Um festival de merda

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Um festival de merda

Millennials ricos pagaram milhares de dólares pelo Fyre Festival, do Ja Rule, e agora estão presos numa ilha em barracas para desabrigados.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE News.

O Fyre Festival deveria ser o festival de música mais luxuoso já feito – uma festa exclusiva em dois finais de semana numa ilha particular nas Bahamas, com voos de jatinho inclusos no extravagante preço do ingresso, onde influencers do Instagram, incluindo Kendall Jenner e Bella Hadid, dançariam em iates.

Não foi o que aconteceu.

A produção foi um "festival de merda" desde sua concepção até o colapso espetacular na sexta passada – as palavras exatas usadas por três pessoas diferentes que compraram ingressos, apesar de apenas duas terem conseguido chegar à ilha, Great Exuma, nas Bahamas. No começo da quinta-feira, muitos dos jatinhos particulares anunciados – que na verdade eram voos fretados comerciais, partindo de aeroportos como o La Guardia e o Miami International – não conseguiram nem decolar. E esses convidados tiveram sorte. Os convidados que chegaram ao local descobriram acomodações "de luxo" que estavam mais para barracas usadas em casos de desastres naturais, muito menos mimos que o prometido e nenhum jeito de sair de lá.

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"É um caos completo", disse William Needham Finley IV, um blogueiro de Raleigh, que também postou vídeos do Periscope na praia na noite de quinta mostrando a instalação tosca de barracas, um palco pequeno e uma estrutura de "concierge" pela metade.

Produzido por um joint venture entre o rapper Ja Rule e Billy McFarland – fundador de uma empresa de cartões de crédito para millennials, a Magnises – o Fyre Festival anunciava um lineup de artistas como Tyga, Desiigner e a banda Blink-182, além de atividades como nadar com porcos e aluguel de jet skis. Mas os problemas começaram já na quinta, quando vários voos misteriosamente não decolaram. Passageiros num voo lotado saindo de Miami foram obrigados a desembarcar na noite de quinta, depois de esperar a decolagem por horas.

"O governo, ou sei lá quem está no comando do festival lá, não quer mais gente na ilha. Não há acomodações. Não há lugar para ficar", diz uma voz pelo alto-falante num vídeo gravado dentro do avião.

"Devido a circunstâncias além do nosso controle, e em acordo com a nossa cultura de segurança, os voos fretados para Great Exuma pro Fyre Festival foram cancelados neste final de semana", um porta-voz disse a VICE News por e-mail na noite de quinta. "Estamos trabalhando para acomodar confortavelmente os convidados que já chegaram, proporcionar uma grande experiência para aqueles que já estão na ilha e vamos atualizar a imprensa assim que possível."

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Na manhã de sexta, duas pessoas que chegaram ao aeroporto nas Bahamas estimavam que centenas de convidados do festival estavam no aeroporto, esperando encontrar voos de volta; convidados que conseguiram um voo naquela noite tiveram que desembarcar às 6h porque o avião tinha ficado tempo demais na pista, disse a desenvolvedora imobiliária Danielle Hankin para a VICE News na manhã de sexta. Várias pessoas esperando no aeroporto disseram que oficiais fecharam as portas da frente do local com cadeados, trancando todo mundo ali durante aquela noite.

"Alguém desmaiou e eles nos trancaram numa sala usando uma corrente e cadeado", disse Hankin, que ainda estava esperando no aeroporto. Dois outros convidados confirmaram que as pessoas estavam trancadas e passando mal. Oficiais do Aeroporto Internacional de Exuma não foram encontrados para comentar o caso.

Enquanto hordas de pessoas esperavam pelos voos de volta no aeroporto nas Bahamas, a organização enviou um e-mail confirmando que o festival tinha sido cancelado na manhã de sexta.

"Devido a circunstâncias fora do nosso controle, a infraestrutura física no local não estava pronta a tempo, e não pudemos completar nossa visão de maneira segura e confortável para nossos convidados. Agora estamos trabalhando incansavelmente para agendar voos e tirar todo mundo de Great Exuma assim que possível. Pedimos aos convidados que já estão na ilha para não fazerem arranjos para chegar ao aeroporto. Estamos trabalhando para colocar todo mundo em voos fretados complementares para Miami hoje. Esse processo já começou."

