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Tecnologia

Testei um suplemento que promete sonhos lúcidos

E deu certo. (Se é que podemos chamar isso de certo.)

O Dream Leaf, um suplemento que promete causar sonhos lúcidos, parece algo saído de Matrix. O frasco preto contém 30 pílulas vermelhas e 30 pílulas azuis junto de instruções precisas sobre sua posologia. O site do produto o define como "o suplemento de sonhos lúcidos mais avançado do mundo".

Como alguém que já teve alguma experiência com sonhos lúcidos (sem muito sucesso, confesso), fiquei muito curiosa. O termo sonho lúcido é utilizado para definir o fenômeno no qual um indivíduo percebe que está sonhando e passa a manipular a realidade onírica. Como os relatos de sonhos lúcidos são subjetivos e dependem da nossa memória, alguns especialistas não os consideram confiáveis.

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Só tive um sonho lúcido na vida; nele, eu compreendia que estava sonhando enquanto encarava um rochedo e, em seguida, começava a voar por aí. Lembro de acordar com uma sensação muito positiva, uma empolgação quase infantil. É claro que me empolgaria com um produto capaz de proporcionar a mesma coisa de forma rápida e barata.

A píula azul contêm 5-hidroxitriptofano (também conhecido como 5-HTP), um aminoácido encontrado em antidepressivos naturais e na erva-de-são-joão. De acordo com o site da empresa, a erva-de-são-joão, conhecida por seu efeito calmante, ajuda a combater a insônia, enquanto o 5-HTP gera algo chamado de "repetição do sono REM (fase do sono no qual os sonhos acontecem)". Em outras palavras, a substância aumenta o tempo passado dos sonhos e, de quebra, as chances de se ter um sonho lúcido.

Tomar as pílulas requer uma precisão quase cirúrgica

A pílula vermelha contêm Huperzine-A, uma erva que supostamente ajuda a acessar memórias; Alpha GPC, um composto natural presente no cérebro que segundo a equipe da Dream Leaf "incentiva o pensamento racional durante o sono REM"; e colina, um nutriente encontrado na vitamina B e descrito no site como "o ingrediente que fará você lembrar de todos seus sonhos".

Alex e Connor Southworth, criadores da Dream Leaf, se descrevem como "estudiosos dos sonhos". O produto parecia sério, o que me interessou. Será que essas pílulas poderiam me ajudar a ter sonhos melhores, mais vívidos e mais controlados? Encomendei um frasco com 60 pílulas — o suficiente para um mês — por US$30. Tive que esperar por algumas semanas até que a encomenda viesse de Salt Lake City, onde a empresa funciona. Os ingredientes das pílulas são liberados tanto nos EUA quanto no Reino Unido, o que tornou a compra bem simples. Nesse meio tempo, tentei entrar em contato com Alex e Connor para fazer algumas perguntas sobre seu produto, mas eles não me responderam.

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Tomar as pílulas requer uma precisão quase cirúrgica. Eu tinha duas escolhas: tomar uma pílula azul imediatamente antes de dormir e acordar quatro horas depois para tomar a pílula vermelha; ou, para aqueles com sono leve, tomar uma pílula vermelha três horas antes de dormir na primeira noite e uma pílula azul logo antes de dormir no dia seguinte (e assim por diante). Meu namorado não curtiu a ideia de acordar toda noite às três da manhã, então escolhi a segunda opção.

Nos primeiros dias de teste, notei uma mudança preocupante no meu sono. Costumo ter sonhos muito vívidos e quase sempre lembro deles quando acordo. Quando comecei a tomar o suplemento, entretanto, parei de lembrar dos meus sonhos. Era como se eu acordasse de um limbo completamente desprovido de sonhos. Na época, considerei a possibilidade de parar de tomar o remédio, mas depois concluí que uma mudança tão drástica significava que aquilo estava de fato afetando meu cérebro.

