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análise

'Girls' foi uma ótima série sobre fracasso

Lena Dunham acertou ao falar sobre falhar na carreira, no amor e na amizade.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Fracasso é o pão com manteiga de Girls. Outras séries sobre mulheres e amizade — Broad City, Sex an the City e até Orange Is the New Black — tendem mais para o otimismo, mesmo quando o tema é doloroso. Mas Girls sempre manteve uma visão de mundo sobre o tema um tanto sombria. Há várias produções "pesadas" da HBO, mas nada chega perto da criação de Lena Dunham. The Leftovers é apocalíptico; Game of Thrones é uma fantasia. Girls, por outro lado, é um seriado horrivelmente mundano, nada escapista ou de outro mundo (mesmo que frequentemente beire o absurdo), e nem ligeiramente inspiradora. A série sugere que amizades e ideais morrem com frequência, especialmente quando você é jovem e ainda está fazendo a transição para sua vida adulta propriamente dita.

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Millennials são famosos por penar onde seus pais tiveram sucesso. Eles ganham menos que os baby boomers, apesar de terem estudado mais. Eles têm menos chances de comprar uma casa e mais chance de terem uma gigantesca dívida estudantil. Na ideia original de Dunham para a HBO, ela escreveu: "O ponto entre a adolescência e a vida adulta é um meio termo desconfortável, quando as mulheres são ejetadas da faculdade num mundo sem glamour ou estrutura". Dunham sentia que Sex and the City falava sobre a feminilidade madura, e Gossip Girl acertou no retrato das amargas rivalidades adolescentes, mas o estágio estranho no meio disso ainda não tinha sido vendido. Girls apresentava personagens de 20 e poucos anos com empregos ruins, apesar de terem diplomas, raramente encontrando parceiros românticos adequados, e que provavelmente não conseguiriam comprar uma casa própria antes dos 60 anos.

"Girls sugere que amizades e ideais morrem com frequência, especialmente quando você é jovem e ainda está fazendo a transição para sua vida adulta propriamente dita."

As moças de Girls nunca se esforçaram para ser "gostáveis", o que forma a base de seu charme. Carrie Bradshaw e suas amigas eram incômodas, materialistas e hipócritas em certos momentos, mas também eram mulheres legais que amavam uma a outra. Elas tinham sexo bom e satisfatório, largando namorados que não atendiam as expectativas.

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As garotas de Girls, por outro lado, nunca fizeram nada que gostaríamos que elas fizessem. Elas ficaram com caras escrotos por anos, sofriam com transas decepcionantes e foram gostando cada vez menos uma da outra. Muitos espectadores se exasperavam ao assistir a vida zoada delas.

E não era uma vida zoada foda, como a vida de Abbie e Ilana em Broad City, passando por trabalhos sem futuro com bom humor porque têm uma a outra. Abbi e Ilana são estáticas e previsíveis enquanto as personagens de Girls são mais realisticamente erráticas. Abbi e Ilana nunca saem tecnicamente da lama, mas tudo sempre dá certo para elas — ao contrário, quando as garotas de Girls vacilam, o resultado é devastador. Seus erros são deprimentes, como trair alguém que as ama ou perceber que não têm o talento para perseguir seus sonhos a longo prazo. Hannah Horvarth e sua tropa têm mais a ver com Larry David ou Louis CK — neuróticas, narcisistas, desajeitadas socialmente e com um mantra pessoal de "Eu devia ter feito melhor".

ALERTA DE SPOILER NOS PARÁGRAFOS ABAIXO

Girls coloca em evidência as derrotas profissionais de suas heroínas. Marnie surge como curadora de uma galeria de arte, mas não consegue continuar empregada na área. Ela fica num limbo até começar uma dupla musical sem sal com Desi. Jessa trabalha numa loja de roupas infantis e brinca de assistente pessoal de Beedie, até quase a ajudar numa tentativa de suicídio. Finalmente, Jessa parece ter entrado nos trilhos, anunciando planos de se tornar terapeuta — mas confessa no penúltimo episódio da série que largou as aulas de psicologia. "Parece que eu não estava tão preparada para ajudar pessoas quanto eu achava", admite para Hannah. Shoshanna foi estudante por várias temporadas, depois passou por várias entrevistas pós-formatura se sentindo inútil, até conseguir um trabalho no Japão e seu cargo acabar cortado. Sosh faz o rebranding do café do Ray no final da quinta temporada, mas agora parece não ter mais aspirações. E Hannah, claro, fracassa muitas vezes como escritora: seu e-book nunca foi publicado, ela odiava trabalhar na GQ, e deixa o Iowa Writer's Workshop em desgraça. Ela gostava de ensinar, mas não se encaixava como professora do ensino médio, para dizer o mínimo. (Antes de se demitir, ela ainda mostrou a vagina para o diretor da escola.)

"Millennials são famosos por penar onde seus pais tiveram sucesso. Eles ganham menos que os baby boomers, apesar de terem estudado mais. Eles têm menos chances de comprar uma casa e mais chance de terem uma gigantesca dívida estudantil."

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Apesar da primeira temporada ter começado com amizades intactas ou florescendo, com os anos as conexões murcharam para algo como "conhecidas que têm uma história em comum". Desde a desgraçada viagem para Long Island na terceira temporada, o desprezo mútuo do quarteto é aparente. Marnie e Hannah eram melhores amigas na faculdade e colegas de quarto no começo da série, mas agora não têm nada em comum. Jessa e Hannah eram como irmãs, mas Jessa está saindo com Adam, então esse laço foi cortado. Shoshanna nunca teve uma ligação profunda com nenhuma delas (apesar de ainda andar com o Elijah — e quem não andaria?).

E elas não vão muito melhor na área do amor. Marnie nunca conseguiu realmente se conectar com Charlie, Ray ou Desi, e sempre traía ou ajudava alguém a trair. Jessa trai seu código ético pessoal ficando com o ex da amiga. Hannah desfruta mais da companhia de Elijah do que de qualquer dos seus parceiros heterossexuais.

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Nos episódios finais de Girls, Dunham se recusa a reparar feridas irremediáveis. Ela está escrevendo uma história sobre melancolia millennial com detalhes sórdidos: amizades acabam. Carreiras não decolam. Diferente do último episódio de Sex and the City, no qual as mulheres prometem se manter próximas, o quarteto central de Girls está se separando. Shoshanna vai casar com um homem que conheceu numa maquinha que vende cupcake e escolheu suas novas amizades baseada em "bolsas e personalidades agradáveis". Jessa olha no espelho e não gosta do que vê. Hannah assiste às suas duas melhores amigas recém-saídas da faculdade comprando velas numa loja, mudando-se para Nova York como nada além de um vínculo, e fica sentimental, vendo uma nova geração de garotas que acredita que amizades duram para sempre. Hannah sabe que não é bem assim. Marnie é um soldado solitário, esperando continuar próxima de Hannah enquanto preenche o vazio de sua própria vida. E Marnie decide se mudar para o interior para ajudar com o bebê de Hannah, já que sua carreira musical está afundando — mas aí, no final, Marnie percebe que precisa achar seu próprio caminho, e mais uma vez é deixada numa encruzilhada ambígua.

Hannah abandonou seus ideais nesta temporada. Até agora, ela queria ser interessante, estranha, respeitada e publicada — mas mãe? A velha Hannah daria de ombros. Enquanto Carrie Bradshaw volta de Paris para Nova York para fechar Sex and the City, Hannah vai embora de Nova York ouvindo "Crowded Places". Ela se rebela contra sua sensibilidade urbana, seu esnobismo com pessoas que não vivem uma vida artística difícil. E se reconcilia com um caminho rural calmo que nunca esperou. Ela diz que a cidade nunca a fez feliz, é muito difícil sobreviver, seu bebê precisa de espaço. Tudo muito sensato.

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Hannah também vai fracassar como mãe? Essa é a parte boa sobre a maternidade: Ninguém faz isso exatamente direito. Não há como voltar atrás e arranjar uma oportunidade de se demitir. Pular de um emprego para o outro e contar moedas entre os salários é difícil, mas se você está sozinho às vezes parece romântico ou, pelo menos, uma boa experiência de aprendizado. Mas estar desempregada, sem amizades, sem esperanças e com um filho dependendo de você é um pesadelo. Com a maternidade, responsabilidades mudam e se ampliam. O episódio final pareceu cautelosamente otimista sobre as habilidades de Hannah: ela sofre para conseguir amamentar o bebê, e um minitriunfo acontece na conclusão do episódio, quando o bebê finalmente pega o peito dela. O pequeno Grover não "odeia" Hannah, como ela achou durante as semanas frustrantes em que não conseguia amamentar. Ele confia nela.

Ela pode finalmente estar bem equipada para a vida adulta que evitava, aquela que ela viu de passagem no episódio "One Man's Trash" da segunda temporada. Não importa o que aconteça, essas personagens continuam tentando, e experimentando migalhas de vitória. Hannah escreve, Marnie canta (mesmo que só no carro ouvindo Tracy Chapman), Adam e Jessa continuam sóbrios.

O fracasso é importante porque destrói nossas noções infantis do que a vida deve ser. Isso machuca, claro, mas também nos leva a outras coisas — não necessariamente maiores e melhores —, mas ainda assim outras coisas. Girls celebra esse outro desconhecido. Baby Boomers podem revirar os olhos e querer que os millennials cresçam mais rápido, mas Girls normalizou essas inclinações regressivas e covardes. Vamos crescer quando estivermos prontos.

Tradução: Marina Schnoor

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