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Por que você deve se importar com os Panama Papers?

Pelos próximos meses (talvez anos), os 11,5 milhões de documentos da Mossack Fonseca vazados irão contar uma tenebrosa história de corrupção global que é a sua própria história no mundo.
Drew Schwartz
Brooklyn, US
Foto via usuário do Flickr Images Money.

O caso Panama Papers — o vazamento de 11,5 milhões de documentos que detalham os processos internos da Mossack Fonseca, uma firma de advocacia acusada de ajudar barões do tráfico, estrelas do esporte, vigaristas, reis, presidentes, primeiros-ministros, oficiais da FIFA, mafiosos, ladrões famosos, políticos de alto escalão e pelos menos um acusado de abuso sexual a lavar dinheiro, evadir impostos e escapar de investigações criminais — é um baita de um caso, diga-se de passagem.

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A Mossack Fonseca tem ligação com o roubo de $37 milhões da Brink's-MAT na Inglaterra em 1983, que a mídia britânica chamou de "o crime do século". Trinta e três clientes da firma estão na lista negra do governo americano por fazer negócios com cartéis mexicanos, organizações terroristas e "nações hostis", como Coreia do Norte e Irã. Seus arquivos desenterraram uma trilha escusa de $2 bilhões que levam a Vladimir Putin. Um dos clientes teve um papel crucial no escândalo Watergate. Outro foi condenado por torturar e assassinar um agente norte-americano do DEA.

Num caso tão gigantesco — que Edward Snowden chamou de "o maior vazamento da história do jornalismo de dados" — pode ser difícil entender o que está em jogo. Os Panama Papers são, sem dúvida, coisa de louco. Mas o que ele tem a ver com você?

Se você vive num dos 200 países e territórios que os clientes da Mossack Fonseca chamam de lar — e, considerando que você está lendo esta matéria, provavelmente vive — a história dos Panama Papers é a sua história. O dinheiro que a firma panamenha escondeu devia ter sido usado para pagar suas escolas, suas estradas e seus hospitais. Os criminosos com quem ela trabalha são as organizações ilegais mais violentas que seu país já viu. Os políticos que ofereceram e aceitaram propinas, desviaram impostos e juntaram fortunas inimagináveis são os seus políticos.

Logo depois que a notícia surgiu, as pessoas começaram a tuitar coisas na linha: "Choque, horror: ricos poderosos são corruptos — e eu com isso?" Porra, é claro que isso tem a ver com você! Conhecer essa história — de milhões de dólares escondidos, corrupção, assassinatos, subornos, poder e traição — é conhecer sua própria história. Aqui vai como essas revelações aconteceram, e por que você deve prestar atenção nisso.

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O VAZAMENTO

Um pouco mais de um ano atrás, uma fonte anônima abordou o jornal alemão Süeddeutsche Zeitung (SZ) e ofereceu um monte de documentos internos da Mossack Fonseca, que é especializada em vender empresas offshore com sede em paraísos fiscais do mundo todo. A fonte não pediu nada em troca. Em vez disso, ele escreveu num e-mail para o jornal que só queria uma coisa: "Tornar esses crimes públicos".

Nos meses seguintes, o SZ se viu com cerca de 2,6 terabytes de dados. O jornal compartilhou as informações com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), permitindo que centenas de repórteres de mais de 100 organizações de mídia de 80 países vasculhassem os documentos. Depois de um ano de pesquisa, esses jornalistas finalmente começaram a descobrir como a Mossack Fonseca trabalha — e a revelar como um negócio que nunca enfrentou acusações criminais está envolvido até o pescoço em corrupção, distribuição de propinas e crime.

O ESQUEMA

Empresas offshore não são ilegais em si. Mas usá-las para esconder ativos das autoridades fiscais, impedir investigações e proteger criminosos é crime sim.

