A busca de uma mulher para catalogar uma década de arte de rua em Nova York
Foto principal: Mural de Os Gémeos e Bboy6.

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Entrevista

A busca de uma mulher para catalogar uma década de arte de rua em Nova York

A fotógrafa Katherine Lorimer conta como fez pra lançar um livro com imagens de uma década de graffitis em Nova York.

Mural d'Os Gêmeos e Bboy6. Todas as fotos cortesia de Katherine Lorimer.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Sites de compartilhamento de fotos como Flickr e Instagram representaram um boom para os grafiteiros e pixadores, além de documentaristas obcecados em explorar a subcultura em tempo real. Até certo ponto, esses fotógrafos se tornaram o rosto da comunidade que geralmente prefere ficar no anonimato. Alguns deles, como a fotógrafa do Brooklyn Katherine Lorimer, AKA Luna Park, até alcançaram o mesmo nível de visibilidade dos artistas cujo trabalho capturam.

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O novo livro de Lorimer, (Un)Sanctioned: The Art on New York Streets (lançado pela Carpet Bombing Culture), e um diário visual que conta todos os quilômetros que ela andou por bairros da cidade que hoje estão mudando rapidamente. Ela encontrou tanta beleza num mural complexo quanto numa tag ilegal, e nunca perdeu de vista o contexto urbano e humano na qual a arte fora da lei de Nova York está incorporada. O livro dela também apresenta conversas com vários artistas, curadores e ativistas conhecidos sobre arte em espaço público. A doença e morte de seu parceiro, o fotógrafo, artista e explorador Peter Carroll, a levou a repensar o modo como abordava seu ofício, mas no final apenas fortaleceu sua dedicação à arte que preenche o mundo ao seu redor.

Me sentei com Lorimer na sua cozinha no Brooklyn, em Nova York, para saber mais sobre o livro, seus hábitos obsessivos por fotografar e a paisagem sempre em mutação da arte urbana e graffiti de Nova York.

KUMA, HERT.

VICE: Como você se envolveu com fotografia de arte urbana e graffiti?
Katherine Lorimer: Eu morava em Greenpoint. Um dia, andando pelos armazéns à beira-mar, vi o rosto de uma mulher numa porta. Eu não sabia na época, mas era uma obra do Swoon [artista do Brooklyn]. Percebi que tinha muita coisa exposta nas portas e nas laterais dos prédios, e comecei a fotografar o que via. Isso coincidiu com o começo da minha conta no Flickr, então passei a postar essas fotos no site. Depois de alguns meses no Flickr, comecei a sentir que havia uma comunidade ali.

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Diferente de hoje, quando tudo vai parar no Instagram antes de a tinta secar, na época era uma questão de colocar meus sapatos confortáveis e decidir "hoje vou andar até Kent, seguir meu instinto, olhar todos os becos para ver o que tem lá". Era incrível, porque eu não tinha nenhum preconceito, nenhuma ideia preconcebida tipo "ah, eu devia fotografar isso", "essa pessoa vai ficar feliz se eu fotografar isso" ou "não gosto dessa pessoa, então não vou fotografar aquilo" — toda a bagagem que vem de conhecer a cena um pouco melhor. No começo, era uma questão de determinação, andar por aí, dar sorte e se divertir.

O que te manteve comprometida em documentar essas subculturas?
Em certo ponto, percebi por mim mesma que o processo de sair e procurar por arte era uma forma de meditação. Eu conseguia deixar de lado todo o estresse do trabalho e focar em apenas uma coisa. Em certo sentido, caminhar e fotografar é uma forma de automedicação, mas muito viciante. É algo que me deixa muito feliz. Peguei a era de ouro da arte de rua, do meio ao final dos anos 2000, antes que eles começassem a demolir tudo para construir prédios chiques, e antes da arte urbana ser arrastada para o mainstream.

ADEK, JADE, NEKST.

Que papel as redes sociais têm para você como fotógrafa?
O Flickr foi realmente uma educação básica para mim, porque eu não sabia nada no começo. Você procurava "street art NY" ou "graffiti Brooklyn" e descobria que isso era um SKUF ou um Faile. Já tinha um grupo de pessoas que eram o cerne dos paparazzis do Flickr. Ter estudado biblioteconomia me ajudou quando comecei a interagir no Flickr — as pessoas que decidi seguir, as pessoas que eu sentia terem autoridade em seu conhecimento da cena, bons fotógrafos. Em certo ponto, tornei meu objetivo que o arquivo que eu estava lentamente começando a construir um dia seria uma fonte com autoridade, pelo menos desse período em particular, de 2005 para frente. Era importante para mim que se eu fosse postar alguma coisa, tinha que ser a melhor foto possível, que todos os artistas fossem identificados corretamente e tagueados, e que deveria haver algum tipo de relevância.

