Fotografando a Experiência Negra Britânica

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Fotografando a Experiência Negra Britânica

O Victoria and Albert Museum, em parceria com o Black Cultural Archives, lançou um projeto para conscientizar sobre a contribuição dos negros à cultura britânica e celebrar a arte da fotografia.

'Okhai Ojeikere, 'HD-55774 (Beri Beri)', da série Hairstyles, Nigéria, 1974. © The Estate of J.D. 'Okhai Ojeikere / Victoria and Albert Museum, Londres.

Como sabe qualquer um que já achou uma pasta de fotos velhas em cima do guarda-roupa dos seus pais divorciados, fotografias podem ser objetos de beleza, portais para momentos perdidos. Um momento que, sem essa imagem, seria totalmente apagado da história.

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O V&A (Victoria and Albert Museum) foi o primeiro museu do Reino Unido a colecionar fotos. Isso foi em 1852, meros 13 anos depois da introdução dos daguerreótipos e do "nascimento" aceito da fotografia. E, mesmo assim, alguns anos atrás eles perceberam que havia um buraco em sua coleção: pessoas negras.

Tanto como temas das fotos como fotógrafos, os britânicos negros estavam sub-representados na coleção. Então, em parceria com o Black Cultural Archives, o V&A lançou o Staying Power: Photographs of Black British Experience 1950s-1990s, um projeto para preencher essa lacuna, conscientizar sobre a contribuição dos negros à cultura britânica e celebrar a arte da fotografia. O resultado são duas novas exposições abertas simultaneamente no V&A e no BCA.

Conversamos com a curadora de fotografias do V&A, Marta Weiss, sobre o projeto, além de música, fotografia de estúdio e ternos Eton.

VICE: Não é sempre que uma grande organização cultural como o V&A admite uma falha como essa. Você acha que estão conseguindo nivelar isso?
Marta Weiss: No final do projeto, nós coletamos 118 fotografias de 17 fotógrafos diferentes. Já tínhamos imagens de fotógrafos negros contemporâneos importantes, como Ingrid Pollard e Charlie Gregory, na coleção, mas agora sentimos que realmente fomos além.

J. D. 'Okhai Ojeikere, 'Untitled, HG 423-04', da série Headties, Nigéria, 2004. © The Estate of J.D. 'Okhai Ojeikere / Victoria and Albert Museum, Londres.

Quando falamos em experiência negra britânica, estamos falando sobre uma experiência londrina?
Tenho de admitir que a exposição é pesadamente voltada para Londres e que isso é uma preocupação nossa. Mas temos fotos de Pogus Ceasar das revoltas de Handsworth e da vida em Birmingham, dos Specials tocando no Coventry… as fotos de Ingrid Pollard lidam com a figura negra na paisagem rural britânica. E também temos algumas fotos africanas.

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De modo muito significativo, a Inglaterra, particularmente Londres, tem sido um ponto de encontro para comunidades de imigrantes. Então, a experiência negra britânica é, na realidade, multicultural. Como isso se reflete na coleção?
Isso não é só sobre pessoas negras isoladas – é sobre pessoas negras na Inglaterra. No autorretrato de Armet Francis de 1964, você pode ver uma mulher branca sentada na cama no fundo. Isso mostra o fotógrafo negro em ação, mas também num contexto de uma comunidade mais ampla.

Armet Francis, 'Self-Portrait in Mirror', Londres, 1964. © Armet Francis / Victoria and Albert Museum, Londres.

Essa troca cultural geralmente acontece através da música, acho, como a evolução do ska jamaicano para o two-tone britânico.
A música está presente na exposição. Por exemplo, temos artistas mulheres do hip-hop e B-boys em Brixton nos anos 90 por Normski. Temos pessoas vestidas para ir ao The Cue Club no começo dos anos 60, por Charlie Phillips, e temos uma foto de um sound system, por Dennis Morris. São retratos da cultura negra britânica, mas também de como isso influenciou a cena musical britânica.

