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Festas de Abraço são um Saco, mesmo Tomando Ecstasy

Chapamos pra encarar um evento social onde 30 estranhos se reúnem numa maratona de toques, carícias, colos e consolos.

Uma “cuddle party” é exatamente o que parece: um evento social onde estranhos se reúnem para se abraçar de um jeito totalmente não sexual. Como não dá para confiar em estranhos, geralmente eles definem uma série de regras nos sites desse tipo de evento. Por exemplo: na maior festa desse tipo em Berlim – que aconteceu algumas semanas atrás –, tocar “zonas erógenas” foi proibido, gente bêbada não entrava e todo participante tinha o direito de dizer “não”.

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Mas ninguém falou nada sobre drogas. O que deve querer dizer que quem curte estimular a serotonina do cérebro com substâncias preparadas por cientistas amadores holandeses, é bem-vindo. Então achamos que seria um experimento social interessante participar de uma dessas festas depois que uma de nós tomasse MDMA, esperando aprender algo mais sobre intimidade para além de tudo o que lemos na NOVA e a que assistimos nos canais pornôs na internet.

O evento acabou sendo um pouco confuso, mas abaixo você pode ler nossa tentativa de contar o que rolou nessa noite – o mais clara e cronologicamente possível.

20h

Charlotte
Faz muito calor lá fora. Passamos pelo quintal de uma fábrica escura em Neukölln. Música relaxante sai de uma das janelas. Estou com medo. Entramos numa sala onde alguns solitários já procuram por contato humano. Meu coração está disparado. Estou completamente sóbria, mas com uma baita ressaca, e só dormi três horas noite passada, então queria mesmo era dar o fora daqui.

Ilona
Charlotte e eu saímos noite passada. É um milagre termos conseguido chegar ao segundo andar do prédio, porque parecia que meia garrafa de champanhe e 50 cigarros queriam explodir pra fora da minha garganta. Pediram que a gente tirasse os sapatos. Minha meia furada se revela ao mundo. Tomo um pouco de MDMA. Um suor frio me diz que isso foi um grande erro.

Charlotte
Colamos o adesivo de coração com nossos nomes no peito e entramos numa sala cheia de travesseiros e colchões. Umas 30 pessoas estão amontoadas à nossa frente apesar da noite muito quente de verão. A maioria tem mais de 40 anos. Nem todo mundo é desinteressante, mas não estou muito ansiosa para chafurdar num desses colchões com um desconhecido.

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Ilona
Chegamos atrasadas. Todos já estão sentados num grande círculo e olham para nós com um tantinho de desaprovação. Uma fronha em forma de cruz passa entre as pessoas. Quem está segurando a fronha deve contar ao grupo por que está aqui. Meu coração está disparado e eu balbucio alguma coisa sobre estar curiosa para ver como era uma festa dessas. Muita gente parece estar aqui pela primeira vez também e todos estão empolgados.

Charlotte
Depois que a instrutora de abraço explica as regras, ela vai para a cabine do DJ. As pessoas dão as mãos e começam a dançar pela sala ao som de “Oh, Happy Day”. Fico com a impressão de que devemos nos deitar. Dou as costas para um cara careca e pançudo que me oferece a mão, me voltando para duas tias que parecem simpáticas. Pego as duas pela mão e balanço no ritmo de “You Can Be My Lucky Star”.

Ilona
Um cara de meia-idade, vestindo turquesa da cabeça aos pés, vaga sozinho pelo meio da sala. Fico pensando se não era melhor me esconder no banheiro e tentar melhorar a experiência esfregando os químicos por toda minha gengiva.

Charlotte
Penso no meu amigo Henry, que ia preferir perder todos os membros a vir pra um lugar como esse. Ninguém conhecido vai me ver aqui, mas não vou conseguir lidar com isso por muito mais tempo. Ilona passa dançando por mim. Parece que ela está realmente se divertindo. Encaro suas enormes pupilas pretas com inveja.

Ilona
Paro meio sem graça num canto da sala e fico vendo as pessoas relaxarem ao meu redor. Charlotte me manda um olhar de pânico, mas não consigo retribuir. As pessoas não podem saber por que estamos aqui.

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Charlotte
Uma mulher que parece lavar o rosto com pedra-pomes me aborda. Para minha surpresa, não é para me tomar em seus braços, mas para me informar nervosamente que acredita que eu seja “da imprensa”. Como ela sabe? Será que pareço tão deslocada assim?

Ilona
A paranoia toma conta. “Meu Deus, eles sabem!” Cada movimento esquisito e forçado nosso torna cada vez mais claro que nossas intenções não são puras. Tenho a impressão de que meu problema não é com os entusiastas de abraço, mas comigo mesma.

20h30

Charlotte
É hora do primeiro exercício, onde temos que ficar de costas com um parceiro da nossa escolha. Me sinto tonta e com náuseas por ficar perambulando pela sala. Meu parceiro não está usando camisa, provavelmente porque seus grossos pelos do peito já fornecem um bom isolamento. Ele se inclina para frente e eu caio de costas. Acho que machuquei a espinha. Quando ele se inclina de novo, vejo a hora. Ainda temos duas horas e meia aqui.

Ilona
Fico de costas com uma mulher que parece envelopar meu corpo com suas omoplatas. Penso por um momento que essa experiência não tem mesmo nada a ver com sexo. Olhando para cima, vejo que o homem parado na minha frente está com uma ereção.

