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Os Fascistas Homofóbicos da Grécia Têm Deus e a Polícia do Seu Lado

A noite de estreia da peça Corpus Christi (1998), de Terrence McNally, que mostra Jesus e seus discípulos como homens gays na parte rural do Texas, foi violentamente fechada por uma gangue de capangas do partido fascista Aurora Dourada.

É uma noite quente em Atenas, as freiras acabaram de ultrapassar a fileira de policiais. Elas não tiveram que se esforçar muito. A tropa de choque do lado de fora do teatro Chytirio tenta principalmente impedir que os manifestantes antifascistas alcancem os neonazistas, as freiras e os padres que vieram protestar na abertura da peça Corpus Christi, e não o contrário. Então, quando uma velhinha de hábito preto passa pelos escudos e capacetes pra discursar sobre blasfêmia e sodomia pros anarquistas e ativistas do outro lado, ninguém tenta impedi-la.

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Esta é a noite de estreia de Corpus Christi, peça de 1998 do dramaturgo iconoclasta Terrence McNally que mostra Jesus e seus discípulos como homens gays na parte rural do Texas. Essa não deveria ser a primeira apresentação. A estreia na noite anterior foi violentamente fechada por uma gangue de capangas do partido fascista Aurora Dourada, que avisou: "em qualquer caso em que o sentimento religioso dos gregos for insultado, a Aurora Dourada vai reagir de forma dinâmica".

"De forma dinâmica" significa, na prática, que membros do público e jornalistas foram espancados, ameaçados e chamados de "bichas" e "viados", e a polícia — que, de acordo com algumas pesquisas, tem 50% da sua força composta por partidários da Aurora Dourada — permitiu que isso acontecesse. Eventualmente os fascistas conseguiram trancar os atores dentro do teatro e a noite de estreia foi adiada. Adiada, mas não cancelada. Parece que é preciso mais do que ameaças de ter o cérebro espalhado pela calçada enquanto a polícia não faz nada pra que o elenco desista de apresentar a peça.

Nesta noite, 200 anarquistas e antifascistas vieram proteger o teatro. Agora, há um impasse. Os fascistas do Aurora Dourada estão de um lado, junto com um punhado de padres e freiras idosos reunidos como um bando de corvos chacoalhando seu crucifixos pra tudo e todos; e os antifascistas estão do outro, atrás de um muro bem sólido de escudos da tropa de choque.

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Noite passada, a polícia de Atenas simplesmente olhou pro outro lado enquanto os fascistas espancavam os frequentadores do teatro do lado de fora da Corpus Christi. Hoje, a polícia resolveu montar um bloqueio. O que mudou? Pode ter algo a ver com o fato de que um bando de repórteres, câmeras e agências de notícia de toda a Grécia apareceram pra ver o que ia acontecer. Na noite de estreia, quando algumas câmeras chegaram, Manolis V, um blogueiro da revista Lifo, fotografava padres rasgando cartazes da Corpus Christi, quando se viu cercado por neonazistas.

"Eu disse que trabalhava pra Lifo, achando que isso ia me proteger. Mas eles começaram a gritar: 'Essa bicha trabalha pra Lifo, venham ver essa bicha!' Eles me encurralaram, começaram a me xingar e a puxar minha barba, e um parlamentar da Aurora Dourada cuspiu na minha cara. Eles estavam por toda parte." Pelo telefone, Manolis pareceu perturbado.

"Consegui sair do meio deles, que continuaram gritando: 'Foge, seu bicha, seu chupa-rola'. Eu me voltei pra olhar depois de metade de um quarteirão, aí um outro parlamentar da Aurora Dourada veio e me deu um soco no rosto. Ele dizia: 'Chora, menininha, chora, sua bicha'."

A Aurora Dourada criou uma comoção no YouTube no começo do ano quando o parlamentar Ilias Kasidiaris atacou um político de esquerda ao vivo na TV, e eles parecem não ver mesmo nenhum problema em parlamentares eleitos como representantes do povo socando a cara de jornalistas conhecidos no meio da rua.

