​Por Dentro do Laboratório que Modifica Mosquitos para Acabar com a Dengue
Crédito: Shutterstock

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

​Por Dentro do Laboratório que Modifica Mosquitos para Acabar com a Dengue

Uma empresa gringa trouxe pro Brasil uns mosquitos que podem acabar com a dengue. Mas será que vai funcionar?

Eu não sou um cientista, um fato que fica óbvio quando eu tento colocar um jaleco branco de uma empresa e aqueles protetores nos sapatos.

"Eu chuto que essa é a sua primeira visita a uma fábrica de mosquitos", Hyeden Parry, o tranquilo CEO da empresa de biotecnologia britânica Oxitec, comenta comigo de forma meio seca.

Na verdade, é. Mas aqui estou eu, entrando em um laboratório que está criando a primeira produção em massa de animais geneticamente modificados do mundo. O objetivo? Controlar as espécies de mosquitos que carregam uma das doenças virais que se espalha mais rapidamente pelo mundo: a dengue.

Publicidade

Aqui, em um polo industrial em Campinas, perto de São Paulo, a Oxitec está criando milhões de mosquitos Aedes Aegypti, desde o ovo até virarem adultos, à base de uma dieta de papel açucarado e sangue de ovelha.

Na sala de produção de ovos, o ciclo de vida completo do mosquito é estabelecido em uma série de provetas de plásticos. Primeiro, há um aglomerado de granulados marrons que, olhando mais perto, são milhões de ovos. Então surge uma larva pequena, em forma de girino. Depois, um casulo na forma de camarão. E por último, zanzando por uma caixa de metal fechada com fios bem apertados, para que não escapem, os adultos completos. No topo de cada caixa há um metal fino, onde os mosquitos botam seus ovos.

"Eles reagem ao CO2 na sua respiração, então se você os assopra, eles ficam muito agitados", me conta Andrew McKemey, chefe do departamento de pesquisa da Oxitec, enquanto faz uma demonstração. De repente, é um carnaval de mosquitos.

O vídeo promocional da Oxitec.

Todos os mosquitos criados aqui vêm da OX513A, uma espécie de Aedes Aegypti criada inicialmente na sede da empresa, perto de Oxford, na Inglaterra, onde a Oxitec inseriu dois genes num ovo de mosquito. Um deles contém instruções para interromper o funcionamento normal das células do inseto; o outro é um marcador fluorescente usado para monitorar o inseto no campo.

Aqui no laboratório, o gene letal é mantido em um vão por um antídoto não encontrado na natureza, um líquido amarelo chamado tetraciclina.

Publicidade

Na sala seguinte, os ovos são incubados em grandes bandejas de plástico cheias de água quente. Enquanto eles se desenvolvem, o casulo macho é peneirado do das fêmeas, um processo fácil porque o das fêmeas são 50% maiores. Os machos, tirando o desejo irritante de se reproduzirem, são inofensivos.

Na terceira e última sala, há várias prateleiras de metal cheias de tubos de plásticos, cada um preenchido com milhares de mosquitos machos. Por dentro desses recipientes há lixas para assegurar que os insetos tenham pequenas bordas para descansar quando eles não aguentarem mais voar por aí.

"Esses potes, agora drenados, estão prontos para serem soltos no campo", McKemey me diz. "Esses machos vão achar as fêmeas, como manda a evolução hámuito milhões de anos."

Uma vez soltos, os machos tentarão achar um par dentro dos poucos dias antes de o antídoto ser solto e eles morrerem. Todos os ovos fertilizados vão herdar o gene de interrupção e deixarão de se desenvolver até a fase adulta. De acordo com a Oxitec, no campo de tentativas, gerenciado pelo parceiro local, a Moscamed, no nordeste do Brasil, a população de Aedes Aegypti foi reduzida em 96% depois de seis meses com enxames de OX513A.

Para combater essa doença, no entanto, o número de machos modificados deve ser significantemente maior do que a de machos comuns para garantir que eles passem adiante o gene letal. A população modificada de machos também deve ser repetidamente superada para garantir que eles estejam competindo com moradores saudáveis. Um dos maiores desafios, admite McKemey, é convencer a população humana local de que o melhor jeito de controlar os mosquitos é soltar mais outros milhões dessas pragas por aí.

