Cristal Muniz
Foto: Felipe Machado/Divulgação

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Esta mulher está há quatro anos sem produzir lixo

A designer Cristal Muniz com certeza é mais limpa do que você.

Ingresso de cinema, lata de cerveja, papel higiênico, resto de comida e todas as coisas cheirosas que usamos para limpar a casa. Em 2017, você, eu e todas as pessoas que vivem nesse país acumulamos 71,6 milhões de toneladas de lixo, segundo um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.

Desde plástico que encapa o chocolate que você merece depois de um dia difícil até o papel do recibo do banco vão parar em um destino que quase ninguém sabe onde é e, na maioria das vezes, nem liga. Mas, mesmo se ligasse, não adiantaria muita coisa: quase metade das cidades brasileiras não tem recursos e incentivos da União para o destino de resíduos sólidos, segundo o IBGE.

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A verdade é que, desde a segunda metade do século XX, a industrialização só desencadeou o aumento significativo da quantidade de lixo. Quando se compra algo no mercado, o lixo não é só o produto em si; ele está presente, e muito, também na etapa de produção.

Para minar todas essas etapas e o problema do acúmulo de resíduos no planeta, a designer gráfica e blogueira Cristal Muniz, 27, decidiu acordar e não gerar nenhum lixo a mais. Há quatro anos, ela entrou na internet e começou a aprender de maneira autodidata outras formas de se viver sem depender da indústria de produtos ou qualquer coisa que tenha o aterro como destino.

Para ela, esse trampo não é tão difícil quanto parece. Além da economia no mercado, a designer também diz que sua vida é muito mais fácil. Cristal precisa de só um produto caseiro pra limpar a casa inteira e não usa nenhum produto com plástico pra cozinhar as coisas em casa. Além disso, compartilha sua rotina sem lixo no Instagram e já conquistou vários adeptos no movimento.

Saque abaixo nosso papo sobre quais são os segredos e a vida de alguém que não produz lixo há tanto tempo.

MOTHERBOARD: Por que você parou de gerar lixo?

Cristal Muniz: Eu morava com minha família e sempre fomos em muitos. Com isso, o lixo nunca foi responsabilidade toda minha. Então quando eu tinha 20 anos, eu me mudei para um lugar perto da minha faculdade, e foi aí que tive esse contato. Eu era a única responsável por esse lixo, e a maior parte daquilo que eu produzia não era reciclável.

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Como fui fazendo aos poucos, fui primeiro nas coisas que estavam muito na minha cara, como plástico, e depois fiquei quebrando a cabeça pra pesquisar e descobrir como viver uma vida sem lixo.

Para pesquisar que foi complicado porque antes esses termos estavam muito na gringa e aqui era só sobre o esquema sustentável. Hoje em dia é mais fácil de achar porque todo esse conteúdo está aglutinado como “lixo zero”, que é o termo mais conhecido.

O quão difícil é parar de gerar o lixo?

Não é muito difícil. É igual ser vegetariano. Se você não quer de verdade, vai ser ruim, porque não está motivado. É claro que sempre tem uns perrengues e tudo depende dos privilégios que a pessoa tem, mas cada compra que você faz e não gera lixo e cada recibo que você consegue negar antes de imprimir, já é uma vitória.

Não gerar lixo simplifica muito no fim das contas. O difícil é perder o hábito porque não lembramos que esse resíduo não desaparece depois que a gente joga em algum lugar.

Se eu fosse no mercado eu perderia muito mais tempo comprando produtos, mas virar essa chavinha e repensar isso até para um longo prazo é mais complicado.

Mas como você se vira? Tipo, pra comer fora, pra limpar a casa.

Se parar pra pensar, todas as coisas pra limpar a casa são feitos com a mesma base de fórmula, mas têm concentrações diferentes. Faço só um produto pra limpar a casa toda. Ele demora cinco minutos pra fazer e leva água, óleo essencial, bicarbonato de sódio e sabão de coco. Limpo tudo com isso há quatro anos e até minha rinite não existe mais.

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Agora, pra comer fora, sempre tenho na minha bolsa o “kit lixo zero”, que varia um pouco. Quando é só pra festa ou balada eu levo só copo e guardanapo. No geral tenho comigo um estojo de talheres, canudos, hashi, dois guardanapos de pano e um copinho. Então é isso. Isso tudo serve pra pedir as coisas e evitar os descartáveis.

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Imagens que trazem calma: O "kit lixo zero" de Cristal. Foto: Felipe Machado/Divulgação.

Mas e nos fast-foods?

Fast-food é muito difícil. Eu sou vegetariana estrita, então é muito raro eu comer em um lugar desse porque não têm opção. Mas já consegui comer no Subway com guardanapo de pano.

Só tinha eu e deu tempo de falar, explicar. Deu tela azul na moça, mas deu tudo certo.

De um modo geral é fácil, mas em fast-food que é um lugar que tem muitas regras e emprego precarizado, a galera costuma ter medo de fazer alguma coisa que pode prejudicá-las.

E em todo esse tempo você nunca precisou jogar nada fora?

Não existe perfeição. A gente vive numa sociedade que prevê o descarte de tudo, então vai ter um momento que vai rolar alguma emergência. O que existe é você conseguir fazer o melhor dentro daquele momento em que está vivendo.

Fora as condições e vivências diferentes também. Eu acho que as pessoas não podem se culpar e sim fazer cada dia uma coisa nova, conforme conseguir. É isso que importa no final. Não se matar pra tentar chegar num lugar que talvez não exista.

Quanto você economiza por mês mais ou menos?

Eu fiz um cálculo uma vez, mas não sei quanto está custando essas coisas de limpeza. Eu gasto mais ou menos cinco reais por mês com isso. E eu lembro que comprava a cada um ou dois meses um pacote de sabão em pó e um de amaciante. E mais detergente, mais esponja e outras coisas de limpar a casa. Era uns 40 reais por mês de produto de limpeza, numa estimativa meio baixa porque eu moro sozinha e isso faz muito tempo. Fora o tempo que se gasta na fila do mercado, né?

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Foto: Felipe Machado/Divulgação.

Qual a relação que você tem com o lixo?

Eu não quero lidar com o lixo. Quando você passa a entender que ele não desaparece na sacolinha de plástico fechada ou o grande complexo que tem por trás de cada produto embalado, a relação muda. Você presta muito mais atenção e isso começa a virar um incômodo.

Agora está na moda não usar canudo de plástico e várias marcas estão aderindo nessa. Tem muita gente que fala mal, tem uma galera que fala bem… Qual a sua opinião sobre?

Acho que precisamos ter uma lei mais bem feita e uma discussão que fosse além disso, ou seja, para proibir todos os plásticos descartáveis. Não adianta só proibir o canudo.

Até que ponto proibi-lo vai ter algum resultado positivo? Porque as leis estão sendo mal escritas e não prevê o tempo de transição. Não prevê campanha educativa, nem discussão com a sociedade, e a alternativa é super cara. Ou as pessoas precisam comprar um canudo permanente ou os estabelecimentos precisam comprar canudos de papel.

Não podemos esquecer que existem pessoas que ainda precisam usar canudos, então poderia ser tudo mais eficaz.

Ao mesmo tempo, acho legal que esse discurso chegou na esfera política e no mainstream. Só que não sei se esse pulo e essa consciência vão funcionar dessa maneira. Vejo que vão proibir o canudo e é isso.

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