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Algumas horas depois, Ja Rule se desculpou em uma screenshot do aplicativo iPhone Notes, e negou que o festival tenha sido um golpe.

Quem chegou às Bahamas encontrou um festival que ainda não tinha sido totalmente instalado, segundo os convidados em Great Exuma.

Os convidados pagaram entre $1500 a $250 mil para ficarem no local do festival de quinta até domingo, com outra onda deles agendada pro final de semana seguinte. Mas em vez de serem levados para suas acomodações quando aterrissaram, os convidados foram colocados em ônibus e largados numa praia para uma festa improvisada – mesmo com alguns tendo embarcado às 5h, disse o blogueiro de lifestyle Brooke Morton por e-mail.

E sem nenhuma acomodação de luxo à vista.

Gabby FitzGerald, estudante do segundo ano da Universidade de Colúmbia, tinha reservado um "chalé" de luxo para oito pessoas no site do festival, que inicialmente tinha imagens feitas por computador mostrando como o interior da acomodação seria. Ela disse que a organização tirou as imagens do ar em algum momento depois que ela fez a reserva, e que chegando lá, disseram que não havia chalés disponíveis. Outras pessoas que reservaram acomodações de luxo ou "villas", que supostamente teriam banheiros particulares, receberam a oferta de ficar em barracas com um banheiro comum num trailer, segundo Morton.

Várias pessoas descreveram a cena mais como um acampamento para refugiados que um festival.

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"Tenho fotos de um acampamento para vítimas de desastre na América do Sul e é exatamente a mesma coisa. As cúpulas geodésicas são iguais as barracas de desastre do governo americano. E tudo estava molhado, todos os colchões estavam molhados", disse FitzGerald. "Eles pegaram toda nossa bagagem do aeroporto, colocaram num grande contêiner e estacionaram por aqui."

As barracas também não tinham trancas e os "armários de segurança" prometidos pelo material promocional estavam abertos porque ninguém sabia que era preciso trazer seus próprios cadeados, Finley escreveu no Twitter, postando uma foto dos armários vazios.

Pelo menos um coordenador desistiu e disse pras pessoas "acharem uma barraca aberta e dormirem nela", disse Amber Hager, engenheira de software que viajou pro festival com o marido, por e-mail na noite de quinta. Ela acrescentou que o marido pediu uma pequena refeição a um morador local, já que nenhum deles tinha comido nada naquele dia e os bares estavam vendendo a única água potável por US$ 4 a garrafinha.

Morton disse que ela e o marido reservaram um voo de emergência, só para garantir, depois que os organizadores do festival mandaram vários e-mails na quarta, pedindo que os convidados assinassem uma "desistência de acomodação" e "pedindo freneticamente que colocássemos mais dinheiro nas nossas pulseiras Fyre, o único jeito de pagar qualquer coisa no festival". Morton disse que estava escrevendo do aeroporto, esperando pelo voo marcado só por garantia.

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Em outro e-mail mandado mais cedo, o festival recomendava que os convidados colocassem pelo menos $3 mil em suas pulseiras para cobrir contas do bar, prometendo que o dinheiro que não fosse usado seria devolvido.

FitzGerald também voltou ao aeroporto, onde ouviu que voos vazios seriam desviados para buscar os convidados desiludidos. Centenas de pessoas estavam no local, ela disse.

"Atualização: as pessoas estão desmaiando no aeroporto por desidratação e implorando por comida. Ainda esperando os aviões chegarem", ela escreveu num e-mail uma hora depois.

E os convidados não eram os únicos desistindo do festival. Horas depois que o primeiro avião do festival pousou nas Bahamas, a atração principal Blink-182 cancelou.

"Infelizmente, e depois de muitas considerações cuidadosas e difíceis, queremos avisar que não tocaremos no Fyre Fest nas Bahamas este final de semana e nem no próximo", a banda escreveu numa mensagem no Twitter na tarde de quinta. "Não temos certeza que teremos o que precisamos para oferecer o show de qualidade que sempre damos aos nossos fãs."

