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Imigrantes Estão Virando Escravos no Cultivo de Maconha na Inglaterra e Irlanda

Relatórios da mídia e de ONGs documentam tráfico humano dentro da indústria da maconha no Reino Unido.

(Foto via Flickr eggrole.)

No começo de 2012, uma mulher abordou uma idosa vietnamita e ofereceu a ela um emprego estável na Europa como babá. A senhora aceitou, feliz com a possibilidade de ganhar dinheiro suficiente para pagar suas dívidas e sustentar a família.

Mas ela tinha sido enganada. Em vez de tomar conta de crianças, ela alega ter sido mantida como escrava numa operação de cultivo de maconha nos subúrbios de Dublin. De acordo com sua advogada, Aine Flynn, a senhora passava fome, teve seus documentos confiscados e era ameaçada com violência pelos homens no comando caso desobedecesse. Ela foi presa em novembro de 2012, durante uma batida da polícia e aguarda sua sentença na prisão desde então.

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A senhora vietnamita – cujo nome será mantido em sigilo, já que Flynn solicitou que a Suprema Corte da Irlanda garanta anonimato a ela como vítima de tráfico humano – é apenas uma das centenas de vítimas, na maioria do Vietnã e China, forçadas a trabalhar como “jardineiras” em operações de cultivo de maconha em toda a Europa, segundo grupos de defesa dos direitos humanos.

E pior, segundo esses grupos, os jardineiros são com frequência acusados e condenados pelos crimes que foram forçados a cometer.

“Eles são coagidos e manipulados desde o início. Eles são enganados. Eles não sabem que estão vindo para cá trabalhar nessas plantações ilegais”, me disse Flynn.

A informação disponível na internet sobre esse problema é limitada, mas relatórios da mídia e de ONGs (aqui, aqui, aqui e aqui) documentam tráfico humano dentro da indústria da maconha no Reino Unido. A avaliação mais recente da Agência de Crime Organizado do Reino Unido diz que o número de pessoas traficadas para o cultivo de maconha “aumentou em 130% de 2011 a 2012 […], 56 (81%) eram crianças”. Pouco se sabia sobre o problema fora do Reino Unido até março, quando um relatório intitulado “Tráfico para Trabalho Forçado na Produção de Cannabis: O Caso da Irlanda” foi publicado pelo Migrant Rights Centre (MRCI). O relatório, que é parte de um projeto em andamento da Anti-Slavery International, visa fornecer pesquisas sobre o tráfico humano na Europa e mostra que trabalho forçado em complexos de cultivo de maconha acontece atualmente por toda União Europeia.

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Grainne O'Toole, a coordenadora do projeto da MRCI, disse que a polícia vem “encontrando pessoas trancadas em casas de cultivo de maconha em péssimas condições, desnutridas, sem receber nenhuma remuneração pelo trabalho que fazem e vivendo sob ameaças constantes”. Ela disse que mesmo com a polícia treinada para casos de tráfico humano, os oficiais ainda não identificam essas pessoas como vítimas.

Meng Feng Chen, de nacionalidade chinesa, recebeu em janeiro uma sentença de cinco anos depois de ser mantido sob “escravidão virtual” numa casa de cultivo de maconha em County Cork, Irlanda (foto via).

Isso inclui um vietnamita – chamado de “senhor B” nos relatórios, para proteger sua identidade – que disse ter acreditado na promessa de um trabalho dentro da lei na Europa, mas que acabou forçado a cultivar pés de maconha num celeiro. B disse que recebia comida apenas uma vez por semana. Quando a polícia invadiu o celeiro, ele contou que estava sendo mantido como escravo e sendo ameaçado. Ele foi acusado de posse e agora pode pegar até dez anos de cadeia.

De acordo com outro relatório da Anti-Slavery International, jardineiros que trabalham nessas casas de cultivo encaram outros riscos além de serem jogados numa cela. Como é possível imaginar, os responsáveis por essas casas não costumam seguir as regulamentações de condições seguras de trabalho. Os jardineiros, segundo o relatório, são com frequência expostos a vapores nocivos, calor e luz constantes e correm o risco de serem eletrocutados ou queimados devido à fiação precária encontrada em lugares assim.

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Atualmente, a MCRI cuida de 21 casos nos tribunais irlandeses que podem ser possíveis exemplos de tráfico humano, e não crimes relacionados às drogas, disse O'Toole.

Conversei com Klara Skrivankova, coordenadora de Anti-Slavery International, que disse que a tendência de usar trabalho escravo no cultivo de maconha na Europa é “um problema significativo” que requer mais investigações, e acrescenta que o relatório do MRCI é um bom começo.

Ela também mencionou que, apesar de os vietnamitas representarem um grupo significante das vítimas de tráfico em países como Reino Unido e Irlanda, isso não é tido como um grande problema para o governo vietnamita. “Eles têm problemas muito maiores com o tráfico de vietnamitas dentro da região – para China, Camboja e outros países vizinhos”, disse ela.

Skrivankova alerta que a polícia e os tribunais, na Europa, responsáveis por julgar os jardineiros de baixo nível não consideram que eles podem estar ali contra sua vontade. Ela disse que os governos precisam de protocolos para identificar as vítimas traficadas para atividades ilícitas, e assim levar os traficantes à justiça.

“Os países estão perpetuando o crime. Se uma vítima é presa, é muito fácil para o traficante substituir essa vítima por outra”, ela disse.

Um porta-voz da polícia nacional da Irlanda me enviou um e-mail se recusando a comentar a questão, já que isso poderia prejudicar casos em julgamento.

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Oficiais da Europol e Interpol me disseram que notaram a tendência de vietnamitas sem documentos trabalhando em casas de cultivo de maconha, ligadas a gangues vietnamitas na Europa, mas que é difícil para quem aplica a lei diferenciar entre vítimas de tráfico e aqueles que trabalham ali por escolha própria.

Soren Pedersen, porta-voz da Europol, disse: “Alguns deles são imigrantes ilegais, e essa pode ser uma maneira de eles pagarem os custos ligados à viagem ilegal para o Reino Unido. Então, não se trata necessariamente de tráfico humano – mas sim, de imigração ilegal.”

Jesper Lund, oficial da Unidade de Tráfico Humano e Exploração Infantil da Interpol, disse que quando vietnamitas são encontrados durante essas batidas em operações de cultivo de maconha, eles são tipicamente presos e acusados de crimes relacionados ao porte de drogas. Ele disse que mesmo que alguns possam ter sido traficados, outros podem se dizer vítimas para evitar as acusações. Mas ele diz que a abordagem está mudando de forma gradual.

“Temos vários outros países da Europa nos quais os trabalhadores são identificados como vítimas de tráfico”, ele disse. Ele também disse que ouviu falar de uma batida recente da polícia dinamarquesa numa casa de cultivo, e que eles identificaram “vítimas de tráfico de seres humanos”.

“A tendência está indo na direção do reconhecimento de que o crime organizado vietnamita usa vítimas de tráfico”, explicou Lund. “Acredito que vamos passar a agir assim.”