FYI.

This story is over 5 years old.

Música

A malta de Angola faz do Death Metal um acto de rebelião

Objectivo: reconstruir Huambo.

O facto mais surpreendente sobre a Angola é que, a capital, Luanda, consegue bater Moscovo, Oslo, Hong Kong, Tóquio e Melbourne como a cidade mais cara para estrangeiros. Porquê? Primeiro porque Angola é rica em praticamente todos os minerais existentes, do petróleo aos diamantes, passando pelo ouro. O país está a evoluir e fazer dinheiro como se não houvesse amanhã. Segundo, porque a maioria das infra-estruturas angolanas se desfizeram em pedaços depois da guerra civil que durou de 1975 até 2002 (com algumas pausas pelo meio para se reagruparem). Portanto se estiveres a procura de um quarto de hotel decente, terás de encontrar alguém que o construa.

Publicidade

É sobre o coração da terceira maior cidade de Angola, Huambo, que o filme

Death Metal Angola

 de Jeremy Xido, se debruça. É neste lugar, antigamente chamado de “Nova Lisboa”, que os colonos portugueses pensaram construir as suas casas, com estilos elegantes e tornar a cidade na futura capital de Angola. Huambo era como Sarajevo, ocupada durante meses, atacada diariamente. As pessoas começaram a enlouquecer por volta de 1998. Sónia, a heroína do filme, uma dona de um orfanato, relembra que “havia pessoas a vaguear pelas ruas durante dias eternos, pessoas que simplesmente não tinham para onde ir”. Actualmente, ainda toma conta de cerca de 50 crianças que ficaram sem pais nos últimos dias da guerra. A revolta de Sónia contra a sociedade é intensa. O seu namorado, o metaleiro Wilker, quer começar o primeiro festival de Death Metal do país numa ilha de relva no meio da cidade. Foi isso que permitiu a Xido arrancar com o

Death Metal Angola

.

O Jeremy conheceu o casal por mero acaso, quando estava a meio das filmagens de um documentário sobre os trabalhadores ferroviários chineses. Num café, um gajo com rastas e uma t-shirt azul da Oxford aproximou-se dele. Falaram um pouco e, antes que se apercebesse, o Jeremy já estava a ser levado para um concerto na parte de trás de uma carrinha, apenas com um gajo e um gerador para a luz. Foi aí que ele encontrou o seu novo projecto.

Eu encontrei-me com ele depois do festival de documentários em Copenhaga, quando estava a caminho de Angola para estrear o filme lá.

Publicidade

VICE: Olá, Jeremy. Huambo parece estar destruída no teu filme. Há alguma coisa que ainda valha a pena ser salva?

Jeremy:

 A maioria dos projectos de reconstrução, são feitos em Luanda. Eles estão a tentar transformar aquilo em algo parecido com Miami Beach. Huambo sofreu mais que todas as outras cidades mas não tem o mesmo investimento. Agora já estão a começar a reconstruir as antigas construções portuguesas, mas estava mesmo tudo lixado. É uma pena. Antigamente, era uma cidade linda.

Como é o relacionamento dos angolanos com a Internet? Imagino que foi isso que tornou a cena do Metal possível.

A Internet ajudou na criação da cena por lá, sem dúvidas. Permitiu-lhes aprender que há realmente outras pessoas lá fora, noutras cidades, mas que pensam da mesma maneira. Por causa da guerra civil, a comunicação por dentro do país estava destruída. Antes da guerra, conseguias conduzir de Benguela até Luanda numa tarde, agora, depois da guerra demoras dois dias. No interior do país os cabos de rede e telefone desapareceram. Na costa, os fios de fibra óptica ainda lá estão. Mas no interior, não podiam meter cabos mesmo que quisessem porque está tudo cheio de minas. Em áreas muito pobres há pessoas que tentam desarmar as minas porque pensam que tem cobre lá dentro e que o podem vender.

Então qual foi a solução?

Para acederes à Internet só por satélite. Com facilidade arranjas uma pen que funciona como antena. E isso fez toda a diferença. Estamos a falar de um país onde ainda hoje é muito difícil enviar uma carta a alguém. Na maior parte das zonas não existem correios. Mas toda a gente tem um e-mail. Hoje em dia, estão todos no Facebook. Hoje em dia é lá que se encontram as pessoas. Isto fez com que fosse mais fácil criar um evento, marcar um concerto, etc. Foi e continua a ser extremamente importante para a cena do Metal.

