​Trump acha que a NASA deve estudar todos os planetas, menos a Terra
A Terra, capturada pela nave DSCOVR da NASA. Crédito: NASA/NOAA.

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​Trump acha que a NASA deve estudar todos os planetas, menos a Terra

Para o futuro presidente dos EUA, entender as consequências climáticas da Terra é algo 'muito politizado' e não deve ser incentivado.

A Terra é o planeta em que vivemos – acho que nisso todos podemos concordar, certo? Pois bem, compreender sua dinâmica complexa é fundamental para a continuidade da civilização humana em nosso planeta, e além dele. Por isso, a NASA passou a ultima década investindo pesadamente na Divisão de Ciências da Terra, com o apoio da administração Obama. Uma frota crescente de sofisticados satélites de observação do planeta se distinguiu nos estudos de mudanças climáticas, desastres naturais, aumento do nível dos oceanos e outras questões importantes que impactam a todos que calharam de morar na Terra.

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O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, está começando a moldar uma visão diferente para a NASA, especialmente a respeito das ciências da Terra. De acordo com o ex-congressista Robert Walker, conselheiro para as políticas espaciais de Trump, os programas de observação da Terra estão muito "politizados" e precisam ser reduzidos.

"Nós vemos a NASA com um papel de exploração, e nas pesquisas no espaço profundo", contou Walker ao Guardian. "É melhor que a ciência voltada para a Terra fique a cargo das outras agências que tenham isso como missão principal. […] Eu acredito que pesquisas sobre o clima são necessárias, mas elas estão muito politizadas, o que estraga muito do trabalho dos pesquisadores. As decisões de Trump serão baseadas em ciência dura, não em ciência politizada."

Ha muito a ser analisado aqui, então vamos começar pelo que Walker quer dizer com "outras agências". Antes das eleições, Walker sugeriu que a administração de Trump redirecionaria os esforços de observação da Terra da NASA para a Administração de Atmosfera e Oceania Nacional (sigla em inglês NOAA), o braço governamental responsável por monitorar as condições dos mares e do ar. A Fundação Nacional para a Ciência (sigla em inglês, NSF) também foi considerada uma agência federal possível para assumir as ciências da Terra.

A NOAA e a NSF financiam trabalhos importantes, porém, elas recebem o equivalente a uma pequena parte do orçamento anual da NASA para suas pesquisas. Além disso, as duas agências já dependem de parcerias com a NASA para estudar a Terra do espaço, pois nenhuma das duas dispõe de dinheiro e instalações de voos espaciais se precisarem continuar seus projetos sem o auxílio da NASA. Essa ideia parece uma tentativa de varrer as ciências da Terra para baixo do tapete administrativo. Até o momento, Walker não elaborou sua estratégia para além do "haverá alguns ajustes orçamentários" no que diz respeito ao rearranjo das ciências da Terra para outras agências.

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Para se ter uma ideia, as ciências da Terra estiveram às margens dos interesses da NASA desde o inicio da agência com o presidente Dwight Eisenhower. Foi somente com o NASA Authorization Act de 1985, durante o governo de Ronald Reagan, que a agência focou nas ciências da Terra como um objetivo definido. Em 1986, o conselho consultivo da NASA publicou um plano detalhado de sua nova divisão de observação, quel solicitou a colaboração com a NOAA e a NSF. A NASA assumiu a liderança no fornecimento das estruturas em voos espaciais para as observações de satélite da Terra, enquanto a NOAA e a NSF forneceram apoio em projetos selecionados.

Como as ciências da Terra se tornaram controversas ao longo das décadas – particularmente as pesquisas relacionadas às mudanças climáticas – surgiram alguns conflitos questionando se as diretivas principais da NASA deveriam ser restritas a "atividades relacionadas ao espaço sideral em vez de trabalhos relacionados à Terra", como Walker escreveu em um editorial aberto para a SpaceNews em 19 de outubro. Não é um novo ângulo para o partido republicano. No inicio de 2015, por exemplo, o senador republicano Ted Cruz, ex-rival da corrida presidencial de Trump, lamentou que o presidente Obama tenha "tirado fundos [da NASA] para o aquecimento global em vez de priorizar a missão principal da NASA".

Esse argumento se baseia na negação da relevância das ciências da Terra para a ciência espacial. Conforme Charles Bolden, administrador da NASA apontou para Ted Cruz, no ano passado, a Terra está, de fato, localizada no espaço. Mesmo pondo de lado a urgência em monitorar os efeitos globais da atividade humana em nosso ambiente, o planeta é uma pedra de Rosetta para a identificação de padrões e de compreensao de mundos alienígenas. É nossa amostra de pesquisa, e a mais valiosa de todas. De fato, observar a Terra do espaço é há muito tempo considerado profundamente revelador e significativo, porque expõe a fragilidade de nosso planeta e seus habitantes.

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As missões de observação da Terra não só monitoram problemas ambientais graves que impactarão as pessoas independentemente de suas visões políticas, mas esses esforços representam as plataformas de tecnologia de ponta que encorajam inovações em muitos campos emergentes.

Como exemplo, veja a nave GOES-R, lançada no mês passado, o satélite para o clima mais avancado que existe, com o sistema de previsão do tempo mais preciso presente no espaço. Do monitoramento de tempestades a projeções do clima em longo prazo, a GOES-R será uma central de dados. Veja também a nave ICESat-2, a ser lançado nos próximos dias, que terá diversas aplicações para grupos de pesquisa multidisciplinar, incluindo a Marinha dos EUA. E veja também a DSCOVR, um satélite em conjunto entre a NOAA e a NASA, lançado em 2015, o qual captura imagens da Terra a uma distância de um milhão de milhas, de onde dispõe de uma vista da parte iluminada de nosso planeta; isso permite que ele meça nível de ozônio, o aerossol atmosférico e a ameaça de grandes chamas solares.

Pois bem, lembre-se de toda a frota de missões de observação da Terra da NASA, pois esses projetos pioneiros podem se perder ao longo da administração de Trump. O que poderá abrir um precedente para que outros países tirem os EUA da liderança em um dos campos mais prementes do século 21.

"A Agência Espacial Europeia e os ministérios do espaço do Japão, da China e da Índia não vão desistir das ciências da Terra a partir do espaço", afirmou Jeff Dozier, cientista ambiental da Universidade de Santa Barbara, nos EUA, para a Scientific American.

Enquanto houver espaço para debates para melhor direção das ciências da Terra nos EUA, jogá-las como "monitoramento ambiental politicamente correto", nas palavras de Walker, é injusto e potencialmente perigoso. A Terra é o planeta em que vivemos, e os cientistas concordam que os humanos estão o destruindo. Agora não é o momento para desviar nosso olhar.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri