Um Egito Dividido Lutou com Fogos de Artifício, Pedras e Armas

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Um Egito Dividido Lutou com Fogos de Artifício, Pedras e Armas

Na sexta-feira, pelo menos 51 pessoas morreram no Egito.

O rosto do jovem estava coberto com uma bandeira que servia como sudário ensanguentado improvisado. Sua cabeça inconsciente balançava com o caminhar dos homens que o carregavam.

Ele estava entre as centenas de feridos no Cairo na sexta-feira, quando dez mil simpatizantes do ex-presidente Mohamed Morsi — deposto por um golpe militar no país na quarta — saíram às ruas para exigir sua reintegração.

Até o fim daquele dia, os números já eram de pelo menos 30 mortos no país (hoje chegam a 51), e os simpatizantes de Morsi foram empurrados do centro do Cairo em confrontos onde os dois lados tinham armas automáticas. A posição da Irmandade Muçulmana, o principal apoio de Morsi, parecia enfraquecida com seu líder preso, mesmo que sua retórica continuasse confiante.

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O jovem ferido estava sendo carregado para fora de uma manifestação onde alguns milhares de simpatizantes de Morsi se reuniram para pedir sua libertação. A polícia e soldados dispararam contra a multidão. Um vídeo no YouTube parece mostrar policiais atirando num homem a curta distância, a sangue frio.

Mais tarde, perto do arame farpado, vi um policial disparar um cartucho de gás lacrimogêneo na multidão sem nenhuma provocação aparente. Helicópteros de ataque voavam baixo sobre o protesto.

Soldados enfrentam simpatizantes do ex-presidente Morsi.

A maioria dos simpatizantes de Morsi diz querer apenas uma coisa: democracia. Os milhões de manifestantes que tomaram as ruas no dia 30 de junho, pedindo pela intervenção militar para depor Morsi, afirmavam que o presidente perdeu a legitimidade ao governar pelos interesses da Irmandade.

Enquanto escurecia, a marcha pró-Morsi conseguiu chegar à Ponte 6 de Outubro — batizada em referência à guerra de 1973 do Egito contra Israel — rumando em direção à Praça Tahrir, lotada de pessoas celebrando a queda de Morsi. Marchar até a Tahrir foi, sem dúvida, um ato de provocação.

No momento em que o time da VICE chegou ao local, uma multidão anti-Morsi já tinha aparecido para impedir a marcha de chegar à praça. Houve luta na ponte e na estrada abaixo dela. Explosões de armas caseiras soavam a todo momento, os projéteis assoviando sobre a multidão; fogos de artifício, coquetéis molotov e pedras voavam nas duas direções. Em certo momento, vi uma dupla de homens com AKs47 seguindo para a linha de frente. Alguns segundos depois, ouvi tiros e vários outros feridos foram carregados dali, uma criança gritava. A troca de fogos, pedras e coquetéis molotovs continuou por horas, com rajadas ocasionais de armas automáticas.

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Eventualmente, os simpatizantes de Morsi pareceram recuar e os militares apareceram, vindo pela ponte em nossa direção com seus veículos blindados. Civis subiram nos veículos com os soldados, gritando jubilantes com a multidão: “O povo e o exército são uma só mão”.

Menos de dois anos atrás, a multidão enfrentava os militares — que então tinham as rédeas do poder político — em confrontos quase tão sangrentos quanto este e gritando “abaixo o regime militar”.

Desde então, vi os confrontos de rua evoluírem. Antes, civis atiravam pedras e um coquetel molotov ocasional na polícia, que respondia com tiros de escopeta, gás lacrimogêneo e às vezes rifles. Até novembro do ano passado, a maioria dos confrontos era entre civis e escopetas eram bastante comuns. Na sexta, a polícia nem sequer apareceu, e os civis atiraram uns contra os outros com armas automáticas no centro da cidade.

Um influxo de armas automáticas da Líbia é suplementado por escopetas e pistolas artesanais feitas no fundo do quintal de lojas de ferreiro em todo o Cairo. Cada vez mais, as pessoas sentem a necessidade de se armar e acham que não tem nada a perder com isso.

Não consegui falar com nenhum dos simpatizantes de Morsi que conseguiram cruzar a ponte. Mas aqueles com quem conversei antes mostraram se sentir marginalizados e com raiva. A menos que os novos políticos do país forneçam a eles alguma razão para acreditar que podem ter um lugar para si novamente, é bem provável que eles saiam às ruas outra vez. E agora, trazendo armas.

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Homens gritam frases de apoio ao ex-presidente Morsi.

Um homem ferido é carregado da manifestação por simpatizantes do ex-presidente Morsi.

Um helicóptero militar sobrevoa uma manifestação de apoio a Morsi.

Soldados enfrentam simpatizantes do ex-presidente Morsi.

Soldados impedem a aproximação de civis dos enfrentamentos no centro do Cairo.

Soldados guardam uma rua que leva aos enfrentamentos no centro do Cairo.

Um homem joga uma pedra contra simpatizantes do ex-presidente Morsi na estrada abaixo da Ponte 6 de Outubro.

Fogos de artifício, usados como arma, explodem contra opositores de Morsi, em enfrentamentos na estrada abaixo da Ponte 6 de Outubro.