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"Caí e ele me chutou. Meus óculos já eram. Eu gritava: 'Polícia, socorro, eles estão me batendo'", diz Manolis. "Os policiais viraram as costas e fingiram que não estavam vendo. Quando consegui me mexer, um deles me mandou um beijo."

Era hora de entrarmos. Pra entrar no teatro, tínhamos que passar por três fileiras de policiais da tropa de choque vestidos com armadura completa e também por portas trancadas duas vezes até um pequeno pátio abaixo do palco. Estava muito quieto ali. Alguns atores, contrarregras e jornalistas fugiam pra fumar no terraço, beber refrigerante e olhar nervosamente a multidão que aumentava do lado de fora dos portões.

Encenar Corpus Christi sempre vai provocar controvérsia. Antes que os leitores de fora da Grécia digam alguma coisa, o tipo de fanatismo que fez esse teatro ser ocupado pela polícia dificilmente é algo exclusivo dos neonazistas helênicos. Quase toda produção de Corpus Christi nos Estados Unidos, incluindo o revival de 2010, foi agraciada com multidões nervosas gritando abusos homofóbicos em nome da religião, e a apresentação original em Los Angeles foi um dos estopins das guerras culturais americanas dos anos 90. O diretor Laertis Vasiliou explica: "Isso foi há 15 anos. Vivemos em 2012, achávamos que não havia nada a temer."

O diretor de Corpus Christi, Laertis Vasiliou.

"Mas a noite passada fora do teatro foi como a Noite de Cristal, sabe, durante o Terceiro Reich na Alemanha." Laertis, 38 anos, parece que não dorme há uma semana, o que é verdade — pelo menos não na sua própria cama. O diretor teme pela sua segurança e ainda não foi capaz de voltar pra casa, enquanto isso, tem se escondido na casa de amigos e parentes em várias partes da cidade.

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"As pessoas que vieram assistir à peça estavam com os ingressos na mão e foram espancadas. Espancadas! Elas foram espancadas por esses capangas extremistas e jogadas pra fora. Não pudemos abrir os portões do teatro, daí fizemos um ensaio. Esperamos que a apresentação aconteça hoje." Enquanto atores e a equipe do teatro trabalham no pequeno palco, Laertis fuma um cigarro atrás do outro, dando longas tragadas como um homem que tenta sair de uma bad trip.

"Isso é muito triste no país onde o teatro e a democracia nasceram, neste país, nesta rua. Você sabe qual o nome desta rua? É Rua Iera Odos. Sabe o que isso significa?" Balançou a cabeça. "Significa 'Rua Sagrada'. E por que se chama assim? Porque dois mil anos atrás, na Grécia Antiga, as pessoas vinham até aqui pra ver os mistérios encenados, pra ver os festivais de teatro, e há mais de 2.500 anos, esta rua tem o mesmo nome. Esta é a rua do teatro, e eles decidiram fechar o teatro."

"Tenho sido ameaçado. Eles ameaçaram minha vida, minha família tem sido ameaçada, meus pais. Recebo mensagens no meu celular, no meu telefone fixo. Minha vida está sendo ameaçada aqui. Vim da Albânia pra Grécia 20 anos atrás, e a Albânia tinha o regime mais horrível do bloco oriental, um regime totalitário, mas nem mesmo lá eles conseguiram fechar o teatro." Nesse momento, Laertis para e, de repente, começa a chorar.

"Vinte anos atrás", ele diz, tentando manter a voz estável, "vim pra Atenas porque minha mãe era de origem grega. Noite passada eles berravam meu nome e diziam: 'Seu maldito albanês, saia daí e vamos te enterrar vivo. Vamos arrancar sua cabeça. Vamos te cortar em pedacinhos, seu albanês de merda.' Eu deixei este país orgulhoso em 2005 e em 2008, com dois prêmios internacionais de teatro. Em 2012, eles querem me matar. Por quê? O que foi que eu fiz? Sério, o que foi que eu fiz?". Uma das razões que faz com que a chamada imigração ilegal seja tão alta na Grécia é que, mesmo pra filhos de imigrantes nascidos aqui, é quase impossível conseguir a cidadania. Laertis não tem documentos, apesar de estar aqui há 20 anos. Legalmente, ele não é uma pessoa.

