Fotos ternas que redefinem a masculinidade negra
'Loyalty' por Shikeith Cathey.

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Identidade

Fotos ternas que redefinem a masculinidade negra

O fotógrafo norte-americano Shikeith Cathey desafia o modo como homens negros queer são vistos.
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Traduzido por Marina Schnoor
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Traduzido por do not use

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Para garotos queers negros, o policiamento da masculinidade está sempre presente. Isso vem em pequenos acessos de ultraje: Seja homem! Pare de ser veado! Não seja uma putinha! Cara, isso é gay! Para proteger seu espírito, desejo e corpo, você sente que precisa imitar a masculinidade dos homens negros da TV e nas ruas; menos Michael Jackson, mais DMX. Mas quando você escorrega, as críticas estão de volta. Olha o jeito como ele corre! Falei que ele era bicha! Para se encaixar, você tem que ir além, provocando o garoto que é mais feminino que você. Se sentindo culpado, você se faz perguntas, na privacidade do seu quarto. Quando vou me sentir confortável na minha própria pele?

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Essa questão é central no trabalho do fotógrafo negro queer Shikeith Cathey, que recentemente estreou sua exposição This Was His Body/His Body Finally His na Mak Gallery de Londres. O título é uma referência direta ao poema meditativo de Rickey Laurentiis "Boy with Thorn", que fala sobre reclamar o corpo negro da masculinidade tóxica histórica nascida da luta para sobreviver ao racismo. As doze fotos na exposição são de homens e garotos negros existindo, segundo Cathey, "fora do binário". "Fazendo essas imagens", ele disse, "eu queria retratar minha própria história de reconciliação, transformação e ser".

O artista.

Um dos destaques é Brush Your Blues (abaixo), um retrato de costas nuas e cabeças inclinadas de dois jovens negros. Vemos os homens numa pose mística, como de um sonho. As cabeças deles descansam sobre os ombros um do outro, criando um coração. A pose conjura um surreal afro, familiar em sua doçura mas ainda alienígena de acordo com as suposições mainstream de como homens e garotos negros devem ser. Seus corpos, segundo o artista de 28 anos, são iluminados por "um gradiente de cinzas". "Quando pensamos no espectro de possibilidades, homens negros são sujeitos a ocupar os espaços binários de brancos e negros", ele diz. "Muitas vezes as áreas cinzas das nossas vidas nunca são reconhecidas."

Tive a oportunidade de falar com Shikeith sobre o poder de expandir as noções existentes de masculinidade através da fotografia, sua incursão na escultura e como sua infância informou seu trabalho nessa exposição solo.

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Brush Your Blues por Shikeith Cathey.

VICE: Essas fotos têm a intersecção entre masculinidade negra e identidade queer como tema. De que maneiras ter crescido como um negro queer diz sobre você?
Shikeith Cathey: Cresci em North Philadelphia. Eu estava cercado por uma performance muito específica da masculinidade negra. Muitos dos meus colegas de escola rejeitavam tudo que consideravam feminino, homossexual ou fora do que significava ser um homem negro na imaginação deles. Tendo que lidar com isso muito cedo na vida, você precisa decidir ainda criança se quer "passar" nesses espaços usando um machismo falso, ou se quer lidar com as consequências sociais de ser você mesmo. Pessoalmente, fiz os dois. Eu atuava na frente desses garotos para tentar me encaixar, mas nunca realmente alcancei o padrão do que significa ser negro e masculino, e acabei isolado.

Nesse isolamento você encontrou exemplos de garotos, homens e mulheres negros que te permitiram se sentir aceito?
Eu queria ser músico quando criança e muito do modo como eu representava a expressão masculina negra era através de música e clipes de hip hop de rappers como DMX e Master P. Usher era alguém que eu tentava emular. Eu queria a sutileza dele, aquele ar cool que muitos garotos negros têm, que você vê nos trabalhos de pintores como Barkley L. Hendricks. Ao mesmo tempo, entre quatro paredes eu estava subvertendo muito disso porque me inspirava mais na Brandy. Era difícil porque eu estava tentando imaginar como sobreviver na minha comunidade, mas também tentando aprender como ser eu.

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Que músicas você ouviu enquanto trabalhava na arte de This Was His Body/His Body Finally His?
A Seat at the Table da Solange – de manhã até a noite. Faz sentido pensar na Brandy como minha modelo quando eu era garoto. Sempre fui encorajado na jornada do eu por mulheres negras e sua contribuição para a arte, música e cinema.

A Drop of Sun Under the Earth de Shikeith Cathey.

Essa tensão da infância, entre quem você era e quem supostamente deveria ser por causa do seu corpo, parece ser a questão no cerne das suas imagens.
Teve um momento quando percebi que queria usar arte para expressar minha verdade pessoal. Acho que essa exposição, This Was His Body/His Body Finally His, mostra o que descrevo como um processo metafórico de reclamar meu senso de eu, como uma maneira de emergir da confusão da infância e as imagens que encontrei que perturbaram minha imaginação. Estou usando a fotografia como uma metáfora para descrever a masculinidade negra.