Meus sonhos voltaram nas próximas noites, agora mais confusos do que nunca. Durante a semana seguinte, sonhei com coisas banais que poderiam ter acontecido na vida real; era como se meu cérebro estivesse me testando, me desafiando a discernir entre sonho e realidade. Numa certa noite, sonhei que recebia uma mensagem da minha mãe pedindo que eu entrasse em contato urgentemente; quando liguei para ela (às sete da manhã), ela não fazia ideia do que eu estava falando. Em outra ocasião, sonhei que havia deixado a torneira da banheira aberta, o que me fez acordar em pânico e correr para o banheiro com a certeza de que encontraria um desastre — só para descobrir que nada havia acontecido.

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Fui me acostumando aos poucos. Aprendi a analisar meus sonhos com mais cuidado. Pensava com cuidado no que havia feito na noite anterior. Depois disso, os sonhos mudaram mais uma vez. Duas semanas depois de começar a tomar o Dream Leaf, tive meu primeiro sonho lúcido.

Sonhei que havia dando um bolo num amigo com quem eu iria ao teatro. Eu havia esquecido o compromisso e ido para um bar com outros amigos. Essa detalhe veio da vida real — eu realmente planejava ir ao teatro naquela semana. Enquanto a eu-do-sonho entrava em pânico e ligava para meu amigo, pronta para me desculpar, notei que a rua estava um pouco estranha; alguns prédios eram iguais aos da rua onde trabalho e outros, da rua onde moro. Percebi que estava sonhando e logo lembrei do Dream Leaf, das minhas noites cheias de sonhos confusos e das minhas tentativas frustradas de ter sonhos lúcidos. Foi uma experiência bizarra, no melhor estilo A Origem; era como se minha vida, meus sonhos e minhas memórias estivessem sobrepostas de um jeito inédito. Quando entendi que aquilo era um sonho, decidi fazer o que sempre faço nessas situações — voar. Depois de alguns segundos voando, acordei.

"É como montar um móvel. Você pode acelerar o processo usando uma parafusadeira, mas se você jogar as instruções fora, nunca saberá o que está construindo".

Não me senti tão empolgada quanto da primeira vez em que tive um sonho lúcido. Era como se eu trapaceasse. Alguns dias depois entrei em contato com Ian Wallace, um psicólogo especializado em sonhos que conheceu o Dream Leaf por meio de alguns pacientes. Wallace vê esse tipo de suplemento com maus olhos. "Não entendo o impulso de tomar substâncias que prometem alterar o funcionamento do cérebro", disse. "Como o cérebro é um sistema extremamente complexo, qualquer substância pode ter efeitos devastadores. Para quem toma qualquer tipo de remédio controlado, tomar hidroxitriptofano é uma péssima ideia. Além disso, esse tipo de suplemento pode impedir que você tenha sonhos lúcidos naturalmente."

Jared Zeizel, autor do livro A Field Guide To Lucid Dreaming: Mastering the Art of Oneironautics, já tomou suplementos parecidos, mas concorda que eles não são uma solução mágica para quem quer controlar seus sonhos. "Não existem atalhos para um sonho lúcido", disse. "Algumas pessoas têm sorte de ter sonhos lúcidos recorrentes; se esse não for seu caso, e se você estiver treinando para ganhar essa habilidade, esses suplementos só atrapalham. É como montar um móvel. Você pode acelerar o processo usando uma parafusadeira, mas se você jogar as instruções fora, nunca saberá o que está construindo".

Quando narrei minha experiência, Wallace sugeriu que o ato de tomar as pílulas pode ter mais efeito do que os ingredientes em si — o famoso efeito placebo. "Ao tomar esse remédio, você está criando um ritual", ele disse, explicando que qualquer tipo de ritual que envolva o ato de dormir pode melhorar a qualidade do sono.

Wallace e Zeizel insistem que a única forma de se tornar um sonhador lúcido é por meio do processo de tentativa e erro que eu havia testado há alguns anos. De qualquer forma, pegar um atalho para meus próprios sonhos sem aprender nada sobre mim no processo me deixou um pouco insatisfeita. Meus dias são cheios de soluções rápidas — comida congelada, Uber, aplicativos de malhação. Mas fazer isso com meus próprios sonhos é ir longe demais.

Tradução: Ananda Pieratti