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A revolução não vai começar até falarmos dos nossos salários

Uma economia mais igualitária começa com um pouco de transparência.
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Quanto você ganha? Segundo meus formulários do imposto de renda, fiz um pouco menos de US$ 30 mil (cerca de R$ 90 mil) ano passado. Sou um jornalista freelancer, um trampo instável, provavelmente insustentável e bobo; posso ganhar mais que isso este ano, ou menos. (Vou receber US$350 [cerca de R$ 1 mil] por este texto.) Descobri que as pessoas preferem desconversar quando você fala sobre dinheiro assim. Mesmo numa era onde todo mundo compartilha praticamente tudo, seu salário parece algo íntimo, constrangedor, pessoal.

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Quando postei essa pergunta no Facebook, ninguém me respondeu em público. Muitos amigos se sentiram confortáveis em compartilhar sua renda comigo por inbox — uma professora admitiu ganhar US$ 45 mil [cerca de R$ 135 mil] anualmente, um cientista disse que fazia $60 mil por ano [R$ 240 mil] —, mas ninguém queria abrir o valor que ganhava para o mundo.

"Hesitei em compartilhar porque pensei 'Ah não, tão pouco, que vergonha'", um amigo me disse em resposta ao post. "Depois dos comentários pensei 'Ah não, é muito alto, vai parecer que estou me gabando', e fiquei fascinado em como realmente me importei com isso."

"Na verdade, é uma coisa bem estranha, porque ganho quase exatamente a renda de uma família (não de um indivíduo) para a cidade de Los Angeles, e ainda assim me sinto muito inseguro com dinheiro às vezes", disse outro amigo.

Essa insegurança que todos sentimos, essa necessidade de fazer segredo, nos divide de maneiras invisíveis. Se estamos interessados em criar uma sociedade mais igualitária, ou apenas conseguir a compensação que merecemos pelo nosso trabalho, precisamos falar em dinheiro. Precisamos falar sobre quem ganha muito pouco, sobre quem ganha demais, e quanto ganhamos pessoalmente.

Claudia Hammond é jornalista da BBC 4 e autora de Mind Over Money: The Psychology of Money and How to Use It Better. Ela me disse que é óbvio que empregadores não queiram que seus empregados falem sobre renda — se todo mundo soubesse quanto cada pessoa recebe, qualquer desigualdade ficaria óbvia. Os trabalhadores podem exigir um salário melhor individualmente. Podem até formar um sindicato. Mas quando empregados não sabem que estão tirando vantagem deles, eles não reclamam.

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Saber o valor dos salários dos nossos colegas e amigos também poderia nos ajudar a perceber quão perniciosas são as disparidades de salário entre raças e gêneros. Algumas mulheres recebem menos para fazer o mesmo trabalho que os homens, e não vão perceber isso a menos que elas — e os homens com quem trabalham — sejam transparentes sobre seus salários.

Podemos saber tudo isso e ainda hesitar em falar sobre quanto ganhamos.

"Pessoas que pesquisam sobre o assunto sabem como isso é difícil", me disse Hammond. "Muita gente já percebeu que as pessoas ficam muito mais felizes em falar sobre sua vida sexual com um estranho do que sobre quanto ganham."

(Quando perguntei a Hammond quanto ela ganhava, ela respondeu: "Eu poderia te dizer, mas as evidências sugerem que não vou".)

No passado, esse tabu era explicitamente reforçado pela classe no comando. A pesquisa de Hammond descobriu uma notícia vaga de que "uma grande empresa norte-americana", depois da Primeira Guerra Mundial, emitiu um memorando dizendo aos empregados para não discutirem seus salários. Segundo uma história possivelmente apócrifa, os trabalhadores foram trabalhar no dia seguinte com cartazes enormes pendurados no pescoço mostrando quanto ganhavam. Ações silenciosas como essa levaram, em 1935, a uma provisão legal no Ato Nacional de Relações de Trabalho dos EUA, permitindo explicitamente que empregados discutam seus salários com os outros; mais recentemente, Barack Obama assinou uma ordem executiva proibindo empresas contratadas pelo governo federal de retaliar contra funcionários que divulgarem seus salários.

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Mas empregados não precisam ser abertamente punidos por falar sobre quanto ganham. Os chefes podem criar um véu em torno dos salários assinando contratos e dando aumentos a portas fechadas. Eles não precisam dizer nada para silenciar a conversa sobre dinheiro. Como meus amigos do Facebook, muitos trabalhadores têm vergonha de receber muito ou pouco; eles temem serem envergonhados ou vistos com pena. Permitimos que discussões sobre pagamento se tornassem cada vez mais difíceis porque temos medo das implicações sociais se abrirmos a boca.

"As pessoas querem se dar bem umas com as outras. A preocupação é que um amigo comece a te tratar diferente do nada", disse Brad Brummell, consultor do mecanismo de busca de empregos CareerBliss.com e professor de psicologia organizacional da Universidade de Tulsa. "Se meu amigo posta seu salário com seu nome na internet, as pessoas podem buscar isso, então se ele vai ao aniversário de um amigo e dá um presente mediano, as pessoas podem pensar 'Hum. Isso é tudo que ele podia dar com o salário que recebe?'"

(Brummell me disse, porque perguntei, que ganhava US$75 mil [cerca de R$ 225 mil] por ano como professor e outros US$25 mil [R$75 mil] graças a "serviços e consultorias".)

Evitamos essas conversas porque são desconfortáveis, chatas, seja lá o que for — e como resultado, julgamentos sobre a renda dos outros acabam passando sem expressão para as margens.

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"Tentamos pensar na nossa sociedade como uma meritocracia, que não devemos julgar as pessoas com base em gênero, cor da pele, orientação sexual e toda uma lista de coisas", disse Brummell. "Mas uma coisa socialmente aceitável é fazer julgamentos com base no trabalho que a pessoa escolheu, e no quanto esse trabalho é valorizado."

Tem alguns jeitos de descobrir aproximadamente quanto outras pessoas ganham. Frilas como eu podem postar informação anonimamente sobre quanto recebem no WhoPaysWriters.com. Você pode encontrar médias de cada carreira em sites como PayScale ou CarrerBliss. Mas você não sabe que seu amigo está trabalhando no mesmo emprego há dez anos sem aumento, ou que outro amigo está com uma dívida gigante no cartão de crédito para parecer que tem um estilo de vida confortável. Você não sabe quanto seu tio que trabalha na bolsa ganha a mais que sua tia professora; se soubesse, você podia se perguntar por quê.

A campanha Fight for $15 de trabalhadores de fast food nos EUA tem tido sucesso, pelo menos em parte, porque tem um número específico ligado a ela, um número que lembra quão pouco esses trabalhadores recebem. Há outros protestos mais sutis contra o status quo, como Maria Bamford usando seu discurso na formatura da Universidade de Minnesota para discutir exatamente como negociou sua taxa de palestra, ensinando seus espectadores a valorizar seu trabalho.

Fazer perguntas sobre dinheiro parece algo íntimo porque é uma coisa íntima. Mas é essa falta de intimidade que nos impede de saber que desigualdades nossos amigos, familiares e colegas enfrentam. Podemos morrer sem saber quão pouco os garçons que nos servem ou os professores que educam nossos filhos recebem. Isso é um problema. Vamos falar de dinheiro.

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