A treta funciona mais ou menos assim:

Um indivíduo, geralmente através de um intermediário de quem ele é próximo, paga a Mossack Fonseca para criar uma "empresa de fachada" — um negócio que só existe no papel e que, na verdade, é apenas um grande armazém cheio de grana, em dinheiro vivo ou através de ações. A Mossack Fonseca abre essa empresa de fachada em lugares como o Panamá (onde fica a sede da firma), Ilhas Virgens Britânicas ou qualquer "paraíso fiscal" — um lugar onde os verdadeiros donos da empresa podem permanecer anônimos e seu país natal (que, geralmente, não sabe sobre a empresa) não pode taxar esse dinheiro.

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Digamos que um político ganha $100 mil por ano de salário, e por alguma razão — propina, acordos escusos, ou outras mutretas no geral — ele também leva $1 milhão por fora. Se esse cara coloca esse dinheiro numa empresa de fachada offshore, ele tem acesso a ele sem pagar nenhum imposto. E mesmo se a empresa de fachada for descoberta, ela não pode ser ligada diretamente ao político, porque a empresa tecnicamente pertence a outra pessoa — um laranja apontado pela Mossack Fonseca que comanda a empresa no papel, mas que na realidade não é dono de nada. Para movimentar esse dinheiro, a empresa finge fazer um negócio: Os Panama Papers revelaram milhares de negócios falsos, pagamentos milionários por "consultoria" e "compensações" por transações canceladas.

"Isso não é fazer negócio", disse o especialista em lavagem de dinheiro Andrew Mitchell para a BBC. "É criar a aparência de um negócio para continuar a movimentar e esconder ativos."

OS ESCÂNDALOS

Vamos começar com um dos grandes: Vladimir Putin.

O amigo de infância de Putin, Sergei Roldugin — um famoso violoncelista e padrinho da filha do presidente — está listado como dono de várias empresas offshore. Elas foram criadas pela Mossack Fonseca, e receberam inúmeros pagamentos de dezenas de milhões de dólares, os documentos revelaram. Mas parece que o dinheiro não ia realmente para Roldugin. Em vez disso, segundo a ICIJ, ele ia para associados próximos de Putin — e talvez para o próprio Putin.

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Como esse fluxo funciona é mais complicado. Acho que é mais fácil explicar com um dos exemplos destacados pela ICIJ em seu relatório:

No dia 10 de fevereiro de 2011, uma empresa das Ilhas Virgens Britânicas chamada Sandalwood Continental Ltd. emprestou $200 milhões de uma empresa igualmente sombria com sede em Chipre, a Horwich Trading Ltd.

No dia seguinte, a Sandalwood passou os direitos de receber os pagamentos do empréstimo — incluindo os juros — para a Ove Financial Corp., outra empresa misteriosa das Ilhas Virgens Britânicas.

Por esses direitos, a Ove pagou $1.

Mas o rastro do dinheiro não para por aqui.

No mesmo dia, a Ove repassou os direitos de receber o empréstimo para uma empresa panamenha chamada Internacional Media Overseas.

Que também pagou $1.

Foto: kremlin.ru via.

No espaço de 24 horas, o empréstimo, no papel, passou por três países, dois bancos e quatro empresas, tornando esse dinheiro impossível de rastrear no processo. O Banco Rossiya de São Petersburgo, uma instituição cujo proprietário majoritário e presidente já foi chamado de um dos "caixas" de Putin, abriu a Sandalwood Continental e dirigiu o fluxo do dinheiro.

A International Media Overseas, onde parece que os direitos dos pagamentos do empréstimo de $200 milhões foram parar, é controlada, no papel, pelo velho amigo de Putin: Sergei Roldugin.

O ponto aqui é o seguinte: alguém extremamente próximo de Putin trocou $200 milhões por $1. Essa é apenas umas das muitas transações que a ICIJ descobriu nos arquivos da Mossack Fonseca — totalizando pelo menos $2 bilhões — e que envolvem empresas e indivíduos "desconfortavelmente próximos" de Putin. Como a ICIJ apontou, o dinheiro pode ter trocado de mãos secretamente porque era fruto de pagamentos por "auxílios" do governo russo ou grandes contratos. Em uma palavra: corrupção.