Publicidade

"Nós fazemos muito trabalho de engajamento comunitário", ele diz, acrescentando que enquanto a primeira preocupação das pessoas seja que os mosquitos estão mordendo, não é todo mundo que entende que só as fêmeas mordem. "Um dos meios mais efetivos de demonstrar é ir com uma grande gaiola de machos, colocar seu braço dentro e dizer 'olha, eles não estão mordendo'."

Um dos meios mais efetivos é ir com uma grande gaiola de machos, colocar seu braço dentro e dizer 'olha, eles não estão mordendo.'

A ebola pode estar roubando as manchetes ultimamente, mas a dengue já matou mais gente, comparativamente. Cerca de 25 mil pessoas por ano, a maioria delas crianças, morrem depois de sintomas parecidos com uma gripe, febre, vômito, até mesmo sangramento do nariz e da boca, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Cerca de 50 milhões de pessoas, no mundo todo, são afetadas pela dengue.

É a doença transmitida por mosquito em maior e mais rápido crescimento. Não existe vacina e nem cura. E o Brasil, com cerca de um milhão de casos por ano, de acordo com o Ministério da Saúde, é um dos países mais afetados.

Como os humanos provaram ser uma fonte de alimento popular para a fêmea Aedes Aegypti, a espécie tende a se reproduzir em infinitos cantos de água parada e canos de cidades urbanas tropicais. Até agora, as autoridades de saúde brasileiras têm conseguido dar um jeito na doença com inseticidas. Na teoria, um mosquito geneticamente modificado oferece uma saída muito mais elegante.

Publicidade

Nem todo mundo está convencido, no entanto. Campanhas de meio ambiente estão preocupadas com o impacto no ecossistema e acreditam que as pesquisas de modificação genética já se provaram falhas na teoria de que reduzir o número de mosquitos reduzirá a incidência da doença. Alguns também questionaram se o mosquito geneticamente modificado morrerá tão rápido quanto o planejado e argumentam que a Oxitec e a Moscamed não descobriram as consequências de acidentalmente soltar uma fêmea geneticamente modificada.

Do seu escritório no oitavo andar com vista para a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, eu conheci Maureen Santo. Coordenadora de justiça ambiental da Fundação Heinrich Boell, ela me conta que o Brasil não deveria ser cobaia de uma tecnologia tão cara e arriscada.

"Por que não, antes de criar um mosquito transgênico, desenvolver algum tipo de política pública nessa área? Tratamento de água, saneamento básico", diz Santo. "Não é fácil, mas se você só pensar nas consequências, não nas causas, vocês nunca vai resolver o problema."

Se você só pensar nas consequências, não nas causas, vocês nunca vai resolver o problema.

De volta à fábrica da Oxitec, Parry, o CEO da empresa, rebate as preocupações sobre uma possível consequência indesejada de soltar a primeira leva de mosquitos geneticamente modificados produzidos em massa.

"Se você pensar nesses mosquitos", ele diz, "nós estamos soltando machos. Eles não picam, eles não espalham a doença". Depois de dois ou três dias, Parry continua, eles estarão mortos. Soltando esses machos, então, a parceria Oxitec-Moscamed não está introduzindo nada "que permanece no ambiente". Parry diz que essa forma de segurar as rédeas de espécies específicas que espalham um vírus como o da dengue é bem menos tóxico ao ecossistema do que ficar soltando inseticida.

Publicidade

"Isso [usar inseticida] vai matar uma grande variedade da vida do inseto e a química vai ficar no meio ambiente", ele me diz. "As alternativas são mais agressivas e não tão duradouras."

A Oxitec admite que existe o risco de inadvertidamente soltar fêmeas. Mas a empresa argumenta que as chances são pequenas, que mesmo que algumas fêmeas escapem, é improvável que elas cheguem na idade adulta e qualquer doença que elas carreguem devem se vistas como parte de uma campanha de erradicação.

Mas e o medo de um inseto transferir o gene modificado para os humanos? Parry dia que não é possível "por que você herda seus genes dos seus pais e não da sua comida".

Enquanto isso, a Oxitec ainda está aguardando a liberação do Ministério da Saúde do Brasil para lançar seu mosquito. Mas a abertura de uma fábrica de mosquitos no interior de São Paulo já sugere uma confiança na aprovação.

Tradução: Letícia Naísa