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A inventora do botão 'curtir' quer que você pare de se preocupar com likes

Ex-funcionária do Facebook, Leah Pearlman explica como o joinha se tornou uma regra na internet, e acabou estragando tudo.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Austrália .

O botão de like do Facebook meio que se infiltrou nas nossas vidas. Um dia ele apareceu nos nossos feeds, e de repente todo mundo estava desesperado por likes — ou, mais precisamente, por uma medida de quão importante são nossas opiniões e pensamentos para os outros. E esse mecanismo basicamente mudou a operação da internet. Hoje, todas as plataformas sociais têm uma versão do botão de curtir e empresas, ideias e movimentos afundam ou flutuam graças aos likes que arrecadam. Produzir conteúdo na internet me torna suspeito para falar no assunto, mas sinto que a introdução do botão "curtir" afetou a internet tão dramaticamente quanto os smartfones afetaram nossa vida.

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Mas como isso aconteceu? Como uma pequena ferramenta numa rede social cala tão fundo na psicologia humana? Para descobrir, entrei em contato com Leah Pearlman, hoje quadrinista e ex-funcionária do Facebook de Denver, nos EUA, nome apontado como responsável pela criação do botão de curtir.

No começo eu queria entender as especificidades do desenvolvimento do botão, mas naturalmente começamos a falar sobre o tema mais amplo que é o desejo dos usuários de Facebook por validação. Uma coisa interessante: Leah diz que era tão viciada em likes quanto todo mundo — até começar a se preocupar.

VICE: Oi, Leah. Como você entrou no Facebook.
Leah Pearlman: Bom sempre fui uma criança de exatas. Eu adorava resolver problemas e conseguir as respostas certas. Acho que também porque eu era uma garota na matemática, então parecia legal. Estudei muita matemática e saí da Universidade Brown com um diploma de Ciência da Computação. Arranjei meu primeiro trabalho na Microsoft e trabalhei lá por dois anos, mas não conseguia achar o emprego inspirador. Eu tinha alguns amigos no Facebook e estava realmente impressionada com o produto deles. Achei que o site deles tinha um design de usuários especial e tinha alguma mágica nisso, então fiz uma entrevista. Eu tinha 23 anos, e o Facebook reunia só umas 100 pessoas de 20 e poucos anos trabalhando no mesmo escritório, pessoas superinteligentes e divertidas. Isso foi em 2006 e tudo era meio mágico. Dava para ver de cara.

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Mark Zuckerberg tinha uma mágica?
Ele não me entrevistou, mas eu diria que ele é uma das minhas pessoas favoritas do mundo. Uma das suas qualidades geniais é que, na verdade, ele não é um perfeccionista. Ele diz coisas como "Sim, vamos ofender algumas pessoas, isso não vai funcionar em algumas áreas, mas vamos fazer mesmo assim". Um dos lemas da empresa era "seja rápido, quebre coisas", e ele sempre foi assim. Eu diria que ele é um modelo e isso cresceu desde quando o conheci –— quando ele era jovem e eu era jovem.

Então como o botão de curtir surgiu? Que problema vocês estavam tentando resolver?
Eu estava tentando resolver o que chamávamos de problema de redundância. Por exemplo, se você escrevia "Vamos casar!" todos os comentários costumavam ser "Parabéns", um atrás do outro. Eu achava isso esteticamente feio, além do mais, toda vez que alguém dizia algo com mais sentimento, era difícil achar a postagem entre as outras redundantes. Então eu queria resolver esses dois problemas de uma vez.

Você lembra o momento exato da lampadinha na cabeça para o botão de like?
Não, foi uma evolução. O começo da ideia foi uma coisa chamada botão bomba, que era uma coisa similar mais ligeiramente diferente que um amigo bolou. Ele colocou isso no nosso quadro de ideias, mas por alguma razão não atraiu a atenção do pessoal. Então fiz uma versão um pouco diferente e chamei de botão incrível. E isso acabou recebendo atenção da equipe e começamos a trabalhar nisso. Foi uma cocriação.

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Foi difícil acertar o design?
Sim! Muito difícil. A questão era que diferentes símbolos seriam inapropriados em países diferentes. Outras palavras não funcionavam — "incrível" parecia muito jovem, "amei" era muito brega. Os designers ficavam frustrados e saíam do projeto, aí tínhamos que arrumar uma nova equipe. No final, fizemos um design e o Mark finalmente disse "Vai ser like com uma mão fazendo um joia, façam e vamos colocar logo no site". Então ele tomou a decisão final.

Você lembra o ponto em que isso deslanchou?
Foi um sucesso imediato. Lembro daquela sensação muito satisfatória de "Eu sabia!" As estatísticas começaram a subir rápido — todas as estatísticas que achávamos que isso afetaria, 50 comentários se tornaram 150 likes quase imediatamente. As pessoas começaram a fazer mais atualizações de status, então tinha muito mais conteúdo e a coisa simplesmente funcionou.

"De repente eu estava comprando propagandas, só para ter atenção de volta. Sinto um pouco de vergonha de admitir isso. Acho que nunca admiti antes."

Isso foi em 2009. Como você se sente sobre o botão de curtir oito anos depois do feito?
Primeiro senti que essa coisa que tínhamos construído era maravilhosa. Mas aí, uns dois anos atrás, notei que os algoritmos do feed de notícias mudaram, então certos conteúdos não recebiam tanta distribuição. E nessa época comecei a desenhar esses quadrinhos. Os quadrinhos são meu jeito de desenhar e compartilhar meu mundo interior, e eu os postava no Facebook e ganhava cada vez mais fãs, o que eu adorava. Mais quando o Facebook mudou seus algoritmos, meus likes caíram e parecia que eu não estava recebendo oxigênio suficiente. Foi tipo "Espera um minuto, coloquei meu coração e minha alma nesse desenho e só consegui 20 likes". Então mesmo podendo culpar o algoritmo, alguma coisa dentro de mim dizia "eles não gostam de mim, não sou boa o suficiente. Preciso começar a comprar propagandas!"

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Você começou a comprar propagandas?
Sim, de repente eu estava comprando propagandas, só para ter atenção de volta. Sinto um pouco de vergonha de admitir isso. Acho que nunca admiti antes.

Tudo bem, minha vida é governada por likes também. Mas o que acho interessante é que você se sentia motivada por likes, mesmo tendo criado o sistema. Você se sente responsável pelo que fez com a internet?
Acho que deveria me sentir responsável, mas não me sinto. Olho para trás e penso que foi a coisa certa a fazer naquela época e que não tinha outro jeito. Meu colega de apartamento constrói inteligências artificiais e muita gente diz para ele parar, mas ele literalmente não consegue. Alguém vai construir isso. Não tinha como não fazer, então não me sinto responsável.

Você acha que precisa de mais validação social que outras pessoas?
Sim, acho. É uma benção porque se vou conseguir validação pública — como numa palestra do TED — faço o melhor trabalho possível e isso alimenta minha integridade. Mas a maldição é que se não estou conseguindo atenção, posso surtar e sentir que não sou boa o suficiente.

Muita gente fica relutante em admitir isso. Por que você acha que isso acontece?
Bom, da minha experiência, se você nota que estou tentando atrair sua atenção, então você não vai me dar sua atenção. Isso estraga a brincadeira. Também é como admitir uma falta de autoconfiança — por favor me valide porque sou fraco — e isso vai contra a exata imagem que estamos tentando projetar.

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Por que você fica feliz em admitir que deseja validação pública?
Porque embora não me sinta responsável por criar [o botão de like], acho que tenho a responsabilidade de falar sobre validação. Como uma pessoa que precisa de validação, e como uma pessoa que foca essa necessidade em outros, tenho que falar sobre autenticidade.

Mas você concorda que mudou como a internet funciona, mesmo não se sentindo responsável?
Bom, sabe aquele episódio de Black Mirror onde todo mundo é obcecado com likes? Quando assisti fiquei com medo de me tornar aquelas pessoas, além de pensar que criei aquele ambiente para todo mundo.

Como você tenta evitar se tornar como aquelas pessoas?
Tem certas coisas que acho desconfortáveis, como alguns pensamentos ou julgamentos. E minha resposta era olhar o celular para evitar esse desconforto. Comecei a construir toda essa vida baseada em evitar desconforto em vez de só focar em coisas que me dão alegria. Agora estou tentando mudar isso. No momento estou focada em alegria e ter clareza sobre o que me traz alegria. Atividades como simplesmente olhar o oceano. Eu quero entrar na água e isso é alegria, é amor. E por outro lado, quando noto algo que parece desconfortável, presto atenção nisso. Escrevo um diário sobre isso, entrevisto essa coisa desconfortável.

Como eu disse antes, minha vida é governada por likes. Muito disso é por causa do meu trabalho como jornalista, mas muito é só minha necessidade besta de validação social. Como você recomenda parar de se importar?
Se você está realmente preocupado em quantos likes está ganhando, então você não está realmente preocupado sobre estar preocupado com quantos likes está ganhando. Você só quer muitos likes. E se esse for o caso, vai nessa. Deixe seu eu querer ser curtido. Se dê permissão total para isso. E você tem uma consciência de si mesmo aqui, note isso também. Se permita sentir isso e observe como você se sente. Não digo para você parar, porque pela minha experiência isso não funciona. Acho que a última coisa que precisamos é mais autojulgamento em qualquer coisa. Acho que foi isso que criou essa epidemia para começo de conversa. Como julgamos a nós mesmos e depois precisamos que mais alguém nos valide. Então sim, tudo bem. Você tem permissão para querer ser curtido.

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Isso é muito interessante. Você acha que tem uma resposta aqui para a internet em geral? Tem um jeito de colocar um freio nessa hiperespaço movido a validação em que vivemos?
Para mim, é como aquela frase do Einstein: "Não podemos resolver problemas usando o mesmo pensamento que tínhamos quando os criamos". E tem uma citação ainda melhor do Buckminster Fuller: "Se você quer mudar o sistema, faça outro melhor e o antigo vai desmoronar".

Então suspeito que algo mais interessante vai surgir uma hora e esse tipo de internet vai mudar, espero. A experiência de validação externa comparada com validação interna verdadeira nem se compara. Sabe, ficar realmente, profundamente satisfeita comigo mesma quando faço algo de que fico incrivelmente orgulhosa — um like no Facebook não se compara a isso.

Obrigado, Leah.

Entrevista por Julian Morgans. Siga o cara no Twitter e Instagram .

Tradução: Marina Schnoor

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