o Vlad e o leva para o rio. Ele está implorando por sua vida e você atira na cabeça dele, e fica assistindo enquanto seu corpo ensaguentado cai no rio e afunda.
Você realmente se sente chocado em fazer isso com alguém. A série nunca conseguiu recriar essa sensação de culpa, vergonha e humanidade de novo, mas por alguns segundo – click-click, bang – eles acertaram na mosca