E o que estava faltando para a banda era o dinheiro, disse uma fonte trabalhando no evento – além de várias outras coisas de sua lista de exigências.

Mas havia problemas óbvios antes do evento começar. Uma fonte envolvida com o festival disse que os organizadores ignoraram deliberadamente obrigações contratuais e não eram confiáveis na hora de pagar fornecedores.

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"[Os organizadores] me disseram que iam fazer um palco simples, e eu disse 'Caras, vocês assinaram contratos com esses artistas dizendo que iam honrar suas exigências de equipamento e acomodação", disse a fonte. "Vocês não podem mandar o Major Lazer pro palco sem um telão. É a principal peça do show deles."

A fonte, que ajudou na instalação do evento, disse que acertar as coisas com McFarland e sua equipe se mostrou muito difícil. "Alguma coisa estava errada", a fonte disse. "Quando chegamos a Miami, o cartão que eles queriam usar para pagar nosso hotel não passou, então eles tentaram convencer a gente a usar os nossos cartões para pagar os quartos. A mesma coisa quando chegamos na ilha. Os donos estavam simplesmente andando pelo lugar com rolos de notas de cem para pagar as pessoas."

McFarland já encarou questões similares com suas empresas de entretenimento e hospedagem, um serviço de concierge de cartão de crédito seguindo o modelo do AmEx Black e voltado para millennials. Em janeiro, sete membros antigos e atuais falaram com o Business Insider, detalhando sua frustração ao tentar acessar os benefícios propagandeados pela empresa. "Fico puto porque não sinto que tive a experiência incrível que eles me venderam", disse um ex-membro do cartão Magnises pro site.

O festival surgiu do nada no inverno passado, quando centenas de influencers do Instagram, como a ex-porta-voz da Pepsi Kendall Jenner, começaram a postar quadros laranjas anunciando o "#fyrefestival". O anúncio misterioso foi seguido por uma série de fotos e vídeos de modelos famosas e filhos de celebridades – incluindo Bella Hadidi, Hailey Baldwin e Emily Ratajkowski, para citar alguns – se divertindo numa ilha particular, que um vídeo dizia ter pertencido a Pablo Escobar.

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Fontes dizem que a Fyre Media pretendia comprar a ilha do vídeo, mas acabou mudando para o local perto do Spa Sandals depois de perceber que o lugar não tinha infraestrutura para hospedar um festival para milhares de pessoas.

"Isso aqui não é uma ilha particular", disse uma pessoa que trabalhou no evento. "É uma praia literalmente do lado do Sandals. Um lugar onde as pessoas ancoram seus iates, é uma doca propriedade do Sandals."

A modelo e promoter Ratajkowski, que estreou no filme Garota Exemplar, foi uma das únicas participantes da campanha de marketing no Instagram a rotular seu post com "#ad", o que a Federal Trade Commission americana exige para postagens pagas. Jenner, que não fez isso, geralmente recebe por volta de $300 mil para um único post de marca em seu Instagram. Mas ela tem uma conexão pessoal com o festival – vários artistas da gravadora do cunhado dela, Kanye West, estavam entre as atrações.

Não está claro se Jenner, Ratajkowski ou qualquer outra das modelos da campanha compareceram ao evento.

Numa declaração na sexta, o Ministério do Turismo das Bahamas se desculpou e jogou toda a culpa nos organizadores.

"Centenas de visitantes de Exuma encontraram desorganização total e caos. Os organizadores do Fyre pediram recentemente que o Ministério do Turismo apoiasse seu evento particular. O Ministério do Turismo não é um patrocinador oficial do Fyre Festival. Dada a magnitude do empreendimento, o MT deu apoio como sempre fazemos a eventos internacionais. Oferecemos informações e assistência em comunicação com outras agências do governo. Os organizadores do evento nos asseguraram que tinham tomado todas as medidas para um evento seguro e de sucesso, mas eles claramente não tinha capacidade de executar um evento dessa escala."

Tradução: Marina Schnoor