Wills Glasspiegel
A última vez que vi o RP Boo, ele estava todo contente tirando selfies enquanto andava pela ponte do Brooklyn. Foi no verão de 2013, e ele tinha acabado de ser demitido do seu quebra galho na Lowe's. Estava na cidade para fazer seu primeiro show em Nova York em 2013 — uma conquista que foi postergada por muito tempo, considerando que ele é amplamente reconhecido como o criador do footwork, um gênero ultra-cinético e baseado em samples que é a trilha sonora dos dançarinos de Chicago.Em outras palavras, muita coisa rolou na vida do RP desde que ele largou o trampo na Lowe's. Mas quando ele abre a porta do seu apartamento alugado no Brooklyn — onde fez um show chamado "Fathers of Footwork" (ou "Mestres do Footwork") em uma balada local com o DJ Spinn e Traxman — ele ainda está sorrindo ansioso como quando estava passeando pela ponte do Brooklyn. Nos sentamos na sua espaçosa sala. O barulho do metrô passando interrompe nossa conversa de vez em quando, mas o RP não parece se importar. Pergunto como ele se sente em relação ao impulso da sua carreira. Sua resposta é mais do que zen: "Tudo começou a mudar depois dos 40 anos. Eu não sacava isso na época, mas era a hora certa. Não estava no meu controle e era o que eu precisava fazer. E isto é sabedoria".No mês que vem, RP lançará seu próximo disco pela Planet Mu, intitulado Fingers, Bank Pads & Shoe Prints. O título originalmente era para ser Masterpiece, me diz ele, em continuidade com o Legacy e o Classics. Mas o produtor decidiu de última hora escolher um título que resume o que o footwork significa para ele: "Os pads que você toca na bateria, e as marcas de sapato que você deixa na pista de dança depois que tudo já se foi".O Fingers reúne novas faixas feitas após o Legacy e outras mais antigas que o RP fez no fim dos anos 90. Neste quesito, é mais próximo espiritualmente do Classics, na sua tentativa de contextualizar o footwork num espectro musical mais abrangente. "O que o Mie [Paradinas, fundador da Planet MU] fez com o Classics foi perguntar para várias pessoas ao redor do mundo, de onde veio o footwork?," RP diz. "Porque notamos que a Dance Mania [label de ghetto house lendária de Chicago] acabou na mesma época que o footwork surgiu, mas havia um gap. Eu tinha o que estava faltando".Essa síncope está presente do início ao fim no Fingers, mas melhor exemplificada nas faixas das antigas como a "Your Choice" (que vem acompanhada de um clipe lindo e abstrato que apresentamos com exclusividade logo abaixo), e "Ban'n On King Dr" — ambas produzidas no fim dos anos 90. A última é uma homenagem a Dr. Martin Luther King Jr. Localizada no lado sul de Chicago, é o nome de uma rua de aproximadamente 22 quilômetros que corta vários bairros de negros da cidade. Todo ano, a rua sedia um dos desfiles afro-americanos mais antigos dos Estados Unidos — uma tradição que também tem sido fundamental para a cena de footwork de Chicago. "No fim do desfile há um parque. Nós vamos até lá, fazemos um churrasco e dançamos", RP me diz. Por isso a letra "in the park we battle" (no parque nós lutamos), num loop em torno de samples de números de rua.RP alega que foi o primeiro a começar a discotecar nesses desfiles em meados dos anos 90. "Vi o House-O-Matics [um grupo de dança de Chicago o qual o RP Boo, Spinn e Rashad já fizeram parte e que serviu de modelo para o Teklife] no desfile com várias paradas de house music, e pensei comigo mesmo, 'eles são massa', ele se recorda. "Dois anos depois, conheci o presidente Ronnie Sloan, e ele disse, 'Ei, você pode discotecar para mim no desfile?".Faixas como "Sleepy", "Bang'n On King Drive," e "Heat From Us" tiveram sua estreia durante os DJ sets do RP nesses desfiles antes de ressurgirem no seu novo disco. "Eu estava num caminhão acompanhado de alto-falantes e turntables. Aquele legado existe até hoje. Isso é algo que eu construí", ele diz.Embora grande parte de Fingers seja um revival dos anos de formação do footwork, RP também usa faixas mais recentes para falar sobre o que está rolando hoje em dia. Em "Finish Line D'jayz", o refrão "motherfuck your favorite DJ" repete sem parar, tornando-se um ditado ameaçador contra a competitividade e as tretas entre os produtores de footwork em ascensão de Chicago.Quando pergunto ao RP como ele se sente em relação a globalização do footwork e as (inevitáveis) acusações de apropriação cultural, ele se limita a dizer: "Não há ódio fora de Chicago. O problema é interno. A galera de fora está querendo uma história, e é triste ter que dar respostas que eles não querem ouvir — sobre o lado negativo". Ele cita atritos e rivalidades entre vários DJs locais que eu não vou publicar aqui para poupá-los das picuinhas. "Tem muita treta rolando. Por que nós não gostamos desta pessoa? Eu não falei nada e não é da minha conta estar envolvido nisso", ele conclui, antes de mudar de assunto e focar no futuro. "Então agora estou lidando com gravadoras que estão por vir e quero que elas sejam capazes de me aceitar pelo que sou. Vou confiar e ser leal a elas. Mas lhes dar poder — isso eu não posso ter certeza. Não há nada tão garantido neste mundo".Enquanto mais um trem passa rugindo, o RP se espreguiça e levanta. Ele está decidido a andar pela ponte do Brooklyn antes do show — uma jornada que ele me diz ter se tornado uma espécie de ritual sempre que está em Nova York. Antes de cada um tomar o seu rumo noite adentro, ele se despede de mim com mais um pensamento: "Meus sorrisos são genuínos. Não estou contando vantagem — se posso fazer isso aos 40 e poucos anos, o que quero dizer é: não desista. Rashad não é Jesus, e eu também não sou".RP Boo está no SoundCloud // Facebook // TwitterMichelle Lhooq é editora assistente do THUMP e está no Twitter.Tradução: Stefania Cannone
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Durante esses dois anos desde o nosso último encontro, o footwork decolou. Teklife, o coletivo do qual o RP faz parte, se tornou referência entre os círculos undergrounds, com uma ligação estreita com a label britânica Hyperdub e ramificações tão vastas quanto Belgrado. Muitos dos original gangsters de Chicago embarcaram em turnês internacionais e conquistaram seu posto em festivais como o Unsound na Cracóvia, o Decibel em Seattle e o NRMAL em Monterrey.Assista ao clipe de "Your Choice", do último disco do RP Boo, Fingers, Bank Pads & Shoe Prints.Os volumes 1 e 2 da Bangs & Works, duas compilações de footwork lançadas pela Planet Mu, são agora verdadeiros clássicos. E ao mesmo tempo em que a cena ainda está sentindo o impacto da morte do pioneiro do footwork, o DJ Rashad, novos (novas, na verdade!) produtores como a Jlin, baseada em Indiana, também estão quebrando tudo rumo a novas e empolgantes direções.
Como um dos fundadores do footwork moderno, o RP Boo tem um lugar especial nisso tudo. Seu álbum de estreia em 2013 se chama Legacy, um título que chama atenção tanto para o seu papel como criador do gênero ("Baby Come On", de 1997, é considerada uma das primeiras faixas de footwoork — e uma das melhores até hoje), bem como sua história sombria. RP continuou traçando as origens do footwork com outro EP pela Planet Mu chamado Classics, em abril de 2015, o que conectou o gênero aos seus antecessores, o ghetto house e juke de Chicago. (Depois, RP me disse que o Classics originalmente foi intitulado Correct Gasps).Leia:Um Ano Sem DJ Rashad
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O footwork começou a chamar atenção fora de Chicago a partir de vídeos de competições de dançarinos que rolam no YouTube. "Quando a mídia social entrou em cena, pudemos disponibilizar nossas músicas. Era mais footwork de verdade à mostra, nada daquela pegada de booty house", rememora RP. "Mas a Dance Mania e o booty house voltaram a ter notoriedade porque foi daí que tiramos nossa inspiração, e usávamos essas músicas como plano de fundo nos nossos shows"."Não comecei a fazer footwork do nada. As pessoas dependem de mim como fonte de inspiração, assim como eu dependo do DJ Deeon, pioneiro da ghetto house".
O que o RP fez para evoluir a ghetto house em footwork foi transformar o groove dos beats four-on-the-floor em uma zueira polifônica. Sobreposição de ritmos agora é uma marca registrada do som do RP Boo, sobreposição feita a partir do simples fato de não ter as ferramentas necessárias ao seu dispor: "Tudo foi feito nas drum machines Roland R70 e Akai S01. Naquela época, você tinha que ter um cartão de memória expansível e uma amostragem. Mas eu nunca tive essas coisas, então tive que dar um jeito. Sabendo o que queria usar e como usar, eu poderia fazer o melhor possível — o que era limitado, mas eu sabia usar isso com minhas habilidades máximas".Leia: A Trekkie Trax Lança sua Segunda Compilação de Footwork Japonês
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