Charlotte
Nos dizem para fechar os olhos e nos mover com os braços estendidos, tentando tocar os outros. Sinto partes dos corpos de algumas pessoas - felizmente nenhuma zona erógena proibida. Sinto a mão de pelo menos três pessoas diferentes na parte de baixo das minhas costas. É quase um conforto não poder ver nada.

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21h00

Ilona
Faço uma pausa para ir ao banheiro e tomo mais um pouco de ecstasy. Enquanto lavo as mãos, uma mulher respira bem na minha cara dizendo alguma coisa sobre me “sentir”. Estou confusa e não tenho condições de responder apropriadamente, então caminho até a sala principal, deito num colchão e me finjo de morta até que dois estranhos me apalpam.

Os estranhos são mulheres. Mulheres que não sabem tocar as pessoas de um jeito prazeroso e relaxante. É assim que os caras se sentem quando recebem uma punheta nervosa e escrota? Isso me deixa triste. Uma voz sem rosto me pergunta onde quero ser tocada. Eu não me importo.

Charlotte
Ilona está sentada vendada num colchão. A cena parece o começo de uma festa de bondage. Uma mulher loira esfrega a barriga dela. Coloco uma venda e deito em um dos colchões perto dela.

Ilona
A venda sai. Estou agora com outra mulher e é minha vez de “mimá-la”. A névoa na minha cabeça está desencadeando mais agonia do que êxtase, mas meu senso de competição dispara: vou acariciar essa completa estranha melhor do que ela jamais foi acariciada. “Foi perfeito”, ela suspira depois de vários minutos. O cara sem camisa que ficou de costas comigo dá um tapinha de parabéns na minha cabeça.

Charlotte
Eu queria dormir, mas graças à massagem que estou recebendo do meu colega, isso é impossível. Sinto como se um elefante estivesse pisoteando minas pernas e minhas costas. Tento desesperadamente pensar em algo bonito.

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Ilona
Charlotte está sentada vendada à minha direita e parece muito relaxada. Talvez porque não saiba que está com a cabeça apoiada no peito de um cara seminu que massageia seu escalpo. Estou num ponto onde não questiono mais nada. Mas onde está o tal do amor sintético? Por que não sinto nada disso correndo pelas minhas veias?

21h30

Charlotte
Saio da próxima rodada e vejo o que está acontecendo da segurança da área de intervalo. À minha frente está o cara pançudo de antes, esfregando repetidamente a área ao redor dos peitos caídos de sua colega. Todo mundo parece incrivelmente tenso, mas talvez seja só projeção minha.

Ilona
Os cantos da minha boca começam a repuxar. Deve ser óbvio que estou chapada. Perdi todo o sentido de tempo e espaço. Um pensamento aparece, totalmente fora de lugar, e é muito revelador: agora eu queria muito estar fazendo sexo - com alguém com menos de 40 anos ou com o Roger Sterling de Mad Men.

22h00

Charlotte
É hora do destaque da noite: o abraço em grupo. Nossa instrutora de abraço nos encoraja a engatinhar até os colchões que foram colocados todos juntos e ficar confortáveis. Não quero fazer isso, mas sei que devo. As pessoas se grudam e embaraçam seus membros desinibidamente. Ninguém quer me abraçar. Ótimo. Vejo Ilona também sentada sozinha na beira da poça de abraços. Somos párias.

Ilona
Percebo agora que tinha razão em estar com medo. Sinto que ninguém aqui gosta de mim. Sinto a rejeição deles quase que fisicamente. Um homem de uns 60 anos acena para mim. Ele, uma mulher loira e alguém de cabelo grisalho com gel abrem espaço. Deito entre eles e sinto seus respectivos membros e pelos roçando contra mim.

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Charlotte
Uma mulher grande com um sorriso simpático me pergunta se quero deitar no colo dela. Me inclino. É tão macio quanto parecia e minha cabeça afunda lentamente nos grandes peitos dela. Na minha frente, um homem de 40 e poucos anos está abraçando uma loira bronzeada e puxando a camiseta dela no processo. Ele não prestou atenção nas regras? Eles esfregam os rostos em êxtase. Alguém geme. Ilona ri. Enquanto isso, um cara grisalho se posiciona confortavelmente nas minhas pernas. Eu queria muito estar sozinha agora.

Ilona
A instrutora fica lembrando a toda hora que devemos entrar em contato com as outras pessoas. Fico parada. Meus braços estão pesados, meus olhos bem fechados e já não me importo mais que tenha uma mão estranha na minha bunda. Pela primeira vez em três horas, sinto algo parecido com relaxamento. O cara do gel está acariciando meu rosto enquanto passo a mão distraidamente na sua cabeça. As pessoas em volta gemem, suspiram e se esfregam. Fecho os olhos ainda mais fortemente que antes.

23h10

Charlotte
Damos o fora antes de as três horas acabarem. Eu costumava gostar de tocar outras pessoas, mas nunca mais vou querer dormir abraçadinha com ninguém.

07h00

Ilona
São 7 horas da manhã. Me sento de olhos arregalados num banco perto do rio Spree. O relaxamento descrito por muitos participantes no final desses encontros, que em mim se manifestou como um tipo de paralisia interna, passou. Me sinto suja e desconfortável, apesar de as pessoas terem sido legais. Talvez legais demais. Mentalmente perturbada, penso quando vou voltar ao normal, quando vou estar pronta para tocar as pessoas e fazer sexo de novo. Provavelmente nunca.

Tradução: Marina Schnoor