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O Grajaú Acordou com Gás Lacrimogêneo Ontem

Barracos foram derrubados, assim como roupas, objetos, móveis e celulares que gravavam o momento foram apreendidos.

Cerca de 400 pessoas acordaram ao som de bombas de gás lacrimogêneo nessa segunda (16 de setembro) pela manhã na ocupação Jardim da União, no bairro do Itajaí, Grajaú. Esse é o quinto despejo que enfrentam os moradores ocupantes da área – onde está prevista a instalação de um parque – há cerca de 50 dias.  Efetivos da Guarda Civil Metropolitana, da Polícia Militar e da Tropa de Choque estavam por lá. Duas pessoas foram detidas e soltas no fim do dia. Uma delas foi acusada de agredir um policial, que apareceu na delegacia com uma perna enfaixada. Segundo os moradores, foi o policial que partiu para a agressão e o momento foi gravado. Pressionada, a polícia não denunciou o caso. Barracos foram derrubados, assim como roupas, objetos e móveis foram apreendidos. Quem estava gravando com o celular, perdeu o aparelho para a polícia. O mesmo aconteceu com a câmera da Rede Extremo Sul.

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Juntamente com os protestos de junho convocados pelo MPL, uma onda de ocupações tomou conta de terrenos inativos do Grajaú. Famílias com baixo ou nenhum salário deixaram de pagar aluguel para viver sobre terra batida, em barracos improvisados com madeirite e lona.

Um protesto feito na semana passada pelo centro de São Paulo rendeu uma reunião com Marco Antonio Biasi, secretário adjunto da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab). No encontro, foi pedido que os ocupantes apresentassem um plano de moradia. Assim, a Sehab poderia intermediar um acordo junto à Secretaria do Verde e Meio Ambiente, dona do terreno. Foi o que me contou Sandra, uma das moradoras desocupadas. Ainda segundo ela, durante as negociações, os ocupantes pediram para que cessassem as reintegrações até a entrega do plano e Biasi concordou. Como prova, um vídeo foi feito pela Rede Extremo Sul (que estava em uma das câmeras apreendidas na manhã de ontem). Os moradores me informaram que Biasi teria prometido uma nova reunião para solucionar a questão do terreno, mas que a resposta foi a truculência. Falei com a assessoria de imprensa da Sehab e eles justificam que as ocupações prejudicam a política habitacional em curso, “cuja meta é a entrega de 55 mil unidades nos próximos quatro anos”.  Sobre o encontro dos moradores com Biasi, disseram que “as famílias serão cadastradas nos programas habitacionais. No entanto, não terão prioridade no atendimento”.

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Assim que a Tropa de Choque chegou, por volta das 8h15, a galera da ocupação pediu um tempo para entrar em contato com o secretário. Foram negociados 30 minutos para isso. “Conseguimos falar com ele no último momento, e ele disse que nem ele, nem a Prefeitura iam tomar uma posição. Aí a Tropa de Choque começou a agir”, conta Sandra. “Os móveis que conseguimos arrastar pra rua também foram levados. Aí começa a ser roubo. Eles falam pra retirarmos na Prefeitura. Pra buscar, precisa da nota fiscal. Existe nota fiscal de um fogão velho?”.

Sócrates, um dos ocupas, disse ter apanhado dos policiais e tirou a camisa pra mostrar as marcas.

Uma das indignações recorrentes era o fato de que a maioria dos policiais estavam sem identificação. Quando alguém reclamou com o comandante da PM sobre isso, ele disse que tinha justificativas para não estar identificado. “É uma norma da PM. É uma ação de controle de distúrbios civis”, falou. Quando um cara reclamou por ter apanhado sem ter feito nada, o comandante disse que ele deveria fazer um B.O., algo meio complicado quando não se sabe o nome do policial. Eram muitas as perguntas dos moradores: por que a polícia tomou o celular de quem estava gravando? Por que a polícia apreendeu uma câmera digital? Por que a polícia chegou com bombas de gás e spray de pimenta? “Infelizmente, ainda não inventaram uma arma de rosas pra gente espantar os outros”, resumiu o comandante. Veja o vídeo que fiz a seguir:

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Na rua em frente à ocupação, famílias desoladas estavam pela calçada. Crianças de colo, grávidas, idosos, jovens. A maioria ficou somente com a roupa do corpo. Nem RG, nem colchão para contar história. Tânia, mãe de um recém-nascido e de uma menina de quatro anos, disse que, assustada, não teve tempo de ir até seu barraco pegar as coisas das crianças. “Bolsa, fralda, mamadeira. Levaram tudo. Minha filha está assustada, chorando. Eu não podia ficar lá. Peguei um pela mão e outro no colo e saí correndo. Nem eu sei o que vou fazer agora”, me conta.

Um vizinho do Jardim da União abriu os portões de casa e, num fogão improvisado no quintal, os moradores fizeram o almoço. Arroz, peixe frito e salada de maionese. Aproveitei para conversar com eles sobre a manhã de ontem.

Diómedes

O que aconteceu no Jardim da União?
Aconteceu um descaso. Estamos em busca de um terreno. Na reunião da semana passada, o secretário de habitação de São Paulo disse que até quarta-feira dessa semana nos daria uma resposta. Mas acordamos hoje com a Tropa de Choque.

Com quem você morava?
Eu, minha esposa e meu filho.

Você conseguiu recuperar alguma coisa?
Nada, nada. Trouxe algumas coisas aqui pra fora, mas eles vieram, jogaram bombas na rua e levaram tudo.

E o que você e sua família vão fazer agora?
Minha esposa e meu filho estão na casa de uma tia dela. Vou ver o que faço da minha vida. A gente não quer esse terreno de graça. Queríamos que eles fizessem um carnezinho, fizessem um financiamento pra gente pagar. Não queremos de graça. Todo mundo trabalha. Da mesma forma como pagamos um aluguel, podemos pagar um financiamento. Não faz sentido ter um parque num lugar onde muita gente paga 600, mil reais de aluguel por mês.

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Francisco e Cida

Há quanto tempo vocês moram aqui?
Cida: Desde o começo. Faz cinquenta e poucos dias. Até a hora que soltaram bombas e quase soltaram no meu bebezinho. Minha netinha tem um ano e pouco, também estava aqui dentro. Pulamos esse muro aqui. Não dava nem pra enxergar. Pedi pra mulher de uma casa aqui na rua pra lavarmos o rostinho do meu filho com água. Porque eles jogavam bombas de gás. Policial não respeita ninguém, filha.

Antes de vir pra cá, onde vocês moravam?
Em casa de aluguel. A gente pagava 500 e poucos de aluguel, com água e luz dava quase 600 reais. E é só ele que trabalha. Eu sou desempregada.

Com que o senhor trabalha, Sr. Francisco?
Francisco: Na Prefeitura.
Cida: Ele é gari.

E o que vocês vão fazer agora?
Cida: Vamos esperar a mão de Deus.
Francisco: Esperar devagarzinho.
Cida: Nós não vamos desistir. Vamos lutar pela nossa moradia.

Sócrates

Você mora com quem?
Com meu irmão.

Como foi o momento em que te bateram?
Eu estava subindo ali e os caras falaram “você não vai entrar”. Aí três, quatro policiais começaram a me bater. Eu estava com o celular na mão e caiu no chão. Tentei pegar e o policial chutou. Saí correndo e ele continuou me batendo.

Maria José

O que aconteceu na ocupação?
Assim que cheguei, vi a fumaça e a garganta começou a doer, o olho correndo água. Aí eu corri.

A senhora conseguiu recuperar alguma coisa?
Nada. Quando eu cheguei aqui as bombas estavam explodindo. Não cheguei mais pra frente. Perdi tudo. Eu comprei o material pra fazer o barraco. Gastei um dinheiro que eu não podia.

A senhora trabalha?
Em casa de família. Meu salário não é muito. Tenho três filhos e pago aluguel. Mas eu vivia mais aqui.

O que a senhora vai fazer agora?
Lutar. Fui na manifestação que teve no centro da cidade. Vamos à luta.

Siga a Débora Lopes no Twitter: @deboralopes