Publicidade

A mim parece-me que o Death Metal Angola parece-se muito com

Heavy Metal em Baghdad, concordas

?

Sim, acho que se trata de música inesperada, num sítio inesperado, bastante exótico até. Mas a mim só me interessa contar a história destas pessoas. Acho que este tipo de música pode reflectir muito bem as histórias que eles têm para contar e as coisas pelas quais passaram. Num contexto nórdico, a maioria das letras seriam fantasmagóricas, talvez fizessem pouco sentido. Mas para estes gajos, devido ao que já passaram, reviver a dor extrema que se reencontra no metal, no contexto angolano, é quase jornalístico. É quase uma reportagem.

Sim, a melhor parte até nem tem tanto a ver com o Metal. Parece mais interesse perceber como as pessoas estão a tentar reconstruir qualquer tipo de cultura, num sítio onde a cultura foi completamente erradicada.

O que realmente me impressionou foi conhecer a Sónia, que gere um orfanato. É muito importante perceber que há algo mais em pegar fragmentos da história, e começar de novo. Tu podes criar uma história. Neste caso é a história deles a imaginar que tipo de cidade é que eles vão construir daqui a 20 ou 30 anos. Tem muitas parecenças com Detroit, cidade onde cresci. Aquelas pessoas olham em redor e pensam a longo prazo. Como é que a nossa sociedade vai ser daqui a 20 anos?

Já tinhas estado em África antes?

Não, como disse antes, cresci em Detroit. Para mim e para a malta do meu bairro, visitar África era algo enorme — acho que na altura não percebi que era branco. Mas nunca tinha tido uma oportunidade como esta, portanto Angola foi a minha primeira hipótese de sair.

Publicidade

Em Last Train To Zona Verde, Paul Theroux fala como a maioria dos americanos negros — os descendentes dos escravos — são descendentes de Angola — durante muito tempo, Angola foi o coração do mercado da escravatura. Que achas disso?

Estou de acordo. Cerca de 50 por cento de todos os escravos que foram para o Brasil eram de Angola. E 25 por cento dos que foram para os Estados Unidos eram de Angola também. O que quer dizer que praticamente todos que tiveram ancestrais escravos, são angolanos. Uma das maiores prisões dos Estados Unidos é chamado de “a Quinta”. É enorme e ainda hoje em dia chamam-lhe Angola. Culturalmente, é algo marcante.

Tu estás a usar o RocketHub para financiar um projecto que tem como objectivo levar as bandas de Death Metal de Angola para uma tour em varias cidades dos EUA como Detroit, Cleveland, Baltimore, Indiana, etc. Quem tem esta malta a ver com Detroit?

Tem tudo a ver com Detroit. Enquanto estive em Angola, notei semelhanças visuais entre as duas cidades. Lembrei-me muitas vezes do bairro em que cresci, sobretudo as elevadas taxas de criminalidade. Não cresci numa zona de guerra, mas a coisa que eu aprendi com a cena angolana é a resiliência, a capacidade de recuperar das adversidades. Então juntamo-nos com a Fulbright Association para ir a sítios nos EUA que foram mais atingidos pela industrialização. E vamos mostrar o filme como um trampolim que te dá um ponto de partida e fala sobre a reconstrução de uma sociedade.

Mas o Hip Hop ganhou esta batalha — é a linguagem mainstream dos EUA. O Metal parece um estilo adoptado por pessoal diferente.

É e sempre foi. É realmente fascinante para mim, nunca gostei desse estilo de música. Pensava que era o que os brancos dos subúrbios ouviam. Mas quanto mais trabalhava na temática, melhor percebi aquilo que se tratava. É algo que a classe operária ouve. E é uma questão de habilidades. Tens de ser muito bom para tocar Metal. Não tens de ser tão bom para começar uma banda de Punk. Há uma frase que se usa muito na aprendizagem que é importante no contexto angolano: algumas das pessoas mais inteligentes que conheci andam a tocar música por aí.