Como o Tempo É Feito
Crédito: Ye Group and Baxley/JILA

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Tecnologia

Como o Tempo É Feito

As histórias, polêmicas e os futuros do Relógio Mestre, a máquina que controla o horário de todo o mundo.

Para o cientista encarregado de manter o tempo dos Estados Unidos, Demetrios Matsakis tem uma postura surpreendentemente descontraída em relação à pontualidade. Ele não tem um relógio de pulso, por exemplo.

"A pessoa mais inteligente que eu conheci no Observatório Naval estava sempre atrasada. E quando eu estava na graduação, um dos cientistas que eu mais admirava não só estava sempre atrasado como tinha uma mesa extremamente caótica", ele diz. "Eu costumava dizer que aquela mesa precisava de uma escavação."

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O tempo também é muito caótico, e medi-lo é, em si, uma forma de escavação. E Matsakis, um físico e astrônomo de "sessenta e poucos anos" com madeixas prateadas e desgrenhadas, tem cavado bastante. Ocupando o cargo de cientista-chefe e sendo ex-chefe de departamento de Serviços de Tempo do Observatório Naval (USNO, na sigla original) dos EUA, Matsakis já passou muito tempo com o que chamamos de Relógio Mestre. Com 50 anos de existência, o relógio, é, essencialmente, o vovô dos relógios americanos, a ferramenta oculta por trás do domínio de Washington sobre o tempo mundial.

No seu âmago, o Relógio Mestre do USNO funciona da mesma forma que os relógios de nossos avós: com pêndulos. Mais precisamente: ele contêm um conjunto dos mais sofisticados pêndulos já feitos, contando cuidadosamente o "balanço" da radiação dos átomos com a maior precisão do planeta.

É o tique-taque desses relógios que diz para todos nossos relógios — aqueles nos nossos celulares, em nossos computadores, nossos sites, nossas telas de TV, nossos rádios, nossos sistemas de GPS, em nossos aplicativos de geolocalização e nossos drones — o que é essa tal coisa que chamamos de "tempo".

Dentro desse contexto, um reles relógio de pulso guiado por um cristal de quartzo parece quase uma ofensa. Matsakis gosta de dizer que muitas vezes se incomoda com expressões como "precisão cirúrgica" e "como um reloginho".

"Qualquer um que já tenha passado por alguma cirurgia pode dizer que a primeira expressão é incômoda", diz ironicamente, "e qualquer um que já tenha tentado juntar dados temporais apuradíssimos em um nível de nanossegundos pode reclamar da segunda expressão".

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A relação entre Matsakis e o tempo começou, é claro, quando ele tentou consertar um relógio. Ele chegou no USNO em 1979 para trabalhar como rádio-astrônomo, medindo a rotação da Terra. Em 1990, um novo relógio chegou no departamento, um equipamento experimental de mercúrio que logo começou a apresentar defeitos. Matsakis era o único físico presente, então seu supervisor pediu para ele resolver o problema.

"Dois meses se passaram sem eu entender o que havia de errado, então eu disse para o diretor: 'Nada que eu tentei deu certo. Se você quiser chamar outra pessoa para resolver isso, eu não vou me ofender'. Ele não chamou, e eventualmente eu descobri qual era o problema." Essa incursão cronométrica — e, eventualmente, seu cargo de supervisor do Relógio Mestre — foi, segundo ele, "uma coincidência completa".

O principal objetivo da medição do tempo é quantificar a duração de um segundo. Para ser preciso, isso equivale ao tempo que a radiação hiper-fina liberada por um átomo de césio-133 no seu estado fundamental demora para transitar entre diferentes níveis de energia; durante esse processo, seus elétrons oscilam exatamente 9.192.631.770 vezes.

Atualmente, contar um segundo envolve lançar um raio de microondas em um desses átomos de césio e contabilizar o efeito decorrente em seus elétrons. Nessa escala, qualquer interferência mínima pode estragar o ritmo de um relógio. Também existem os efeitos da gravidade, que a teoria da relatividade de Einstein revelou alterar a passagem do tempo.

