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Drogas

Quanto tempo falta até podermos cultivar cogumelos mágicos medicinais?

Estudos recentes garantem que a depressão, a ansiedade aguda, as dependências, entre outros problemas, podes ser tratados com recurso a substâncias psicadélicas.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Canadá.

Estamos em 2017 e a marijuana legal está prestes a ser uma realidade no Canadá. O momento estão tão próximo que muitos devem já ter as suas primeiras sessões de fumo dentro da lei completamente planeadas. No entanto, para aqueles que estão a pensar ir acender uma nas escadas do Parlamento no exacto momento em que o documento for assinado, fica o lembrete: não serão os primeiros a fumar erva legalizada.

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A canábis medicinal, bem como o direito a cultivá-la, já é uma realidade no país, há duas décadas e começou com um epiléptico chamado Terrence Parker. Depois de ser acusado de posse algumas vezes, Parker embarcou numa luta contra o governo e, em 1997, conquistou o direito a cultivar e a consumir dentro da lei. Em 2000, um tribunal decidiu que essa excepção deveria ser aplicada a qualquer pessoa que cultivasse marijuana com fins medicinais. E, apesar de, em 2013, algumas normativas terem tentado ilegalizar o cultivo caseiro de erva, esse intuito foi negado em tribunal em 2016.


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O que (ainda) não existe no Canadá é um produtor de cogumelos mágicos medicinais legalmente sancionado. No entanto, na sequência da mais recente onda de estudos, que sugerem que determinadas substâncias psicadélicas podem ser um tratamento efectivo para a depressão, ansiedade aguda, dependências, entre outros problemas, essa realidade pode não estar assim tão longínqua. Como se pode imaginar, alguns fãs destas teorias estão já a olhar para o caminho percorrido pela canábis medicinal no Canadá, de forma a aplicarem os mesmos argumentos aos cogumelos. Irá demorar mais 20 anos até poderes cultivar os teus próprios, ou o precedente legal está já definido?

Spencer Allison, de 23 anos, está, precisamente, a todo o gás nesta jornada. Já leu muitos dos resultados das novas investigações sobre os tratamentos à base de psicadélicos, bem como algumas decisões legais a respeito e, em seu entender, é só uma questão de tempo até conseguir plantar os seus próprios cogumelos medicinais. Allison tem andado a "chatear" um monte de burocratas do departamento de Saúde do governo canadiano para a elaboração de uma nova "secção 56" que permita a excepção, tal como a concedida a Parker em 1997. Até agora, todavia, a coisa não tem corrido bem.

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"A erva e os cogumelos são drogas completamente diferentes e, provavelmente, a sua legalização vai, também, ser completamente diferente".

Allison conta que se deparou com o caso de Parker na Wikipedia e, depois, obteve um resumo dos argumentos apresentados, através do site do Tribunal de Recurso de Ontario. "Fiz uma cópia e comecei a alterar todas as menções a epilepsia para depressão e descobri que, tudo o que se aplica à marijuana, também funciona com LSD e outros psicadélicos", salienta.

A seu ver, o mesmo tipo de argumentação irá, eventualmente, forçar o governo a autorizá-lo a cultivar em casa. "E acrescenta: "Acho que, mais ou menos, será apenas uma questão de quando". Tendo em conta toda esta excitação (e cautela) no que respeita às possibilidades medicinais destas substâncias, decidi contactar alguns peritos legais e científicos, para tentar descobrir se o optimismo de Allison se aguenta ao escrutínio.

Quando falei com Mark Haden, responsável da Associação Multidisciplinar para os Estudos Psicadélicos (MAPS, na sigla original em inglês), o alerta foi claro: a erva e os cogumelos são drogas completamente diferentes e, provavelmente, a sua legalização vai, também, ser completamente diferente. Recentemente, Haden publicou um artigo em que explica de que forma, em seu entender, as substâncias psicadélicas devem ser regulamentadas no Canadá, o que inclui uma nova agência governamental para o licenciamento de "trip sitters".

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"O caminho para a legalização da canábis é totalmente diferente. Tem sido um caminho essencialmente político", diz o especialista à VICE. Ainda de acordo com Haden, como os psicadélicos não têm a mesma popularidade generalizada da erva, nunca veremos questões relacionadas com cogumelos num boletim de voto nos Estados Unidos, ou um debate sobre o direito às micro-doses a fazer parte da agenda política nas próximas eleições no Canadá.

