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Entretenimento

'Ela Volta na Quinta': quando um cineasta coloca seus sais em frente à câmera

O diretor mineiro André Novais Oliveira usou dois protagonistas estreantes num longa-metragem de ficção: seus pais.

Na periferia de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte (Minas Gerais), um casal de idosos divide a vida em uma casa simples, com quintal e cachorro. De noite, enquanto ele assiste a Jô Soares na televisão da sala, ela se esforça para se lembrar de uma música específica do Roberto Carlos em frente ao computador. Minutos depois, "Olha" preenche o ambiente e os dois dançam coladinhos. A direção e o roteiro de Ela Volta na Quinta – cuja previsão de estreia nos cinemas é em outubro – levam a assinatura de André Novais Oliveira. O inusitado fica a cargo dos protagonistas estreantes, Norberto e Maria José, pais do cineasta.

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"O amor acontece toda hora, né?", pergunta um dos personagens no começo do filme. Acontece. E acaba na mesma proporção. Há anos juntos, o casal enfrenta uma fase difícil e cogita a separação – embora a palavra não seja dita em momento algum. Maria decide ir a uma excursão religiosa em Aparecida do Norte para refletir sobre sua vida e o casamento, enquanto Norberto, que trabalha em uma assistência de geladeiras, permanece em Contagem.

O filme surgiu quando André resolveu fazer um curta ­– que nunca ficou pronto ­– e usar seus pais e o irmão como atores. "Nessa filmagem, descobri que eles ficavam muito à vontade em frente à câmera", conta por telefone. A película, contemplada com uma verba de R$ 87 mil, foi rodada em 2013 e teve como set principal a casa que pertence à família. Todos os personagens levam seus nomes reais. Embora exista uma forte nuance documental nas cenas e nos diálogos, sempre soltos e corriqueiros, Ela Volta na Quinta é uma ficção, como afirma o diretor, que teve como referência O Matador de Ovelhas (1977), de Charles Burnett.

A falta de experiência dos atores não foi empecilho, mas a cena da dança ao som de Roberto Carlos teve de ser repetida inúmeras vezes por causa da coreografia. "Tive a preocupação de o set ser tranquilo, de a equipe ser reduzida. Minha mãe e meu pai trataram todo mundo feito filho."

Ela Volta na Quinta, filme de André Novais Oliveira. Foto: divulgação

Esse, talvez, seja o filme mais família que o cinema brasileiro já produziu. O próprio diretor também atua, assim como sua namorada, Élida Silpe, e o irmão, Renato Novaes – ambos premiados como melhores atores coadjuvantes no Festival de Brasília de 2014.

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Os planos longos e as conversas fiadas conduzem o longa, que aborda com delicadeza o esfacelamento matrimonial de um casal que divide tudo, da laranja descascada após o jantar até as tarefas da casa. A incerteza do que virá junto com a separação aflige também os filhos, que aparecem ao lado das namoradas confabulando sobre a vida dos progenitores e fazendo planos de casar e ter bebês.

Numa das conversas entre mãe e filho, André (agora personagem e não diretor) comenta que, ao final de um festival de cinema, fugiu da feijoada de confraternização proposta pelos presentes e foi comer um cachorro-quente perto do hotel, porque só tinha R$ 15 no bolso. Maria José, deitada na cama enquanto o filho mede sua pressão, se emociona e diz admirar a obstinação do rapaz frente às adversidades da vida de quem não tem "trabalho fixo".

'Ela Volta na Quinta', filme de André Novais Oliveira. Crédito: divulgação

O grande trunfo de Ela Volta na Quinta é traçar um novo cenário para o cinema brasileiro – no qual negros criam, dirigem e protagonizam obras que sensibilizam público e crítica. Nessa mesma onda, está Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós, amigo e inspiração para André. "São poucos filmes brasileiros que têm negros como personagem principal", destaca o diretor, que se propôs a desmistificar perfis sempre atrelados à violência urbana e trazer uma aura mais densa e emotiva para o roteiro. "Se mais filmes assim têm surgido, eu acho bom."

Até então, Ela Volta na Quinta foi exibido somente em festivais. "Se tudo der certo, teremos distribuição comercial nos cinemas em outubro", informa André, que já tem planos para o ano que vem: rodar um novo longa pela produtora na qual é sócio, a Filmes de Plástico.

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