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"No nível dos nanossegundos — um bilionésimo de segundo — cada relógio possui sua própria personalidade", escreveu Matsakis por email. Cada relógio anda mais rápido ou mais devagar em certos momentos; geralmente, os cientistas conseguem corrigir esse desnível com um software. A parte mais difícil é entender o ritmo — ora veloz, ora vagaroso — no qual os ponteiros do relógio podem estar mudando. "Precisamos estar sempre atentos com os desvios do comportamento padrão, e fazer boas previsões."

O meu primeiro encontro com o Relógio Mestre ocorreu nos meus primeiros anos de vida. Meu pai costumava levantar uma sobrancelha quando olhava para o relógio de sua calculadora, tirando o telefone (de fio) do gancho logo em seguida. Ele digitava alguns números, escutava por alguns instantes, e então me entregava o telefone. Na época — nos anos 90 — havia poucas formas de se ajustar um relógio. Não existe nenhuma forma parecida de se saber o tempo.

Tique tique tique tique… "Relógio Mestre Do Observatório Naval dos Estados Unidos", anunciava uma voz, em uma frase completa, sempre alegre e pontual. (A voz pertence a Fred Covington, ator de TV nos anos 70; sua página no IMDB inclui crédito de participação no Relógio Mestre.)

"Após o sinal, Zona Horária do Leste, exatamente quinze horas e nove minutos."

Pausa. BIP. Tique taque tique taque…

Meu pai me passou o número do relógio como se ele fosse uma relíquia de família. A simples certeza do relógio e a autoridade de sua voz me reconfortavam. Mesmo no meio da noite, o Relógio Mestre estava lá, constante, firme, informando as horas para qualquer um que ouvisse. Um símbolo, eu pensava, no meio da burocracia e absurdos do governo, de algo próximo da perfeição, de responsabilidade, de magnanimidade, até. O seu nome indica que ele pode durar uma eternidade, marcando o tempo firmemente, oferecendo bons momentos a todo tempo, sempre no mesmo número: 202 762-1401.

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Ao ligar, você se conecta a uma máquina que fica próxima à morada do Relógio Mestre, em um morro nos limites de Georgetown, em Washington, DC. O Observatório Naval foi transferido do centro da cidade para lá em 1893, pois essa bela região (adjacente ao verdejante terreno de Dumbarton Oaks) era, na época, afastada da poluição das luzes da cidade, fazendo dela um lugar ideal para a observação espacial, um processo que está intimamente ligado à contagem do tempo. (No início desse ano, Katherine Wells, do The Atlantic, visitou o laboratório e fez um lindo vídeo, que está disponível no final desse texto.)

Fundado em 1830 — ele precede o Instituto Smithsoniano e os laboratórios nacionais — o Observatório foi criado como um depósito para abrigar as cartas náuticas e diversos instrumentos da Marinha. A missão era determinar "as posições e movimentos dos corpos celestes, o movimento da Terra, e o tempo preciso". O observatório ainda mantém um programa de observação de estrelas duplas, mas transferiu a maior parte de seus projetos astronômicos para outra sede em Flagstaff, no Arizona. Desde 1974, o local ganhou mais fama por causa de uma estrela nascida aqui na Terra: o Vice-Presidente dos EUA vive aqui, em um casarão vitoriano de três andares e 850 metros quadrados.

O próprio Relógio Mestre é, na realidade, uma junção de vários relógios; o número varia dependendo de quantos estão sendo calibrados ou consertados no momento. Eles se encontram em alguns prédios completamente comuns no campus do Observatório. O acesso à área dos relógios é controlado rigidamente, e eles foram construídos para condições climáticas extremamente precisas: a temperatura precisa ser regulada em +/- 0.1°C e a umidade precisa ser controlada em 3%.

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Os relógios mais precisos consistem de câmaras de vácuo cilíndricas, cada uma contendo átomos de rubídio resfriados a laser até a temperatura mais baixa possível (um milionésimo de grau acima do zero absoluto em graus Kelvin, para ser exato). O resultado é o relógio operacional mais preciso do planeta.

O CONTÍNUO ESPAÇO-TEMPO

O Relógio Mestre é essencial para o funcionamento de várias coisas, do jeito como a ciência avançada é estudada até a data de vencimento do seu aluguel. Mas não deixe que a palavra "relógio" o engane. Não estamos falando apenas sobre o tempo. Estamos falando sobre o espaço.