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Fazer o melhor trabalho possível — não querendo dizer que as outras pessoas não estavam fazendo um bom trabalho — era a razão para manter minha conta. As pessoas te seguem quando você define o nicho onde quer ser ativa, aí você precisa seguir as pessoas certas e tem que se certificar de postar as coisas corretamente, conteúdo relevante e bom, regularmente. Você quer saber como era o trabalho de estêncil no Brooklyn em 2008? Tenho uma seleção deles aqui.

Faile.

No livro você condensa dez anos de fotografia em menos de 200 páginas. Como você decidiu o que entrava e o que devia cortar?
Passei pelo meu arquivo inteiro sem nenhuma noção preconcebida de quem deveria estar no livro, fiz uma primeira seleção e acabei com três mil fotos. Uma das perguntas que eu sempre acabava fazendo era "uma foto ótima de um trabalho não tão bom de um artista, ou uma foto não tão boa do melhor trabalho de um artista?" Infelizmente, nesse caso, fotos ótima superavam tudo. Aí peneirei a lista para umas 150, 200 pessoas que eu achava que precisavam estar representadas no livro. Também tentei balancear coisas do lado mais ilegal do espectro, com tags de graffiti, estilos de desenho, throws, etc., e arte urbana ilegal, com instalações estranhas, apropriação de propaganda e murais.

Como a arte urbana em Nova York mudou desde que você começou a documentá-la?
Quando comecei a documentar arte de rua em 2005, já havia pessoas estabelecidas na cena, como Swoon, Faile, Shepard Fairey, e gente ativa desde os anos 90. Pessoas com background no graffiti. Elas ainda estavam ativas porque eram apaixonadas pelo graffiti. Quando Banksy lançou Exit Through the Gift Shop, a arte de rua foi jogada no mainstream. Há muito mais gente ativa agora, mas talvez porque alguns veem isso como uma mola para uma carreira nas galerias e na arte.

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Você costumava ver galerias que atendiam o público da arte de rua e do grafite, e elas acabaram forçadas a sair do mercado por causa do aumento nos preços dos imóveis. Eram galerias que atendiam diferentes preços [como Factory Fresh e Ad Hoc em Bushwick]. É importante que haja galerias de vários níveis, porque isso fornece um apoio aos artistas na construção de suas carreiras. As pessoas que estão expondo em galerias estabelecidas hoje, se fizeram do jeito certo, foram construindo suas carreiras gradualmente.

Obra de Mr. Brainwash numa rua pouco movimentada de NY.

Como você se sente sobre a arte urbana de Nova York hoje em dia?
Não vejo quase nenhuma arte de rua boa — "boa" significando algo que não sinto que estão tentando me vender, "boa" significando não a mesma coisa spameada em todos os poucos pontos de graffiti que sobraram. Vejo pouca arte original feita com boa localização em mente e que realmente ousa dizer alguma coisa. Alguém acha que teve uma ideia brilhante, e sabe de uma coisa, todo mundo já fez isso antes. Mash-ups da cultura pop com Disney. Qual é? Tenha uma ideia original!

A arte urbana atingiu seu limite?
A pessoa certa com uma ideia certa ainda pode fazer ondas. Talvez isso não esteja acontecendo em Nova York agora por causa da situação econômica, que dificulta viver um estilo de vida criativo. Sempre me dizem na internet: "Tente a América do Sul, o Leste Europeu, Berlim, você vai achar trabalhos mais interessantes!"

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Você escreveu na introdução do livro que o graffiti é "menos suscetível a ser cooptado" pela comercialização. O que os artistas de rua podem aprender com os grafiteiros?
O graffiti tem uma ética de trabalho muito forte. A ideia é trabalhar e achar novos pontos, estar consciente de seu ambiente, não apenas concentrar suas coisas no primeiro muro bom que aparece. Você tem que pensar na origem do graffiti, ser sensível à sua imensa história. Muita gente chega dizendo "ei, sou um artista de rua!" e faz algumas colagens, mas não tem a menor ideia da história do que veio antes. A arte de rua é uma coisa completamente diferente do graffiti.

