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De Tom Petty a Hot Water Music, por que Gainesville é tão punk?

Livro do jornalista Matt Walker explora a pacata cidade na Flórida, incubadora roquista para lendas como Chuck Ragan e Laura Jane Grace do Against Me!.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Hot Water Music is probably what most people think of when they think of punk music from Gainesville. Photo by Matt Geiger.

Matéria originalmente traduzida da VICE US.

Em outubro de 2016, milhares de caras de fraternidade saíram da calma cidade universitária de Gainesville, na Flórida, enquanto vários punks, fãs de música e desajustados inundavam as ruas. É uma mudança de ambiente bizarra que acontece porque o Gators, o time da Universidade da Flórida, geralmente enfrenta algum rival fora da cidade, enquanto um enorme festival punk conhecido apenas como Fest acontece lá. As poucas horas em que torcedores e os punks colidem no influxo da estação de trem sempre rendem um espetáculo glorioso.

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Matt Walker cresceu em Valdosta, Georgia, e quando ele entrou na cena de música independente no final dos anos 90, foi por volta da época em que a lendária banda punk Hot Water Music estava explodindo a cerca de 160 quilômetros dali, em Gainesville. Ele fazia a peregrinação para assistir os shows locais sempre que podia, e quando decidiu fazer faculdade de jornalismo, ele achou que podia muito bem estudar no lugar que tinha adotado antes como lar espiritual.

Agora ele está lançando o livro Gainesville Punk: A History of Bands and Music, que explora como o lugar que produziu gente como Tom Petty, Stephen Stills e John Vanderslive incubou talentos como Laura Jane Grace do Against Me! e Chuck Ragan do Hot Water Music. Liguei para ele para discutir o Fest e como o evento ajudou a tornar Gainesville o epicentro do punk no sudoeste dos EUA.

A primeira edição do seminal zine da Flórida 'No Idea'. Foto cortesia de Matt Walker.

VICE: Outra cidade universitária — Tallahassee — fica a duas horas de Gainesville. Mas o que torna essa última tão condutiva para muitas bandas punk? As coisas teriam sido diferentes se os caras da Roach Motel tivessem escolhido frequentar outra escola estadual?
Matt Walker: Acho que foi apenas uma série de circunstâncias aleatórias. Cada cena construída sobre a anterior. Acho que muitas das primeiras bandas tinham alguma conexão com a UF, o que dava a elas muito tempo livre para aprender a tocar e frequentar shows. Acho que nos anos 80 houve um momento de impulso para o punk, e provavelmente isso também estava acontecendo em lugares como Tallahassee e todo o país. É difícil dizer. É possível. George Tabb [do Roach Motel] morava em Tallahassee antes de ir para a UF.

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Mas a combinação de Var [Thelin] começando o zine e selo No Idea, mais Allen Bushnell abrindo a Hardback — que era um clube onde se tocava de tudo — contribuíram para a cena se tornar maior do que a das outras cidades.

Você pode falar um pouco mais sobre a Hardback (que agora se chama Boca Fiesta) e como o lugar moldou a comunidade musical de Gainesville?
Minha memória mais distinta da Hardback foi a primeira vez em que estive lá. Acho que foi a primeira vez que viajei para outra cidade para ver um show punk. Fui ver uma banda do Canadá chamada Grade. Lembro de entrar e ficar hipnotizado pela atmosfera — o teto baixo, com água pingando do teto em alguns pontos, adesivos por todo lado e cheiro de cerveja choca. Adorei. A banda de abertura era a brutal Dragbody. Na época eles me pareceram uns caras enormes e intimidadores. Hoje em dia, temos alguns amigos em comum e sei que eles são gente boa. Depois veio o Grade — post-hardcore melódico na melhor das hipóteses. Eu nunca tinha ouvido falar da última banda, mas o público pareceu dobrar enquanto eles pegavam os instrumentos. Quando eles começaram a música, a multidão parecia um organismo, indo e voltando como uma coisa só. Era o Hot Water Music.

Acho que a Hardback era o CBGC de Gainesville. Eles apoiavam os artistas independentes que queriam um lugar para tocar música original. Eles não estavam interessados em atrair um monte de universitários com bandas cover. Era uma questão de originalidade.

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Existe um "som de Gainesville", ou algum tipo de característica que todas essas bandas compartilham?
Acho que não. Há essa reputação, tipo, disso ser beardcore. Acho que todas as bandas de Gainesville ganharam a reputação de soarem como o Hot Water Music, mas esse não é realmente o caso. Algumas bandas foram influenciadas por eles, claro, mas lendo o livro, as bandas de que falo do final dos 90 e começo dos 2000 — o Hot Water Music está ali, mas bandas como I Hate Myself, Palatka, Strikeforce Diablo e As Friends Rust não parecem nada com eles. Acho que não dá para definir Gainesville como um som em particular.

Matt Walker criou seu próprio arquivo cronológico do punk de Gainesville – muitas das músicas não estão disponíveis nos serviços de streaming.

Como estar na Flórida, ao invés de Nova York ou Los Angeles, influenciou esses caras e garotas em sua estética e etos?
No prefácio do livro, Patrick Hughes escreveu que Gainesville é uma cidade calma, quente e úmida, onde as pessoas vão mais devagar. Ele também mencionou que o lugar é um pouco menos violento que outras cenas punk. Muitos dos garotos daqui têm laços com a UF de alguma maneira. Eles não são punks de rua chegando na cidade, são garotos com educação, com coisas para dizer e opiniões sobre vários assuntos.