Determinar sua exata localização no espaço, seja usando um sextante ou seu iPhone, só é possível se você souber a hora exata da sua localização. Quando você se procura no mapa do seu celular, seu celular pergunta o mesmo para uma rede de satélites de GPS lá no espaço. Os satélites, 32 deles e contando, foram postos lá pelo exército dos Estados Unidos nos anos 80; cada um deles possui seu próprio relógio atômico espacial, que é calibrado diariamente segundo o horário do Relógio Mestre.

SE UM SATÉLITE DE GPS ESTIVESSE UM SEGUNDO ATRASADO, O GOOGLE MAPS DIRIA QUE VOCÊ SE ENCONTRA A ALGUNS QUILÔMETROS DA LUA.

Ao comparar os dois horários — o horário em que o sinal foi enviado para os satélites no espaço e o horário em que ele foi recebido por seu GPS na Terra — seu celular pode calcular a distância de cada satélite. Ao fazer isso com vários satélites, seu GPS consegue triangular sua localização na Terra e computar o tempo. Quanto mais satélites estiverem disponíveis — o mínimo são quatro por vez — mais facilmente o seu GPS pode ignorar pequenas interferências como medições aleatórias e atrasos atmosféricos.

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Encontrar a localização exata depende do tempo. Se o horário de um satélite de GPS estiver atrasado em um bilionésimo de segundo, seu GPS irá ter uma margem de erro de 30 centímetros. Se um satélite de GPS estivesse um segundo atrasado, o Google Maps diria que você se encontra a alguns quilômetros da lua. Se o seu celular já te informou que você estava no meio de um rio quando na realidade vocês estava no meio de uma estação de metrô, você pode ter sido vítima de um desses erros.

Existem outras funções para um horário apurado, mas nós, civis, não sabemos muito sobre elas. O Relógio Mestre também dá o horário de diversas operações militares: drones, mísseis, serviços de comunicação segura, e outras coisas secretas. É importante dizer que nem todo tempo é igual: quanto mais imprescindível você for para a segurança nacional dos Estados Unidos (digamos que você seja membro dos Navy Seals, ou um míssil), maior a necessidade de exatidão no horário ou localização.

"Do momento da identificação de uma ameaça, ao ato de colocar a arma na mira do alvo, à subsequente avaliação do sucesso da missão, todas as etapas necessitam da mais completa precisão de horário", disse John G. Grimes, Oficial de Informações da Marinha, em 2008. E é precisamente por isso que a Europa, a Rússia e a China vêm desenvolvendo sistemas de parecidos com o GPS há anos — Galileu, GLONASS e Beidou, respectivamente — que são supostamente mais baratas que o GPS, e que não dependem da cada vez mais suspeita tecnologia americana.

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Por enquanto, o GPS, com seu horário regido pelo Relógio Mestre, é essencial para manter a pontualidade de Moscou e Pequim. Muitas pessoas checam as horas por sinal de satélites de GPS. Se por acaso a disseminação do horário por GPS chegasse ao fim, "muitas coisas iriam parar de funcionar", de celulares a mercados financeiros, segundo Matsakis.

ALGUNS [ATAQUES] JÁ OCORRERAM… A GENTE PENSA NISSO O TEMPO TODO.

Caso o Relógio Mestre (e o Relógio Mestre Substituto, localizado em Boulder, no Colorado) fosse destruído em um ataque terrorista, por exemplo, o GPS poderia servir como um sistema reserva. "Especialmente no contexto de uma guerra nuclear: se um monte de cidades forem destruídas, pelo menos o GPS poderia funcionar por algum tempo", diz Matsakis.

Ainda assim, sem o Relógio Mestre para calibrar os relógios dos satélites, eles iriam eventualmente se desajustar, segundo a lei da relatividade especial. "Se o Relógio Mestre quebrasse por 24 horas, o mundo provavelmente ficaria bem. Mas eu não queria ver o que aconteceria depois de uma semana."

O Relógio Mestre falhou três vezes durante a carreira de Matsakis: duas vezes quando ele estava dentro de um avião, e uma vez durante o casamento de seu filho. Durante esses eventos, a rede foi mantida por relógios de emergência, e apesar de alguns usuários terem sofrido "dificuldades", eles sobreviveram até o Relógio Mestre ser consertado, seis horas depois.