Que imagens recentes no pop perpetuam ideias tóxicas sobre masculinidade?
Os comentários do comediante Lil Duval de que ele mataria uma mulher trans se ela não revelasse ser trans antes do sexo. Esse é um exemplo da maneira como muitos homens foram condicionados a mostrar uma ignorância em suas noções de masculinidade para infligir violência a mulheres. Seu comentário colocou vidas de mulheres negras e pessoas queer em perigo para sustentar essa construção de masculinidade negra, uma construção que diz que somos seres hipersexualizados e violentos.

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Como suas imagens contrariam os comentários dele?
Fantasia, misticismo e magia – essas são áreas que vejo como com potencial para perturbar as maneiras como corpos vêm sendo representados até agora. Conjurar novos mundos é parte da cultura queer e negra; sempre tivemos que criar remédios do nada. Penso na minha avó e como ela pensava que ginger ale e orações eram um remédio para dor de estômago, o que não é muito diferente de mim conjurando mundos que restauram nosso potencial como homens negros.

Falamos muito sobre aspectos tóxicos da masculinidade. Há homens que representam a beleza, poder e magia que suas imagens buscam mostrar?
Sem dúvida Michael Jackson. Ele tinha essa mística em torno dele que era muito sedutora, mas de uma natureza bizarra que o tornava quase surreal. Ele transcendeu qualquer coisa que eu tinha visto que devesse representar um homem negro. Essa transcendência estilo Michael Jackson é o que busco alcançar com meu trabalho em filme.

#Blackmendream foi sua primeira tentativa de mostrar a experiência queer em filme. Moolight representou bem essa experiência para você?
Sabe, o poder de Moonlight não é algo que posso ignorar. Foi a primeira vez que vi esses tipos de interação nas telas. Mas acho que o filme foi pensado como uma história de amadurecimento negro queer muito específica, com a qual não consegui me identificar no geral. Parecia muito datado. Não senti como se fosse a história de homens negros gays que conheço. De certas maneiras, era muito simplista. Acho que é por isso que visualizar nossas histórias através do surreal afro é importante, porque podemos ir além de retratos simples e realmente tocar nas várias maneiras que homens negros queer podem ser vistos nas telas.

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Qual fotógrafo também informa seu trabalho?
Renee Cox. Na faculdade, um dos professores mostrou Yo Mama (The Sequel) de Renee Cox e foi uma das primeiras vezes que vi um artista usar o corpo negro de uma maneira tão transformativa. Era muito controverso para meus pequenos olhos! Nunca vou esquecer o momento em que encontrei o trabalho dela. Ela nua, segurando o filho. Fiquei tipo "Uau, ela é como minha mãe".

Em muitas das suas fotos, a figura é de um corpo negro nu. Considerando a história de hipersexualização do corpo masculino negro, capturar essa nudez é uma questão de subverter esse esteriótipo?
Sim, o corpo masculino negro tem uma conotação particularmente carregada na imaginação do público e é um símbolo violento da história americana. E isso desde o começo. Em Notes on the State of Virginia, Thomas Jefferson diz que as pessoas negras não têm imaginação e que os homens negros são seres hipersexualizados e predatórios. Mesmo na arte, nas fotos nus de homens negros de Mapplethorpe, tem alguma coisa estranha sobre como os corpos são observados [por Mapplethorpe]. Há uma recusa incorporada às minhas fotos, mas também no meu uso de luz e sombra, e essas decisões sobre como mostrar o tema apontam para mim como um homem negro tomando o comando de significar a beleza e as possibilidades desses corpos.

Neuroses in Blossom de Shikeith Cathey.

Então a diferença entre um nu de Shikeith e um de Mapplethorpo é o olhar?
Sim. O olhar masculino branco na arte tem sido de subjugação, especialmente sobre corpos negros. Estou tentando reclamar nossos corpos, reclamar as maneiras como nossos corpos são retratados, reclamar a maneira como vemos uns aos outros.

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Na exposição, tem uma foto de uma escultura, um fragmento de molde de gesso de um torso masculino e pênis em tamanho natural. Isso indica uma nova direção para você.
Sim, estou entrando no segundo ano do programa de mestrado em escultura de Yale, e estou tentando passar para imagens 3D. No meio disso, tenho feito muitos moldes de coisas vivas, que é esse processo de replicar o corpo. Quando penso na escultura em exposição em Londres, isso é uma representação das maneiras como a masculinidade negra muda e essa ideia de reclamar o corpo negro para nós.

This Was His Body por Shikeith Cathey.

Nobody Knows My Name por Shikeith Cathey.

In Black In_White por Shikeith Cathey.

Jireh por Shikeith Cathey.

Those Shadows Spoke por Shikeith Cathey.

A Mak apresenta This Was His Body/His Body Finally His até 16 de setembro de 2017. Para mais informações, visite o site da galeria aqui .

Tradução: Marina Schnoor

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