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Crime

Por que ataques com ácido dobraram no Reino Unido

O uso de líquidos corrosivos para desfigurar pessoas está se tornando preocupantemente popular.
Max Daly
London, GB
Adele Bellis, 24 anos, ficou marcada depois de um ataque com ácido, orquestrado pelo namorado. Foto: Yui Mok/PA Archive/PA Images.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

Nas primeiras horas do Domingo de Páscoa, num clube de alto nível no leste de Londres, 20 pessoas foram atingidas por jatos de ácido. O ataque – que aconteceu durante uma briga, supostamente por causa de drogas, entre dois grupos de homens – num bar chamado Mangle em Dalston, provocou a evacuação de 600 convidados, incluindo estrelas de TV, modelos e jogadores de futebol. O caso deixou duas pessoas cegas de um olho, dois homens com ferimentos faciais sérios e vários clientes precisando de tratamento para cicatrizes.

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No final de semana, a polícia britânica prendeu o trabalhador de construção civil Arthur Collins – namorado da estrela da novela TOWIE Ferne McCann – por ligação com o incidente. O suspeito foi preso com ajuda de um taser quando tentava escapar pulando de uma janela num endereço em Highham Ferrers, Northants. Desde então, ele recebeu 14 acusações por agressão com intenção de causar danos corporais e uma por jogar líquido corrosivo com intenção de causar danos físicos.

Um ataque com ácido contra um grupo tão grande é raro, mas o uso de químicos nocivos como arma é cada vez mais frequente no Reino Unido. Números divulgados pela Polícia Metropolitana mostram que ataques do tipo em Londres subiram para mais de um incidente por dia, de 261 em 2015 para 454 em 2016. Esse aumento na capital é espelhado nacionalmente, com um número cada vez maior de pessoas sendo tratadas por ataques com ácido em hospitais e queixas desse tipo de agressão em todo o país.

O ataque no Mangle no feriado de Páscoa foi um dos quatro ataques com ácido em apenas 11 dias em Londres. No dia 8 de abril, uma família chinesa que estava passeando com o filho de dois anos em Islington, norte de Londres, foi atacada com ácido. Enquanto eles gritavam de dor, pessoas que passavam tentaram ajudá-los jogando água neles. O pai de 40 anos sofreu "ferimentos gravíssimos".

Menos de uma semana depois, na Sexta-feira Santa, um homem de vinte e poucos anos estava dirigindo seu Audi S3 em Bow, leste de Londres. O veículo foi atingido na traseira por um caminhão. Quando desceu para verificar o estrago, o motorista do Audi recebeu um jato de amoníaco no rosto e foi empurrado para o chão por ladrões que levaram seu carro. Quarta passada, dois dias depois do incidente no Mangle, um adolescente sofreu queimaduras graves no rosto e pescoço depois que ele e a namorada foram cobertos com ácido em Fulham, oeste de Londres.

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É uma sequência chocante, mas aí você considera o mês de fevereiro: cinco ataques com ácido, dentro de um pequeno raio no leste de Londres e Essex – uma zona que parece ser o epicentro de ataques assim na Grã-Bretanha. Houve um ataque no metrô de Barking, outro num jogo de futebol amador e depois um ataque numa escola de ensino médio de Dagenham. Mais dois roubos de carro em Essex, incluindo um envolvendo o ex-boxeador Michael Watson em Chingford. Em novembro de 2016, um empresário anglo-paquistanês teve o rosto atingido por ácido espirrado com uma garrafa plástica, num ataque racista perpetrado por uma gangue de 14 adolescentes em Dagenham.

Em sua Avaliação de Ameaças de 2017, o Conselho de Thurrock em Essex declarou ataques com ácido "uma nova preocupação em violência relacionada a gangues". Em fevereiro foram sete ataques com ácido no condado de Havering em apenas três semanas. Em maio do ano passado, Alexander Bassey, 17 anos, foi sentenciado a oito anos de cadeia por espirrar ácido em cinco adolescentes na estação de trem Ockendon. E a lista continua.

Ataques com ácido não são novidade. Essa era uma arma popular na Era Vitoriana, principalmente porque ácido sulfúrico era produzido em escala industrial na época. Ácido também era usado como ferramenta de medo entre gangsteres ingleses, aparecendo em A Inocência e o Pecado na forma de uma garrafinha carregada pelo anti-herói do livro, Pinkie Brown. No sudeste da Ásia, onde ataques com ácido são incrivelmente comuns, essa é a principal arma de violência doméstica e a chamada violência de "honra", perpetrada por homens contra mulheres. É difícil pensar num jeito mais malicioso de acabar com a vida de alguém.