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Como fazem parte de uma infraestrutura militar, os relógios do Observatório Naval são protegidos constantemente, ele acrescentou. A segurança não é apenas física: há um medo "muito real" de que o relógio venha a ser um alvo de um ciberataque.

Em 1997, "nas idas eras do século 20", conta Matsakis, ele criou uma página aberta ao público. Um hacker invadiu o principal diretório do site. "Alguém invadiu meu computador. Achamos que eles estavam atrás de segredos nucleares."

Ainda mais preocupante, segundo ele, é ignorar os ataques de negação de serviço (DDoS) que poderiam sucatear o sistema de distribuição de tempo de Wall Street, sem mencionar todos os outros sistemas que dependem da pontualidade da internet. "Eles são uma realidade para todo mundo", disse Matsakis sobre os ataques DDoS. "Alguns já ocorreram. Mas nós sabemos lidar com eles."

Um desses ataques foi iniciado por volta das 15h30 do dia 29 de novembro de 2011. Os servidores NTP, que distribuem o horário para a internet, começaram a receber um número absurdo de pedidos, em um ritmo de dezenas de milhares de pacotes por segundo.

"Alguém 'declarou guerra' ao serviço NTP do USNO", escreveu Rich Schmidt, do Departamento de Serviços de Tempo do USNO, para os contatos na lista de emails do NTP. "Eles podem ser apenas estudantes, quem sabe? Mas todos os ataques vêm de sites chineses."

Geralmente, os servidores do Departamento de Defesa são mantidos dentro de uma rede segura conhecida como NIPRNET. Para manter o planeta no horário, os servidores NTP do Observatório Naval são mantidos fora desse sistema de proteção. Por volta de 23h, conforme os ataques continuavam, o Comando de Operações de Ciber Defesa da Marinha ordenou o USNO a desligar seus servidores NTP. Para 3 milhões de clientes, o tempo, segundo o Relógio Mestre, parou. "Essa é a primeira vez em 17 anos que interrompemos nossas operações NTP", escreveu Schmidt naquela noite.

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A rede de administração do Observatório restaurou o servidor no dia seguinte, mas não antes de negar diversos pedidos de IPs da China, um processo que "requer uma força considerável". Schmidt escreveu que a decisão não foi fácil. "Entre as opções de permanecer online e negar acesso aos servidores chineses, nós devemos, infelizmente, fazer a escolha mais segura."

"O DOD tem consciência dos riscos", disse-me Matsakis. O Relógio Mestre em si "nunca foi atacado", ele disse, "mas a gente pensa nisso o tempo todo".

UMA BREVE HISTÓRIA (DA DISSEMINAÇÃO) DO TEMPO

O medo desses ataques ajuda a ilustrar porque a habilidade de contar o tempo só vale a pena quando em comunhão com a habilidade de disseminá-lo para o mundo; assim como o tempo e o espaço, a medição do tempo e a disseminação do tempo estão profundamente interligados. Por décadas, o horário do Observatório era dado por um "balão horário" que ficava no topo do domo do telescópio — tecnologia avançadíssima para o ano de 1845. Ao derrubar o balão todos os dias no mesmo horário, os habitantes de Washington podiam ajustar seus relógios, e os navios flutuando no Rio Potomac podiam ajustar seu horário antes de irem em direção ao mar. É possível ver uma réplica desse balão no topo do principal prédio do Observatório, ao lado de um de seus telescópios.

Em 1865, o Observatório começou a transmitir o horário por telégrafo para o Departamento da Marinha, e eventualmente, por linhas da Western Union, percorrendo as ferrovia de toda a nação. Foram os lobistas das empresas ferroviárias que, em 1885, conseguiram padronizar o horário dos EUA em diferentes fusos horários; até então, o horário dependia da cidade onde você estava: Nova York estava cinco minuto à frente da Filadélfia, que por sua vez estava sete minutos à frente de Washington.

