O ano de 1992 marcou a abertura das porteiras para o street skate. O número de adeptos do flatground crescia e a largura das roupas também. A lenda mais aceita é que os skatistas de Nova York, nos EUA, começaram a imitar os panos, fora das medidas, entregues aos presidiários. E assim nasceu a moda da calça larga. Caras como Mike Carroll começaram a usar calças um ou dois números mais largas, numa atitude provocativa. Foi questão de tempo para as marcas fabricarem as peças gigantes. A calça larga pro skate virou algo tipo a boca de sino pros hippies. Um ícone desse estilo é o modelo straight fit da Blind, em jeans de variadas cores.
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O Brasil não ficou atrasado na tendência. Colaborou com uma forte adesão à cultura da calça larga que persiste até hoje entre os rueiros. A primeira marca a apostar no visual de folgadão em São Paulo foi a Dirty Money, do Alexandre Vianna e Cristiano Testa. O Alê, fotógrafo, videomaker e fundador da revista Cemporcento Skate, era parceiro do skatista Testa, que levava as calças na Galeria do Rock para serem revendidas por caras como os de uma lojinha chamada Toque e Entre. Era o tempo em que algumas lojas de rock esvaziadas estavam sendo ocupadas pelas primeiras de skate, o que iniciou uma nova fase da Galeria.
Tudo se deu num belo dia em que o Alê e o Testa viram uns clipes de rap e flagraram que os MC's usavam calça folgada estilo prisioneiro americano. Por sorte, algum camarada, de quem o Testa não lembra exatamente, conseguiu trazer pra cá uma calça gringa original da cadeia. “Pegamos a calça de prisioneiro, copiamos o molde e fizemos uma big pants”, revela. “O que ajudou a divulgar muito foi o vídeo da Dirty Money, que bombou na época, com participação do Bob Burnquist, Tarobinha, Chupeta, todo mundo que depois estourou. Os skatistas usavam as roupas”.
Logo, as bandas de rock underground adotaram o style dos skatistas, e o grande fenômeno de todo mundo no palco usando calça larga foi o Festival Juntatribo, que rolou em Campinas, interior de São Paulo, de 17 a 19 de agosto de 1993. No Juntatribo, foram reveladas bandas como Planet Hemp, Raimundos, Muzzarelas, Tube Screamers e Garage Fuzz. Todos os integrantes usavam as roupas. Além disso, a MTV Brasil bombava com a geração X, e, no camarim da tevê, tinha uma porrada de roupas da Dirty Money. Calça, bermuda, aquelas camisetas lá no joelho, e outras fitas que só os loucos usavam.
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Quando os VJs adotaram o visual, a coisa estourou. “Aí fodeu, aí inflamou. A gente chegou a fazer mil calças por mês”, informa Testa. “Coincidiu tudo, pois na época rolou a primeira tour que os skatistas da crew fizeram pra Europa, e o Bob ganhou o campeonato. Saiu no Esporte Espetacular uma gravação realizada lá no Vale do Anhangabaú, com os caras usando as roupas. Aí foi onde inflamou de vez. Até a Regina Casé usou calça. Na época foi muito foda, tinha uma loja na Augusta que se chamava Festa Fun, uma loja dos modernos, e os caras compravam as nossas calças, de tão diferente que era”.A onda das big pants, no skate, pra falar a real só foi forte durante um período de cinco anos. Um par de anos mais tarde, é claro, o modelo retornaria às coleções de um jeito menos esdrúxulo, naquele esquema de“Aí fodeu, aí inflamou. A gente chegou a fazer mil calças por mês”
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Um dos maiores dealers da calça larga foi o Alemão, o primeiro cholo do Brasil, que trampava na Toque e Entre e virou estilista conhecido do mercado street nacional. “Era uma puta loja referência, nós fomos o pós-punk. O punk rock tinha sumido, aí veio o skate. A volta do hardcore, dos sons pesados, falando alguma coisa, do começo do rap bombando”, contextualiza Antônio Carlos Batista Filho, o Alemão, hoje dono da marca de roupas e bikes low rider Otra Vida. Ele é envolvido com moda de rua desde a infância: sua mãe era gerente da Ron Jon Surf Shop, a primeira loja de boards que teve uma mini ramp na porta, e a irmã dele era vendedora.“Os caras da Dirty Money, além de conseguirem umas calças laranja, cinza, verde, roxa, cores que só eles tinham, elas eram super largas, eram muito style, e era o lifestyle do skate mesmo”, conta. “Não tinha jeito, eram as camisetas grandonas, os desenhos deslocados, a moda era o unusual, o incomum chegando mesmo, a forma de você arriscar. Tanto, que depois veio a Anti-Hero, uma pá de marca nessa busca do esquisito.” E o negócio se expandiu: “Eu tinha loja na Galeria com os caras, aí a Devastação [gangue de punks] me ameaçou e eu fui lá pra Ouro Fino abrir a primeira loja de conceito skate – tattoo & skate. Só tinha balé lá e a gente no meio, perdido”.