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Nos últimos anos, vimos incidentes chocantes registrados na Grã-Bretanha: o homem desfigurado num caso de identidade equivocada em Cornwall; a apresentadora de TV Katie Piper, que foi atacada com ácido num crime ordenado pelo homem que a estuprou; o homem que ficou com cicatrizes terríveis depois que alvejante foi jogado em seu rosto dentro de um cinema em Sussex; e o repórter investigativo do The Sun que foi atacado com ácido em sua casa em Glasgow. Mas agora ataques do tipo, que eram como gotas num oceano de violência, viraram uma enxurrada.

Screenshot da filmagem de segurança mostrando Alexander Bassey, 17 anos, espirrando ácido em adolescentes na estação Ockendon.

Há uma razão para ácido estar se tornando uma arma usada tão amplamente usada em 2017. Diferentes de casos famosos como o de Piper e Naomi Oni, que foi atacada por uma amiga invejosa, a nova onda de ataques do tipo no Reino Unido é cometida principalmente por homens jovens contra outros homens jovens – geralmente pequenos criminosos usando ácido para vingança ou resolver disputas menores.

Para jovens criminosos operando sob ofensivas policiais crescentes contra facas e armas, uma arma química tem vantagens: pode ser carregada sem levantar suspeitas numa garrafa de refrigerante e é legal, barata e fácil de conseguir. Ácido sulfúrico, por exemplo, na forma de desentupidor de canos, pode ser comprado por £1 em lojas de produtos de limpeza. Mas o principal é que ácido é uma arma com um impacto grotesco.

"O principal objetivo de um ataque com ácido não é matar, mas deixar marcas num oponente – desfigurar alguém para que todos vejam. Por isso o rosto geralmente é o alvo", me diz Jaf Shah, da organização de Londres Acid Survivors Trust International. "A coisa mais chocante em ataques com ácido é como eles são premeditados: o agressor sabe dos impactos físicos e psicológicos sérios que esses químicos terão na vítima quando compra o produto. É isso que torna essa arma tão diabólica."

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Ataques com ácido têm uma ligação íntima com o submundo das drogas no Reino Unido. Em junho do ano passado, dois irmãos foram presos depois de jogar uma garrafa de desentupidor One Shot sobre Carla Whitlock em Southampton, uma vingança por uma negociação de drogas que deu errado. O juiz descreveu as ações deles como "barbárie medieval" e o ácido como uma arma "perniciosa e maléfica". Em 2009, uma testemunha-chave de um julgamento de homicídio, envolvendo gangues de adolescentes traficando do sul de Londres, foi atacada com ácido depois de liberar evidências.

Essa é uma arma usada por gangues que estão partindo para o interior do Reino Unido, esperando dominar mercados de drogas fora de Londres. Em junho, um traficante de Peckham que vendia crack em Essex jogou ácido num rival de gangue em Westcliff. Em 2015, membros de uma gangue de Londres que estavam vendendo drogas em Boscombe, Dorset, jogaram amoníaco no rosto de dois homens, no que a polícia descreveu como um "crime relacionado ao tráfico".

"No mundo do crime, ao erradicar o futuro de um inimigo o desfigurando, você ganha publicidade."

O medo gerado pelo ácido é potente. Apesar dos ferimentos terríveis, muitas vítimas de ataques com ácido não procuram justiça, com medo de retaliação. Um estudo realizado por uma unidade regional de queimados em Essex descobriu que apenas nove de 21 vítimas deram queixa contra seus agressores. Segundo números da Polícia Metropolitana, três quartos das investigações sobre ataques com ácido são prejudicadas porque as vítimas não querem nomear os agressores ou se recusam a dar queixa.

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Ativistas como Shah dizem que a venda de ácidos fortes e outros químicos nocivos precisa ser mais controlada. Ele sugere um sistema de licenciamento para que as informações dos compradores fiquem registradas. Há também a opção de proibir a venda de ácidos para menores de 18 anos, usando uma lei similar ao Ato de Fornecimento de Substâncias Intoxicantes de 1985, pensada para combater o aumento do uso de cola e gás entre adolescentes nos anos 70 e 80.

"Agora o ácido é a arma da moda entre criminosos e membros de gangues, para exercer controle, para manter pessoas na linha e em ataques de vingança", diz o Dr. Simon Harding, especialista em gangues da Universidade de Middlesex. "Jovens membros de gangue estão sempre buscando notoriedade e 'respeito nas ruas'. Então no mundo do crime, ao erradicar o futuro de um inimigo o desfigurando, você ganha publicidade. É um desenvolvimento horrível."

Como aconteceu com a cola e o gás, se o governo quer se livrar do ácido, ele pode. Infelizmente, quanto mais a polícia apreender facas e armas, mais químicos corrosivos serão o método usado para acertar disputas, espalhar o medo e, do jeito mais covarde possível, deixar sua marca.

@Narcomania

Tradução: Marina Schnoor

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