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Segundo a lei, hoje o USNO possui o dever de medir e disseminar o tempo, junto com o departamento de Tempo e Frequência do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST, na sigla em inglês), que faz parte do Departamento de Comércio dos EUA. O USNO ajusta o horário do GPS, de outros sistemas de navegação e do Departamento de Defesa, enquanto o NIST informa a hora certa para o setor financeiro e outros setores civis. (O NIST recebe bilhões de pedidos de acesso à seu serviço diariamente, e transmite o horário para mais de 50 milhões de rádios-relógios, relógios de pulso, e outros relógios com recepção de rádio). Apesar de existir uma forte cooperação entre as duas agências encarregadas do tempo — e eventuais competições para conseguir os PhDs mais talentosos — as duas operam em diferentes níveis: o NIST conduz a maior parte das pesquisas inovadoras, enquanto o USNO tem como foco contar e disseminar o horário preciso para o exército, por questões de segurança nacional.

O horário do Relógio Mestre também é compartilhado pela internet via Network Time Protocol, ou NTP, que é um dos sistemas mais antigos da internet; o USNO recebe cerca de meio bilhão de pedidos de acesso a esse serviço por dia. Tanto o USNO quanto o NIST compartilham seus horários via satélite para clientes comerciais e militares através de um processo chamado transferência recíproca de hora, que depende de satélites geoestacionários para cancelar quaisquer atrasos de comunicação. O USNO também mantém um serviço de tempo experimental baseado no sinal de televisão digital, e uma linha de pesquisa que sustenta modems ancestrais de internet discada.

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Chegamos então no serviço de voz automatizado do Relógio Mestre. Ele é utilizado por certas emissoras para coordenar seus feeds internos, e ainda recebe, anualmente, cerca de quatro milhões de ligações de pessoas, como meu pai.

COM A CONTRIBUIÇÃO DO RELÓGIO MESTRE PARA A HORA MUNDIAL — O RELÓGIO REGE 1/3 DOS RELÓGIOS DO MUNDO — E O MONOPÓLIO DO GPS, OS EUA VIRARAM OS DONOS DO TEMPO MUNDIAL

GUERRA TEMPORAL: A RESISTÊNCIA DE GREENWICH

Assim como os mecanismos dos nossos relógios modernos —que se assemelham aos dos relógios de pêndulo criados no século 10 — a definição do que é um segundo também é uma herança.

Por volta de 1.000 D.C., o erudito persa al-Biruni começou a utilizar segundos — uma palavra derivada da segunda divisão de uma hora por 60 — para mensurar o tempo de cada fase da Lua. Com base na definição solar de um segundo — 1/86.400 de cada dia — o grupo situado em Paris e conhecido como a Agência Internacional de Pesos e Medidas (IBWM, que também faz parte das Nações Unidas) criou um padrão baseado na medida mais confiável da física atômica: quando os elétrons de um átomo de césio em repouso pulam de um nível energético para o outro, eles emitem uma radiação que oscila 9.192.631.770 por segundo. O IBWM determinou, então, que esse período estava mais próximo da definição clássica de segundo: "a 1/31.556.925,9747 parte do ano tropical de 1900, em janeiro 0, às 12 horas do calendário astronômico".

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Os relógios atômicos começaram a ser usados logo após sua criação em 1955. O segundo do césio foi definido em 1967 pela Agência Internacional de Pesos e Medidas, ou BIPM; atualmente, existem mais de duzentos relógios de césio espalhados por 50 laboratórios nacionais do mundo. Com algoritmos cronológicos especializados — softwares desenvolvidos para usar o ponto forte de cada tipo de relógio, e anular a interferência que surge quando se comparam os dados de cada um deles — os medidores do tempo de todo o mundo mandam seus dados para o BIPM, que os padroniza e os publica mensalmente em sua revista, Circular T. Esse número é o que conhecemos como Tempo Universal Coordenado, ou UTC.

Antigamente, o a Hora Média de Greenwich, (ou GMT) do Reino Unido, era o horário padrão mais difundido, utilizado originalmente para coordenar a marcação do tempo nos navios e ferrovias do maior império do mundo. Mas a partir do momento em que o tempo atômico entrou em uso, os dias do GMT chegaram ao seu fim. Os cientistas já sabiam que o tempo atômico era muito mais confiável do que o tempo determinado pela rotação da Terra.