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"Eles não entendem que nada vai impedir minha liberdade de expressão. Se eles não me querem mais na Grécia, vou pegar a minha família e partir." O esforço pra conter as lágrimas deixa o rosto de Laertis feio. "Sabe, é difícil pra uma pessoa ouvir os outros te xingando e dizendo 'Sai daí, seu maldito albanês, vamos enfiar uma estaca na sua bunda até sair pela boca e colocar você do lado de fora do teatro pra que todo mundo veja.' Me sinto ameaçado. Você não se sentiria ameaçada?"

Fora do teatro, mais membros da Aurora Dourada aparecem. A atmosfera fica ainda mais tensa. Mais tarde, alguns deles tentariam atacar os antifascistas, mas, diferente de ontem, a polícia se vê obrigada a impedi-los de bater na oposição. O mais interessante é que nenhum dos lados trouxe suas próprias tropas de choque. Os verdadeiros carecas barra-pesada de camiseta preta do Aurora Dourada, que têm esfaqueado e brutalizado imigrantes em Atenas e seus arredores nos últimos meses, não deram as caras nesta noite.

Ao invés disso, os membros da Aurora Dourada que apareceram são caras mais velhos, magricelas com bigodes suspeitos e adolescentes. Um deles grita algo ameaçador pra mim em grego enquanto cruzo a terra de ninguém, e depois se desculpa quando digo que sou jornalista inglês. Alguns capangas de extrema-direita prosperam com a atenção da mídia — a Liga de Defesa da Inglaterra me vem à mente —, mas não a Aurora Dourada. Eles querem fazer seu trabalho longe de olhares indiscretos. No meio da zona neutra, onde as câmeras se posicionam pra tentar conseguir imagens dos dois lados, um alegre ônibus turístico aparece de repente, pequeno e branco, pintado pra se parecer com um trem e atravessando o impasse como se estivesse levando visitantes pra praia. Está completamente vazio. O letreiro diz: "Tour Atenas!".

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A freira fascista continua vociferando à distância. Ela tem uma semelhança irritante com a minha avó que, entre muitas qualidades nobres, também é uma pequena e rotunda fanática religiosa mediterrânea cujo passatempo favorito e esfregar imagens de Jesus na cara de qualquer um que argumente sobre os direitos dos gays. Claro, minha avó não tem um exército de homens fardados na retaguarda dela, mas bem que ela gostaria.

A freira diz pros antifascistas que tentam argumentar com ela, que os gregos nativos e os cristãos são as verdadeiras "vítimas, vítimas" e que a Aurora Dourada são os "verdadeiros patriotas" que impedem que a sociedade grega se despedace. O que é um argumento interessante, considerando que o desemprego na Grécia está acima de 25% — 54% entre os jovens —, há greves gerais mês sim, mês não no país e dificilmente há dias em que partes significativas de Atenas não estejam em chamas. Sério. Noite passada não consegui que meu tradutor me acompanhasse pra ver um banco pegando fogo no norte da cidade porque já era tarde e provavelmente outro banco pegaria fogo no dia seguinte.

"Acho que não existe mais nenhuma lei neste país", diz Manolis. "Todo mundo tem medo da Aurora Dourada ou está mancomunado com ela e é quase impossível saber a diferença."

Estávamos tendo essa conversa na frente de uma fila de policiais da tropa de choque, que começavam a nos lançar olhares extremamente dúbios. Hora de partir. Quando finalmente chegamos ao apartamento, recebemos uma mensagem de texto dizendo que a produção de Corpus Christi de Atenas tinha finalmente estreado. Com casa lotada.

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