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A FIFA, por sua vez, é ainda mais escrota do que todo mundo pensava — e a Mossack Fonseca está envolvida. Quatro dos 16 oficiais da organização indiciados por corrupção nos EUA usaram a Mossack Fonseca para criar empresas offshore. Um membro do Comitê de Ética Independente da FIFA, Pedro Damiani, trabalhou para sete empresas offshore da MF ligadas ao ex-presidente da FIFA Eugenio Figueiredo — o cara acusado de fraude bancária, lavagem de dinheiro e extorsão em maio do ano passado. Além disso, parece que não tinha como Damiani não saber que Hugo e Mariano Jinkis — pai e filho que supostamente subornaram oficiais da FIFA com dezenas de milhares de dólares pelos direitos de transmissão dos jogos latino-americanos — estavam fazendo alguma sujeira. Damiani agora é o centro de uma investigação interna do próprio comitê de ética que ele ajuda a dirigir.

O primeiro-ministro da Islândia, eleito depois do colapso de vários grandes bancos do país, era efetivamente o proprietário de uma empresa offshore (sim, adivinhou, aberta pelos nossos amigos da Mossack Fonseca) que tinha ações desses mesmos bancos. Digo "efetivamente" porque, apesar de antes ser dono da metade das ações da empresa, desde então ele vendeu o resto delas para a esposa. Por $1. Ainda não está claro se o primeiro-ministro, Sigmundur Gunnlaugsson, fez algo ilegal, mas ele e seu governo negociaram acordos com esses mesmos bancos nos quais ele tinha ações. Desde que os Panama Papers apareceram, ele está sendo pressionado para renunciar.

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Todos os grandes escândalos que os Panama Papers trouxeram à luz são igualmente (se não mais) difíceis de entender que os negócios envolvendo Putin. Se você se interessa pelas provas por trás dessa tempestade de merda, recomendo fortemente explorar o site da ICIJ.

O primeiro-ministro da Islândia Sigmundur Gunnlaugsson. Foto por Frankie Fouganthin via.

O PONTO

Eu podia ficar listando esses escândalos até a semana que vem — expondo os negócios financeiros questionáveis do primeiro-ministro do Paquistão; do rei da Arábia Saudita; dos filhos do presidente do Azerbaijão; do filho do ex-presidente do Egito, Hosni Mubarak; de oito membros do Politburo, o principal corpo governamental da China; até os negócios duvidosos do Jackie Chan — mas por enquanto, acho que é suficiente você saber os números.

Os Panama Papers expuseram 61 familiares e associados de primeiros-ministros, presidentes e reis que usaram os serviços da Mossack Fonseca. A firma ajudou a esconder bilhões de dólares de governos do mundo todo — dólares que, normalmente, seriam taxados. Ela fez negócio com caras que ficaram com milhões de dólares de seguro de morte que deveriam ir para viúvos e órfãos. E vinha fazendo isso há 40 anos, sem ser importunada — até que uma fonte anônima entrou em contato com o Süeddeutsche Zeitung.

Dá vontade de vomitar mesmo. Todo dia, milhares de propagandas gritam na nossa cara por outdoors, celulares e da televisão. Não daria para ouvir toda a música lançada nos últimos seis meses se você só fizesse isso pro resto da vida. Somos soterrados por manchetes, sobrecarregados com o monte de notícias a que temos acesso, e às vezes não sabemos para onde olhar. Numa era em que a informação é tão abundante, é exaustivo tentar consumir tudo.

Os Panama Papers — muito mais, talvez, do que qualquer notícia que vai cruzar seu caminho na próxima década — não é uma história fácil de entender. Vai levar tempo para sacar tudo que aconteceu — as dezenas de meios de comunicação cobrindo o caso ainda nem conseguiram passar por todos os documentos que receberam. Mas é uma história que vale a pena prestar atenção. Porque, diferente de tudo mais que inunda o mundo, essa história tem a ver diretamente com você.

Atualização: o primeiro-ministro da Islândia Sigmundur Gunnlaugsson renunciou ao cargo nesta quinta (5).

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Tradução: Marina Schnoor