Daí pra frente, por onde passa, Alemão faz questão de levar desenhos de calça larga. Suas criações já foram replicadas pela Venom, Blunt!, Kronik, Lifestyle, Narina, Manos… Uma das marcas mais influentes pelas quais ele passou foi a Vision, onde atuou como assistente de Mário Queiroz. A proximidade com o Turco Loco, dono da marca, o levaria a, mais tarde, criar a primeira coleção da Cavalera em parceria com o Turco e o Igor, que era totalmente gangsta, com umas estampas e detalhes inspirados na máfia italiana.
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Não podemos falar de calça no skate sem fazer justiça à Dickies, Ben Davis e outras marcas de roupa de trabalhador que foram absorvidas pelos skatistas, as chamadas “hardwearing clothes”. A Dickies teve o corte de seu cinquentenário modelo 874 desconstruído e adaptado por todas as marcas nacionais e de fora. “Até hoje, é o design mais copiado no mundo”, frisa Alemão.
A calça larga teve uma progressão rápida e variada desde seu surgimento. Na sequência, apareceu a versão baggy, que é acinturada, com as pernas largas e um pouco fechada na barra, popularizada por Mark Gonzales; as calças cargo, com bolsos laterais à altura das pernas e canelas e na frente das coxas, um style bastante usado por Mike Maldonado; e as militares camufladas, que marcaram o visual do Chad Muska. Sem falar naquelas bermudas super gigantes que desciam até as canelas, vendidas no Brasil por marcas como Prong!, Crime, Cush, Child, entre outras.“No começo dos anos 90 rolava quase que um concurso pra ver quem tinha a calça mais larga, era muito absurdo”, relembra César Gyrão, fundador das revistas Overall e Tribo Skate. “As marcas de skate, Cush, Lifestyle, Urgh!, Maha, Drop Dead, todas elas tinham uma linha. Algumas começaram a usar um velcro. A calça era de um tecido bem grosso. Falavam que era pra ter mais liberdade de movimento, mas era o contrário, era ridículo, na verdade”, zoa ele. “Depois veio o lance da cueca samba-canção de fora. Na Tribo, fizemos uma pauta com o título 'Calças Largas da Califórnia', de um campeonato que tinha lá em San Francisco chamado Disco In Frisco. E chegamos a fazer uma pautinha na revista com o título 'Você é Folgado?', tirando onda com as calças largas e o lance de ser folgado mesmo”.
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César Gyrão não chegou a usar calça larga por muito tempo, mas outros skatistas oldschool aderiram e viraram lenda das “phat pants”: César Lost, Cesinha Augusto, Ari Bason, Daniel Arnoni, Charles Chaves, Tarobinha, Nilton Neves e Glaucon eram alguns nomes. “Todo mundo com aquelas calças enormes caminhando na rua e chamando a atenção”, acrescenta Gyrão. “O fundilho da calça ficava na altura do joelho. E os caras andando com aquilo às vezes você não sabia se eles estavam de frente ou de costas, porque tinha a história dos bolsos também, os bolsos grandes. A cueca ficava praticamente toda de fora. Em alguns casos, a cintura da calça ficava presa abaixo da bunda. Cofrinho era o que mais tinha. Tinha aquela Vision, que era chupada, a Sims, eram marcas copiadas que na época bombaram. Aí rotularam os gangueiros, de calça larga, e os rasgadeiros, de calça slim”.Hoje é difícil dizer qual é o estilo predominante no skate, pois já faz um tempo que a galera anda bem eclética. A calça larga, no entanto, continua aparecendo no catálogo e nas vestes de atletas de marcas como a Blind, que relançou há pouco o seu modelo big clássico. De qualquer forma, cada época tem aquele doidão que vem com um estilo tão característico e singular que acaba ficando para sempre na cultura skate. No futuro, quem sabe, estaremos aqui relembrando o bigodinho do Luan Oliveira - o qual, me disseram, ele já parou de usar porque está todo mundo usando.
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