O uso da corrida como punição vai muito mal das pernas

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O uso da corrida como punição vai muito mal das pernas

Você acha correr um saco? Bem, a razão pode estar na sua infância. Nada a ver com Freud, e sim com seus professores de educação física.

Foto: Joe Mabel/ Wikimedia Commons

Na infância, Nate O'Reilly amava jogar futebol, basquete e beisebol. Corrida, nem pensar. A lembrança de seus professores de educação física o punindo com passadas ao redor da quadra tirava qualquer chance dele associar o atletismo a algo prazeroso.

Apesar dos castigos, O'Reilly se apaixonou pela corrida depois do período escolar. Ele começou a participar de corridas de curta distância com alguns parentes e, depois de um tempo, se tornou maratonista. Hoje, como professor de educação física na Escola P.S. 452, localizada no Upper West Side, em Manhattan, nos Estados Unidos, o homem de 37 anos está determinado a não transferir seu trauma de corridas para os alunos. "Para nós, professores, é muito fácil punir alunos com corridas forçadas. É um castigo nada original", disse. "Infelizmente, isso cria um estigma ao redor do atletismo." Essa má fama é algo que a nova geração de treinadores, técnicos e professores estão tentando reverter. Muitos professores buscam transformar o atletismo em uma experiência mais agradável — e não o equivalente atlético de uma palmatória. É difícil precisar quando, nos últimos 150 anos de evolução da educação física, correr se tornou uma punição comum entre treinadores e professores. Mas é fácil dizer o quão ineficaz é o castigo. Pesquisas indicam que a punição não altera maus comportamentos e pode, ainda por cima, desencorajar a atividade física em geral.

Nos casos mais extremos, a corrida punitiva pode levar atletas jovens à exaustão, afetando suas performances em competições. A prática pode ser considerada como um castigo corporal, o que faz dela ilegal em alguns estados dos Estados Unidos. Além disso, o número crescente de críticas ao seu uso está deixando as escolas mais cautelosas. Em 2012, por exemplo, um treinador de futebol americano do Iowa foi muito criticado pelo uso excessivo da corrida como método de punição; em outro caso, um técnico de halterofilismo da Universidade Tulane foi supostamente demitido por razões parecidas. Um grupo de fisiologistas e membros da Aliança Nacional Para a Prática de Esportes Entre Jovens (NAYS, na sigla original) publicou um comunicado em 2009 afirmando que o uso da corrida como punição deveria ser proibido, visto que "a corrida é uma atividade saudável que deveria ser associada à diversão" e que "quando uma criança é obrigada a correr como punição, ela pode ir além do seu limite físico por medo de outros castigos". A organização tem seguido essa filosofia desde o começo dos anos 80. "Estamos tentando reeducar as pessoas", disse John Engh, diretor operacional da NAYS. "Para nós, o ato de associar a atividade física à punição é contraprodutivo. Queremos mostrar para as crianças que se exercitar é sempre bom. Posso te dizer que, como lutador, sempre odiei correr e, até hoje, vejo a corrida como uma forma de punição." O ideal, diz Engh, é refutar o uso do atletismo como medida disciplinar. Quando bem praticada, a corrida pode ser terapêutica, meditativa e saudável, além de uma importante ferramenta de ensino, o que torna seu estigma ainda mais frustrante, diz Nicoletta Nerangis, diretora executiva e fundadora da Run4Fun, uma organização não-lucrativa de Nova Iorque. A natureza cada vez mais competitiva dos esportes juvenis pode explicar a aversão dos jovens ao atletismo, diz ela. Nerangis, que treina 200 jovens corredores com idades entre 4 e 18 anos, diz que muitos pais se preocupam com a técnica e capacidade competitiva de seus filhos. "Muitos pais têm medo que eu não treine seus filhos por eles não terem experiência", disse Nerangis."Mas fazemos exatamente o oposto. Nosso objetivo é empolgar essas crianças, fazendo com que elas se apaixonem pelo esporte." Pressões parentais à parte, Nerangis conta que muitas vezes é preciso transformar a competividade entre as crianças em comportamentos mais saudáveis, como a criação de metas próprias. "É difícil manter um ambiente agradável e divertido em vez de simplesmente dizer 'eu preciso produzir atletas que ganharão bolsas universitárias'", explicou. "Ganhar uma bolsa é sempre maravilhoso, uma conquista fantástica. Mas esse não é nosso único objetivo." Enquanto isso, na Escola P.S. 452, Nate O'Reilly mistura corrida com música, jogos e circuitos criados para encorajar a criação de metas e a competição saudável. Ele diz ter ficado surpreso quando, durante o recreio, com inúmeras opções de lazer disponíves, muitos alunos escolhiam a pista de atletismo. Ele conta que durante as reuniões escolares, muitos pais dizem estar surpresos ao ver seus filhos falando positivamente sobre a prática de atletismo nas aulas de educação física. "Muitos pais dizem 'não sou atleta, e nunca imaginei que meu filho ou filha pudesse gostar tanto de correr'", conta O'Reilly. " Essas crianças veem o atletismo de uma forma diferente desde muito cedo." Tradução: Ananda Pieratti