You Go Girl, NEKST.

O graffiti, e a arte de rua numa extensão menor, tende a ser dominado por artistas homens. Você acha que traz uma perspectiva diferente para a cultura como fotógrafa mulher?
Já me disseram que por ser mulher, eu não tinha nada que estar fazendo isso e não sabia do que estava falando, e isso me estimulou ainda mais. Senti que tinha que trabalhar ainda mais para ganhar algum respeito. Não levo isso para o lado pessoal, as coisas são assim.

A arte de rua está mais receptiva para as mulheres?
Está mais receptiva para mim. Foi por aí que entrei na cena, por meio da arte de rua, e algumas pessoas imediatamente me cortaram como uma fotógrafa apenas de arte de rua. Mas meu interesse está mais próximo do grafite agora que no começo.

Qual foi sua abordagem para documentar as mudanças na arte de rua nos últimos dez anos?
Alguns anos atrás eu tomei a decisão, principalmente porque meu parceiro Peter estava doente e eu tinha que usar meu tempo com sabedoria, de que eu ia me concentrar nas coisas que realmente me interessavam. Foi libertador. Praticamente parei de escrever no meu blog, porque você acaba entrando nessa roda de hamster de criar conteúdo, fotografar, editar, postar, promover, repetir.

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Essa experiência de apenas sair e fotografar o que eu gostava, e estar aberta a descobrir alguma coisa, é algo que só experimento fora de Nova York agora. Quando viajo, não sei o que vai estar virando a esquina e não vi nada no Instagram antes. Esse com certeza é um dos maiores benefícios de entrar para a fotografia de rua e do graffiti — isso me levou para lugares de Nova York (e além) que eu nunca visitaria normalmente. Se você vê a vida por esse filtro, a cidade é um lugar muito diferente.

SP ONE.

Arte de rua e gentrificação andam lado a lado?
Os proprietários e desenvolvedores imobiliários mais experientes já sacaram que ter um mural em seu prédio ou um distrito de graffiti pode fazer maravilhas pelo preço de um imóvel. A questão de se vender no mundo do graffiti é muito delicada — a ideia de ser leal a uma forma de arte que está enraizada na ilegalidade, mas ganhar a vida com base nas habilidades que você acumulou na vida fazendo isso. Artistas como Steve Powers [AKA ESPO] e Greg Lamarche [AKA SP ONE] nunca esqueceram suas raízes, mas também conseguiram carreiras comerciais de sucesso sem comprometer seus ideais. "Superar" [uma ideia popularizada pelo grafiteiro Steve Powers no livro The Art of Getting Over] pode significa que você pinta toda a lateral de uma garagem no Brooklyn, vende todos os seus desenhos e direitos para marcas que querem trabalhar com você, e ser experiente o suficiente para não ser chamado de vendido. Não é fácil, mas é possível.

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O que você gostaria que alguém não familiarizado com arte de rua e graffiti tirasse do seu livro?
Primeiro e principalmente, a amplitude do trabalho sendo feito nas ruas. Para mim, essa é a maior fonte de entretenimento grátis. Você não precisa pagar $25 para ir ao Whitney ou ao MoMA, você pode andar por aí e ver vários estilos e meios a céu aberto. Esse trabalho fez de Nova York o lugar onde quero morar. A paisagem urbana vibrante da cidade tem sido ameaçada pela gentrificação nos últimos cinco, dez anos. Estamos vendo uma homogenização da paisagem, onde você tem esses prédios sem alma indo subindo até céu, com nada no exterior — esses blocos estão mortos para mim. De certa maneira, esse livro mostra uma Nova York que quase sumiu completamente, mas bolsões dela ainda existem. E isso também existe em outros lugares, e eu gostaria que o livro sensibilizasse as pessoas para abrirem os olhos e enxergarem sua cidade sob uma luz diferente, e talvez não pensarem mais "que rabisco horrível na parede é esse?", mas apreciar essa arte pelo que ela é.

Veja mais fotos do livro abaixo.

(Un)Sactioned: The Art on New York Streets está disponível aqui . Siga a Lorimer no Instagram .

Jay Mock é o fundador do Carnage NYC e vem documentando o graffiti em Nova York e no mundo há dez anos, publicando vários zines e livros. Siga o cara no Instagram .

Tradução: Marina Schnoor

JA, RANCEROUS, PHONOH, TRAP.

Elbow-Toe, READ.

KATSU, READ, COUPE, EYE.

BAST.

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