Fotos de ícones e estranhos da internet usando estampa de onça
Photography Émilie Régnier

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Viagem

Fotos de ícones e estranhos da internet usando estampa de onça

Émilie Régnier examina o simbolismo da icônica estampa animal, de sua herança tribal a tendências de moda contemporânea.

Émilie Régnier sempre foi uma nômade. A fotógrafa, nascida no Canadá e criada no Gabão, hoje viaja entre a África e a Europa. Ela estourou com a série Hair, apresentando retratos de mulheres em Abidjan, depois Leopard, uma crônica global de pessoas com uma profunda ligação com a inconfundível estampa de manchas — e tudo que ela representa, do luxo à ferocidade até o kitsch.

Leopard inclui um imitador profissional de um ex-ditador congolês (cuja marca registrada era o chapéu de onça), a atriz francesa Arielle Dombasle (posando com uma onça empalhada no Musée de la Chasse et la Nature de Paris), e um tatuador texano (que tem a pele coberta por tatuagens de manchas de onça). Algumas imagens parecem retratos de estúdio, outras são como fotografia de rua. O trabalho de Régnier ressoa em muitos contextos diferentes, e sua série já foi exibida do Bronx Documentary Center até o Photo Vogue Festival.

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Falamos com Régnier sobre Diane Arbus, procurar temas na internet e as complexidades da representação.

Como você se envolveu com fotografia?
Ganhei minha primeira câmera do meu avô quando tinha seis ou sete anos; era uma Polaroid. Fiquei obcecada. Quando tinha 16, comprei minha primeira câmera semi profissional. É difícil abraçar as artes – estudei artes plásticas, surtei, e escolhi um caminho mais tradicional. Eu sentia que tinha que ter um trabalho “da lei”. Estudei ciência política, filosofia, história. Aí um dia, surtei de novo e decidi me tornar mergulhadora profissional. Enquanto estava fazendo uma aula de mergulho, descobri que era claustrofóbica. Pensei: “Fodeu!”

Fui para a Austrália, onde conheci um cara que era fotógrafo, e redescobri meu amor pela fotografia. Voltei para Montreal e estudei fotografia comercial, tipo como iluminar uma garrafa de azeite de oliva. Fui assistente de fotografia por dois anos, em projetos comerciais e de moda. Meu sonho era ser repórter de guerra; me mudei para o Senegal para fazer isso. Não deu muito certo; eu não conseguia lidar muito bem com situações de combate. Depois disso, comecei a abraçar a beleza. Não sei se você pode dizer que sou uma fotógrafa de moda, sou uma fotógrafa artística… Acho que a fotografia é um jeito de estar muito presente no que você está fazendo. Estive em tantos lugares, quero que o resto do mundo se identifique com os outros, além de julgamentos. É isso que tento fazer no meu trabalho.

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Você continua fotografando para a série Leopard?
Sim. Teremos novos retratos – só quatro, mas de pessoas importantes que têm uma relação profunda com onças e leopardos. Toda pessoa que fotografei tinha uma representação marcante; não estou interessada no cotidiano. Quando estava na África do Sul numa reunião zulu… há uma ligação espiritual com isso. Quando vi Larry, pensei: “Essa não é só uma história sobre uma estampa, é uma história sobre essa pessoa”. Eu disse, tipo, “Cara, vi seu rosto no Google Images — você quer fazer parte dessa série?” E ele disse “Claro!” Levei seis meses para conseguir o dinheiro para viajar da África para o Texas.

Vi no Instagram que você estava procurando o contato de Jocelyn Wildenstein [uma socialite famosa por fazer cirurgias plásticas para parecer um gato].
Ela é muito interessante – ela tem uma relação muito forte com o felino. Eu adoraria saber por quê, mas nunca consegui falar com ela.

Você pensa em perpetuar a série de outras maneiras?
Não vou fazer um projeto de zebra. Mas recebo muitas fotos – as pessoas veem alguma coisa de onça e pensam em mim. Um amigo de Bamako me mandou uma moto; um amigo de Boston me mandou uma garota com um vestido lindo de onça. Eu queria começar um Instagram com todas as fotos que recebo, de Los Angeles a Kinshasa: um projeto coletivo. É outro jeito de se conectar com as pessoas. Eu adoraria fazer um livro – trabalhar com um historiador e um historiador de moda, porque há histórias que mal toquei na superfície com a série. É algo muito mais profundo, quando você procura arquivos e faz pesquisas.

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O diálogo sobre beleza e representação está mudando. Como isso mudou a discussão em torno do seu trabalho?
Depende do trabalho. Para o projeto que fiz sobre cabelo, recebi muitos comentários positivos — mas também críticas, não só da sociedade ocidental. Ouvi muito julgamento sobre por que mulheres negras querem usar o cabelo liso quando isso é herança da colonização; algumas mulheres eram obrigadas a esconder seu cabelo natural desde a escravidão. Pelo que tendo a notar agora, as mulheres que retrato — nascidas nos anos 80 e 90, influenciadas por Rihanna ou Beyoncé — querem sua própria definição. O cabelo colonial foi imposto, mas aí acabou reinventado: as mulheres se reapropriaram disso.

A estampa de onça é o contrário. Ela não veio da África – veio da Ásia, do Leste Europeu — quando Christian Dior usou uma estampa chamada jungle, o vestido era “O Africano”. Antes dele, estampa de onça era vista como brega e barata! Agora ela pode ser vista como sexy e selvagem. Não é uma coisa só; ela pode ser todas essas coisas. Nós a reinventamos. Acho essas mudanças fascinantes. O mais incrível sobre o trabalho são as questões que ele traz. Gostando ou não — vamos falar sobre isso. A questão da representatividade é muito importante para mim. Fui assistir Pantera Negra com a minha irmã mais nova – e tenho muitas críticas para o filme – mas saindo do cinema… era tudo do que senti falta na minha adolescência! Me achar atraente. Tipo, não somos só bandidos e prostitutas. Podemos literalmente salvar o mundo. Isso é incrível! Então as coisas estão mudando de um jeito bom, mas ainda vai levar anos… Talvez quando tivermos tantas babás brancas empurrando carrinhos com bebês negros quanto babás negras empurrando carrinhos com bebês brancos.

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Quais fotógrafos são mais significativos para você em termos de abordar representatividade?
Lorna Simpson. Tipo… [ sorriso]. A série Diaspora de Omar Victor Diop, o que ela mostra, o que ela diz. Uma grande amiga, Hélène Jayet, que mora em Montpellier, fez um projeto de anos sobre cabelo, mas cabelo natural. Ela estava fazendo uma exposição pública em Paris e as pessoas diziam para ela “Por que nos mostrar assim?!” Mas ela está mudando fronteiras com seu trabalho. Minha maior influência é Diane Arbus. Ela abordou representação – não necessariamente negra, mas de identidades marginalizadas. Sempre que tenho um bloquei num projeto, volto para o trabalho dela. Descobri Lee Miller depois, e fiquei fascinada pela vida dela. Adoro o trabalho de Zaneli Muholi. Ela usa seu corpo para ativismo e gênero, o que eu acho fantástico.

Você já fez várias exposições internacionais. Você ouviu reações muito diferentes para suas fotos?
Já fiz exposições em Dakar, Nova York, Paris… não são lugares controversos. Estamos planejando uma exposição em Durban — fiz retratos lá, um deles incluso na série – onde a maioria da população é zulu, e a reação deles pode ser interessante. Por causa deles, a estampa de onça é o emblema da família real. Então estou interessada em ver como as pessoas vão se identificar. Umas das minhas imagens é uma pintura de Mbutu, que foi líder do Gongo por 30 anos, e outra é um retrato de Samuel Weidi, um imitador de Mbutu. Ele é meio que uma celebridade local: ele participa de programas de rádio, ele tem programas educativos. Mas não expus ainda em Kinshasa — e adoraria fazer uma exposição lá. Queria muito ver a reação das pessoas.

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Em que outros projetos você está trabalhando?
Estou trabalhando num projeto com DNA, mas é um processo muito lento. Fiz um teste de DNA ano passado; fui ligada a 1224 pessoas que compartilham segmentos do meu DNA. Então entrei em contato com todas elas, e 40 me responderam. O que estou fazendo é um autorretrato onde me corto ao meio e tenho a outra metade da pessoa com quem compartilho parte do meu DNA. Alguns são parentes, outros são estranhos que compartilham uma parte de mim. Nessa plataforma, eles são todos brancos, mas vou usar outra plataforma para meus ancestrais africanos, assim posso me conectar a diferentes raízes, como os vilarejos de onde meus ancestrais vieram antes do comércio de escravos. Quero desafiar essa ideia de percepção: o que é branco? O que é negro? É um projeto muito ambicioso. Mas globalmente, padrões podem unir pessoas.

Matéria originalmente publicada pela i-D.

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