E a cena de shows de Gainesville é uma entidade orgânica. Ela sempre existiu de alguma forma, se expandindo ou contraindo quando necessário. A maioria das casas de show ficam no gueto de estudantes perto do campus, em casas punk toscas que apesar da bagunça e do movimento, estão sempre borbulhando com atividade e criatividade por causa das pessoas que moram ali. Os bares fecham às 2 da manhã. Se tem algum show numa casa acontecendo na madrugada, as pessoas param tudo à 1h40 para ir até o Gator Beverage antes de fechar e fazer o estoque para a apresentação.

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Eu estava familiarizada com a cena das casas punk do meio dos anos 2000, mas que espaços eram importantes nas décadas anteriores?
Nos anos 90, a Spoke House era o epicentro da criatividade da cena punk de Gainesville. Quando o Fugazi ou o Green Day vinham para a cidade, eles ficavam na Spoke House. Mais tarde, a Utility House, depois Megarock Arena, hospedaram vários shows ótimos. A casa 911 ficou ativa por vários anos, mas infelizmente pegou fogo. A Ark talvez fosse mais que uma casa punk. Era um lugar incrível onde as pessoas viviam com um propósito e contribuíam para a cena de várias maneiras. Havia muitos outros lugares — esses são só alguns que me vêm à mente. A Spoke House ainda existe, mas hoje é ocupada por universitários comuns. Passo por ela várias vezes por semana no caminho do trabalho. A Utility House foi demolida anos atrás. A Ark agora é uma academia chamada The Ark Gym, o que acho muito estranho. Não sei exatamente o que aconteceu com a Megarock.

"Das primeiras vezes em que fui ao Fest, parecia que todo mundo se conhecia. Tipo, literalmente, todo mundo se conhecia."

Uma coisa que notei lendo seu livro é que as bandas de Gainesville que acabaram tendo mais sucesso comercial pareciam ser outsiders no começo. Há mais pressão para resistir à fama na cena do que em outras comunidades punk?
Acho que quando uma banda surgia, ela tinha que passar por um certo trote, especialmente se eles eram muito ativos, trabalhavam duro e eram muito bons. Acho que havia uma resposta meio negativa, mas quando eles se provavam, mostravam que não estavam querendo explorar a cena ou só ganhar uns trocados: a banda era aceita. As mais estabelecidas eram cuidadosas com as bandas novas com que se envolviam, mas quando a cena via que eles eram sinceros, eles eram aceitos.

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Acho que o que constitui se vender ou ter sucesso comercial hoje é diferente do que era nos anos 90. Como nos anos 90, Less Than Jake assinou com uma grande gravadora, e acho que os caras tiveram que ouvir merda na cena. Mas hoje em dia, ninguém tem nada de negativo para dizer sobre eles. O mesmo com o Against Me!, cada álbum ganhava um nível diferente de disponibilidade, e eles foram muito criticados por passar do selo No Idea para a Fat Wreck Chords e depois para uma grande gravadora. Mas na cidade, as pessoas eram amigos desses caras, e ficavam felizes em ver eles crescerem.

Conheço algumas pessoas que não têm nenhum laço com a Flórida, mas que conhecem bem o Fest ou frequentam o evento. A comunidade do festival parece se concentrar em música local que não seria necessariamente percebida internacional ou até nacionalmente sem o evento.
Fui a todos os Fest desde a edição número 5 em 2006, quando me mudei para Gainesville. A ideia é que o Fest não mudou muito, mas com certeza cresceu. Pode ser porque estou ficando velho, mas das primeiras vezes em que fui ao Fest, parecia que todo mundo se conhecia. Tipo, literalmente, todo mundo se conhecia. Agora há mais pessoas e acho que apesar de terem o punk e o Fest em comum, elas não são como um grande grupo de amigos, mas um grupo de amigos de amigos. Mesmo estando maior, acho que a vibe do evento continua a mesma. E claro, conforme fui envelhecendo, as bandas que eu conhecia pessoalmente se desfizeram ou mudaram, então não vejo as mesmas caras que via todos os anos.

Quando morei na cidade, folk punk era meio que a estética predominante. Se alguém passando por Gainesville hoje estivesse procurando por algo bom, o que você apontaria?
Eu diria que estou meio por fora do que está acontecendo; tenho um filho pequeno e passei os últimos dois anos me concentrando na história do punk rock, não do que está acontecendo agora. Mas ainda tem bandas incríveis tocando na cidade. Não sei se há uma banda ou tendência principal guiando as coisas hoje, mas uma das bandas populares é a UV-TV. Bite Marks é outra banda boa com Matt Sweening e Mark Rodriguez, que eram de bandas como Assholeparede, True North e Palatka. Edmonton é incrível também; eles meio que me lembram o Piebald. Frameworks é muito bom — eles saíram em turnê com o Against Me! E depois você tem Chris Wollard do Hot Water Music com a banda Ship Thieves, que toca uma coisa mais rock. Tem muita coisa boa acontecendo ainda.

Gainesville Punk: A History of Bands and Music ainda não tem tradução para português e está disponível para compra aqui.

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