Mas isto não quer dizer que a realidade dos cogumelos legais esteja assim tão distante, assinala Haden. Devido ao facto de as "trips" medicinais serem uma coisa tão de nicho, o responsável admite que, o mais provável, é que sejam abordadas como qualquer outro novo tipo de tratamento em busca de aprovação governamental. "Basicamente, é o que se chama de descoberta de novas drogas e, qualquer companhia farmacêutica que alguma vez tenha produzido um medicamento, passou pelo mesmo processo que nós estamos a passar", sublinha.

Neste momento, a MAPS está na terceira fase de testes clínicos de um tratamento psicoterapêutico baseado na utilização de MDMA, dirigido a vítimas de trauma. Um tratamento que Haden acredita poder ser receitado a partir de 2021. um segundo estudo sobre os efeitos dos cogumelos psicadélicos no tratamento de depressões está quase no mesmo ponto, com os testes clínicos a avançarem resultados bastante prometedores. Haden acrescenta: " Acredito que, quando terminarmos a terceira fase do estudo, submetemos os dados ao departamento de Saúde, eles analisam-nos e dirão 'aprovamos'".

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Se tudo correr bem, Haden espera que possam existir tipos diferentes de certificação para o cultivo doméstico. Os pacientes que consigam aprovação por parte do seu médico terão, provavelmente, de fazer um curso de fim-de-semana, por exemplo, de forma a que tenham conhecimento das regras de segurança, dosagens e tudo o resto envolvido. Todavia, antes de aí chegarmos - quatro ou cinco anos, a seu ver - Haden antecipa que venha a haver alguma resistência. Para já, porque um tratamento para a depressão com psicadélicos atingiria directamente as empresas no mercado dos anti-depressivos. E o que essas farmacêuticas fariam para proteger os seus lucros face a uma situação destas, está ainda por se saber.

"O facto de os cogumelos mágicos crescerem na natureza, é uma semelhança interessante com o caso da erva".

Tal como aconteceu com a erva, um desafio em tribunal poderia forçar uma decisão sobre o tema. John Conroy, que fez parte da equipa legal que ajudou a eliminar os regulamentos canadianos que proibiam o cultivo de marijuana para fins medicinais, vê alguns paralelismos com a actual situação dos psicadélicos.

De acordo com Conroy, o facto de os cogumelos mágicos crescerem na natureza, é uma semelhança interessante com o caso da erva. O especialista recorda uma controvérsia antiga, quando se discutia o que deveriam os agricultores fazer quando encontrassem cogumelos nos seus terrenos: "Lembro-me de ir a uma reunião, há muitos anos, e de ouvir as pessoas perguntarem: 'Então o que é que devemos fazer se começarem a crescer nnas minhas terras? Tenho de os destruir?'".

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No entanto, apesar das semelhanças com erva a nível legal, Conroy diz que não tem visto muito interesse em que um desafio do género siga adiante. "Pelo que eu sei até agora, seria em tudo semelhante ao processo que foi desenvolvido com a marijuana. Quem quisesse cultivar em casa, teria de encontrar um médico para o apoiar", diz o especialista legal, acrescentando que, dessa forma, se contornariam as acusações criminais.

Questionado sobre os principais obstáculos, Conroy salienta que convencer os médicos a receitar este tipo de tratamento poderá muito bem ser o mais complicado. E justifica: "Muitos deles, simplesmente, não estão nessa onda da 'medicina natural' e as escolas médicas, sabemos, não são propriamente fãs das novas políticas relativas à marijuana".

No entanto, com a erva a abrir caminho já este ano, tanto Haden como Conroy concordam que os cogumelos podem aproveitar o momento e acelerar para o caminho do cultivo doméstico. Estabelecendo uma comparação com outras mudanças na área dos direitos civis, Haden antevê um longo processo de debate e protestos, que, eventualmente, culminarão com várias e rápidas alterações, no que diz respeito à legislação sobre drogas. "Quando o balão rebenta, tendencialmente rebenta muito repentinamente. A canábis foi a primeira fuga de ar do balão", considera o responsável.


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