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Entretenimento

The Hoff, Samantha Fox e a eurodance dos anos 80 e 90 a acelerarem no Algarve

Ficámos marafados com a algaraviada de acontecimentos memoráveis no Acceleration 2014.
David Hasselhoff

Estou à janela de um contentor cinzento à espera para fazer um pagamento quando se dá uma explosão electrónica. [Puntzzzzzzz] Os decibéis do estrondo captam de imediato a minha atenção. Olho para a minha esquerda e vejo surgir num ecrã gigante um conjunto de imagens narradas por uma voz cavernosa, como o anúncio de um filme. Recordo-me de ouvir várias palavras que logo identifico: Baywatch, Knight Rider, “Kit, let's turbo boost!”, “Don’t Hassel the Hoff”.

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Passam alguns segundos, a imagem no ecrã fica negra para, logo a seguir, disparar mais uns feixes de luz. Irrompem quatro figuras femininas, vestidas com fatos-de-banho vermelhos e amarelos, a condizer com as bóias de salvamento que trazem nas mãos, movimentando-se sensualmente enquanto, no centro, uma figura imponente, de casaco vermelho e microfone na mão, canta num desafino perceptível a abertura da mítica série televisiva Marés-Vivas. “Some people stand in the darkness / Afraid to step in the light…”. É David Hasselhoff quem está na casa.


Vê: "Devoção, entusiasmo e loucura. Um documentário sobre o que é ser fã de música"


Nunca esquecerei as oito da noite do dia em que Portugal celebra os 40 anos sobre o 25 de Abril. Regozijo a minha liberdade com, provavelmente, o melhor interlúdio de um festival que alguma vez assisti. Que grandiosa entrada do homem que deu vida à personagem Mitch Buchannon e que hoje é o host do festival Acceleration 2014, erguido no parque de estacionamento do Autódromo Internacional do Algarve, situado entre colinas verdes e desertas nos arredores de Portimão. O sentimento será partilhado com as pouco mais de 1.500 pessoas que ignoraram o inesperado frio e vieram assistir ao desfilar das vedetas dos one hit wonders da eurodance das décadas de 1980-90, como Hasselhoff, Samantha Fox ou 2 Unlimited. Nesta altura já estou na primeira fila, embasbacado com tal festejo de abertura.

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O evento começou cerca de duas horas antes, com um repertório de músicas que marcaram uma era. Ouviu-se Michael Jackson, Queen e até Nirvana. O programa do Acceleration 2014 indicava que a pré-festa estava a cargo de uns DJ’s, mas estes não se vislumbravam no palco — havia uma playlist que fazia as vezes dos animadores de serviço. Já no interior do recinto dirigi-me até à primeira grande atracção: o KITT - ou o carro metade humano, metade Transfomer da série televisiva Knight Rider. Com a dianteira bico-de-falcão, engalanada com o neon vermelho e o interior completamente modificado para dar vida à máquina, El Coche Fantasma, como se lê na t-shirt do homem que puxa o lustro ao KITT, é motivo de selfie.

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Faltava meia hora para o arranque do festival quando me dirigi para a frente do palco. Para trás de mim ficou o KITT e a zona VIP, povoada de estrangeiros embriagados, que bamboleiam flutes de champanhe pelo ar e berram monossílabos. Desviando-me das poucas pessoas com quem me cruzo, encontro novos e velhos, hipsters, motards, estrangeiros, geeks, a fanbase de Hasselhoff, com t-shirts “Don’t Hassel the Hoff” e outras totalmente fluor — meias fluorescentes estilo Jane Fonda, saias de rede da mesma cor e adereços espampanantes. Uma algaraviada de gente que não permite descortinar um estereótipos único.

“We’re going Hoff nuts, because I’m Hoffalicious!”. Assim promete David Hasselhoff, a fechar a entrada de rompante e a anunciar a primeira actuação de uma noite cuja expectativa rebentou com a escala. Os Twenty 4 Seven (T4S) entram em palco ao som de “Everybody Dance Now” dos C & C Factory. Num palco dividido a meias, a vocalista, loira Barbie, destaca-se com um vestido de cabedal branco, de umbigo ao léu e dois triângulos brilhantes nos ombros. O primórdio que abriu caminho para a extravagância desinteressante de Lady Gaga. Segue-se “Slave to the Music”, êxito dos T4S de 1993 e “Put Your Hands Up (In The Air)”, dos The Black & White Brothers.

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Agitando-me compenetradamente nos beats que sopram dos subwoofers que estão mesmo à minha frente, vagueio pelas memórias de infância. Estes sons pouco me dizem, ainda não tinha uma dezena de anos nesta época. Mas, desenham-se na minha mente as visitas com a minha mãe, aos sábados, ao velho mercado do Cacém, em que pequenas bancas cobertas escondidas no interior de tendas protegidas por lençóis vendiam e tocavam cassetes de música pimba e umas quantas colectâneas internacionais. Numa altura em que ouvia a brasileira Rádio Cidade, não resisti a uma birra para comprar uma cassete do programa de música electrónica da emissora, o Electricidade. Era lá que estavam estas músicas, embora só tenha ouvido a cassete uma única vez, e nem me recorde de ter passado do primeiro som. O paradeiro desta é desconhecido.