Neil Kenlock, 'Untitled [Young woman seated on the floor at home in front of her television set]', Londres, 1972. © Neil Kenlock / Victoria and Albert Museum, Londres.

Como vocês criaram a narrativa da exposição? Ela não é cronológica.
Não é uma narrativa cronológica. Os temas mais amplos são representação e identidade, e como eles se cruzam com moda: roupas, cabelo, maquiagem, decoração, tecidos e móveis.

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Outro minitema é o retrato de estúdio e o retrato de identidade. Temos alguns retratos de estúdio de Gana feitos por James Barnor, tirados nos anos 50, mas também há muitas fotos que pegam a tradição de estúdio e mudam isso um pouco. Por exemplo, Neil Kenlock, nos anos 70, fotografando famílias caribenhas em suas casas em Londres. São imagens muito parecidas com fotos de estúdio, mas, em vez de usar um fundo pintado num estúdio, essas pessoas posam em frente às cortinas de suas casas, rodeadas por suas posses, para mostrar como estavam indo bem nesse país como imigrantes.

Al Vandenberg fazia retratos de rua, mas tinha uma afinidade real com seus modelos. Ele geralmente os posicionava em frente a fachadas de lojas com o mesmo propósito de um cenário de estúdio. Há uma certa formalidade nas imagens dele que vem da tradição de estúdio, mesmo tendo sido tiradas nas ruas.

Fotos de estúdio frequentemente são tiradas para serem mandadas para casa, para mostrar sua assimilação a uma nova cultura ou o sucesso num novo país.
Sim. O estúdio é onde você pode atuar em suas fantasias – isso pode significar usar suas melhores roupas e fazer maquiagem. Ou, no caso de Seydou Keita em Mali, isso significava posar com uma máquina de costura ou uma mobilete como símbolos de status.

Normski, 'African Homeboy'—Brixton, Londres, 1987.© Normski / Victoria and Albert Museum, Londres.

Como a identidade é mostrada nas fotos? Isso é sobre criar uma identidade ou simplesmente capturar sua identidade através da fotografia?
Maxine Walker tirava identidade das imagens as compondo como numa cabine de fotos. Ela usa roupas, maquiagem e perucas para se transformar em versões diferentes dela mesma, mas também usava a fotografia em si. Olhando uma foto na qual ela está usando uma peruca loira e um tom de pele muito claro, você percebe que o fundo é muito mais iluminado do que outra imagem em que ela aparece de pele escura. As fotos foram fotografadas de modos diferentes e impressas de forma diferente.

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Vocês combinaram as fotografias com histórias orais. Por que essas histórias são importantes?
Bom, no caso de Dennis Morris, por exemplo, ele fala sobre sua fotografia de uma igreja anglicana em Hackney: todos os garotos estão usando o que ele chama de "ternos Eton". Eles são muito formais e muito ingleses. Esse, na verdade, era o coro de que ele fazia parte quando era criança. Foi através da igreja que ele se juntou ao clube de fotografia e foi assim que ele começou a fotografar.

Al Vandenberg, 'High Street Kensington', da série On a Good Day. ©The Estate of Al Vandenberg / Victoria and Albert Museum, Londres.

Há certos momentos políticos e culturais que vocês sentiram que deveriam ser incluídos numa exposição de cultura negra britânica dos anos 50 aos 90?
Temos fotos de uma loja de discos em Brixton que sofreu um atentado à bomba da Frente Nacional, fotos de protestos em frente a tribunais em vários casos, fotos de pichações racistas ou anúncios de habitação. Mas não pensamos nas fotos como uma janela para o mundo. A foto não pode ser apenas sobre o assunto, tem de ser uma imagem incrível também.

Enquadrando a exposição dos anos 50 aos 90, vocês abrangem uma guinada na cultura jovem: da geração Windrush até os últimos dias da tecnologia analógica.
Sim, suponho que todas essas fotos tenham sido tiradas com câmeras de filme, não celulares. Você pode dizer que a coisa toda vai do Windrush ao digital.

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Tradução: Marina Schnoor