Twenty 4 Seven estão em palco cerca de 15 minutos. O sistema de actuações está desenhado para os artistas tocarem um pequeno medley, sem interrupções. Entre as perfomances há um intervalo de dois minutos, ilustrado com vídeos que recordam efemérides culturais das últimas décadas do século XX. De seguida regressa Hasselhoff, com uma qualquer vestimenta nova — agora está com uma t-shirt branca com a estampagem de uma mulher em fio dental — a chamar nova dupla ao palco. À segunda é Turbo B / Snap, que tem uma introdução bruta: “I’ve Got the Power”, de 1990, é o hit maior e o vocalista de Snap mostra que, ainda no aquecimento, se pode dar cabo de qualquer coisa. Pega no tripé do microfone, coloca atrás do pescoço, dobra-o em dois e atira-o palco fora, ao mesmo tempo que fumaças de ar comprimido são disparadas para o ar.

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A actuação de Snap dissipa as dúvidas: sem qualquer banda ou DJ por detrás dos artistas, o sons que estão a passar vêm, de facto, de uma aparelhagem. É audível o playback dos artistas, pois as vozes estão enferrujadas e até o responsável do som tenta dar o menor estrilho possível: vai subindo e descendo o volume do microfone para, numas ocasiões se sentir a voz ao vivo e, noutras, a música original por detrás. Nada que estrague a festa, dado que terá sido, de todos os concerto que vi até ao momento, aquele que melhor conseguiu puxar pelo público: todos saltam, gritam, esbracejam. Principalmente uma mulher atrás de mim, que à porta dos 70 anos, pula como uma jovem a saltar à corda e manda uns manguitos para as câmaras fotográficas.

DJ Sash é o terceiro artista da noite e, porventura, o menos entusiasmante. Gira discos conhecidos, mas mais voltados para o electro e o techno martelado. Um aquecimento para a mais aguardada das presenças da noite: Samantha Fox. Aquela que foi um ícone sexual para a geração que agora tem 30 anos, com produções ousadas para a Penthouse e vídeos onde mostra toda a sua nudez saudável, surge em palco com um corpete que já não consegue esconder as poucas curvas que tem nesta altura. Loura como se lhe conhece, canta quatro clássicos do seu rol comercial com uma voz desafinada, tendo o apoio de uma cantora, que se posiciona atrás dela, e de duas bailarinas, que ginasticam tal como a Samantha Fox dos tempos áureos.

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“Touch Me”, de 1986, leva o público ao delírio e é nesta fase que se compreende tudo o que está em jogo. Há playbacks, há cantorias fora de tempo, há músicas a tocar por detrás. Mas, também há uma experiência única junto de figuras que foram mundialmente influentes na música e que hoje perderam o brilho da sua estrela. Contudo, ao longo de todo o festival, pairou no ar o despretensiosismo que por vezes não encontramos nos concertos modernos. Não será fácil deixar de ser uma vedeta internacional de uma década para a outra, mas todos os que subiram ao palco entregaram-se ao puro entretenimento e terá sido aqui que o Acceleration 2014 se tornou numa das melhores festas a que alguma vez assisti.

As actuações que relembram a boa velha Kadoc seguem com Hasselhoff de camisa havaiana a cantar “Limbo Dance”, de 1990, enquanto alguns presentes sobem ao palco para se juntarem à festa. A abertura ao público foi impressionante, num clima de proximidade, com “Hoff” a alinhar em selfies e até a gravar um vídeo com o público a desejar os parabéns a um amigo via Twitter. A interacção foi palpável.

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Haddaway, acompanhado por uma cantora sueca, certamente recrutada por David Hasselhoff no talkshow que apresentou no país nórdico, apresentam-se no palco e eis que se dá o ponto alto do espectáculo. Numa actuação sem playbacks, o êxito “What is Love” (que contou com “Hoff” fora de tempo no refrão), de 1993, mexe com os presentes que em sintonia gritam, batem palmas, pulam, perdem-se nos anais do tempo em que o eurodance os acompanhava para todo o lado nos quadrados walkman. Já no final da actuação e depois de confessar que gosta de mulheres baixas, porque se encaixam em variadas posições sexuais, Haddaway anuncia: “This is the motherfucking song of the 80s”. E surge uma versão remisturada de “Relax" (1983), de Frankie Goes to Hollywood.

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David Hasselhoff está de regresso com um aprumado blazer roxo. Antes de finalizar a parada de one hit wonders, canta “Looking for Freedom”, o que faz todo o sentido na celebração do Dia da Liberdade. Por fim, entram em palco os 2 Unlimited, que tiram partido de serem os últimos para estender a festa mais alguns minutos. O duo pauta-se por um tech-rap mais acelerado e “pica miolos”, a fazer lembrar a banda sonora do filme Street Fighter (1994). “Twilight Zone” foi a música mais vibrante, até porque foi acompanhada de jactos de fogo, descarregados por bocas metálicas nos limites do palco e bazucas de confettis.

O dia maior do Acceleration 2014 terminou com Xutos e Pontapés, mas poucos terão sido os que ficaram para ver os rockers portugueses, pois a grande massa dos espectadores encaminhou-se para a saída no final dos festejos dos 80 e 90. Num festival em que as surpresas não cessaram e em que o alinhamento foi minuciosamente preparado, fica para a história a presença de marcantes estrelas do eurodance no deserto algarvio em performances for the fun, sem nada mais a provar.

Abaixo podes ver mais fotos do Acceleration 2014.

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