No dia primeiro de janeiro de 1972, diversos grupos internacionais concordaram em substituir o horário GMT, baseado na rotação solar, pelo UTC, com base em movimentos atômicos. (No Commonwealth, em especial, o termo GMT é utilizado erroneamente para se referir ao UTC.) Entre a contribuição do Relógio Mestre para o UTC — o relógio rege 1/3 dos relógios do mundo — e o monopólio do GPS, os EUA viraram os donos do tempo mundial.

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O único problema de ter um horário "universal" é convencer todas as pessoas do mundo a usá-lo. Mas felizmente, mesmo que o espaço e o mundo digital tenham virado locais disputadíssimos, o tempo se manteve como uma região de paz.

Salvo pela possibilidade de uma possível guerra entre as diferentes medições de tempo, Mataskis prevê um futuro com formas mais justas de medir o tempo universal. A decisão de outros países de criar tecnologias equivalente ao GPS indica que o tempo universal poderá se democratizar, sendo definido pela média dos relógios-mestres de várias nações. O equivalente europeu do GPS, o Galileo, está sendo construído segundo a média da medição de tempo de vários laboratórios europeus.

"Posso imaginar um futuro — daqui a cerca de 50 anos — no qual o mundo estará tão interconectado que os horários dos relógios irão se fundir instantaneamente", disse. "Dessa forma, nenhum país estará no comando. Eu prevejo uma democratização do tempo."

Para que isso aconteça, o mundo deve entrar em acordo sobre o segundo bissexto. O problema é que o segundo bissexto depende da lua. A astronomia moderna revelou que o efeito gravitacional da lua está afetando a Terra, fazendo com que a velocidade da rotação do planeta ao redor do Sol diminuía lentamente. Isso aumenta a duração dos nossos dias. Quinhentos milhões de anos atrás, antes dos dinossauros, os dias só tinham 21 horas. Por volta de 1820, um dia possuía exatamente 24 horas, com uma margem de erro de alguns milissegundos; hoje, um dia tem em média 1 milissegundo a mais do que 24 horas.

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No exato momento em que o tempo atômico e o tempo universal foram sincronizados, no início de 1958, eles começaram a se desencontrar. As marcas da luz do sol, nosso "relógio" mais antigo, estavam se afastando, muito lentamente, do tempo dado pelos átomos. Quando os especialistas em tempo mudaram do GMT para o UTC, eles decidiram, após muita discussão, criar uma regra que resolveria o problema: os "segundos bissextos", que seriam adicionados ao Tempo Universal conforme necessário, ajustando o tempo atômico ao tempo solar. O último segundo bissexto aconteceu em 30 de junho de 2012 (o último minuto desse dia, teve, na verdade, 61 segundos); 24 segundos bissextos foram adicionados aos nossos relógios desde 1972.

Isso, no entanto, resulta em um problema para a posterioridade. A rotação decrescente da Terra significa que precisaremos adicionar mais e mais segundos bissextos aos nossos relógios. Em algum momento do próximo século, é provável que precisemos acrescentar um segundo bissexto a cada ano. Quando chegarmos ao ano de 2600, serão necessários três ou quatro segundos bissextos por ano; no ano de 4300, os especialistas terão que adicionar novos segundos bissextos todo mês.

Apesar de os segundos bissextos serem apenas um aborrecimento para especialistas como Matsakis, eles podem instaurar o caos em tecnologias vitais como a navegação eletrônica e sistemas computadorizados. No segundo bissexto de 2012, os servidores que utilizavam o Linux, incluindo os do Reddit, do Mozilla, da Qantas Airlines, da Gawker e outros, entraram em pane. "É muito irritante", disse o criador do Linux, Linus Torvalds, para a Wired, "porque é um caso clássico de um código que nunca é utilizado, o que impossibilita que os usuários o testem em condições comuns".

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A União Internacional de Telecomunicações (a ITU, na sigla original), uma agência das Nações Unidas criada em 1865, está avaliando uma proposta que iria aposentar os segundos bissextos de uma vez por todas. A ideia é simplesmente manter o UTC do jeito em que ele se encontra, 35 segundos antes do tempo atômico, sem adição de mais segundos bissextos. Isso significa que ao final do século 21, o tempo dos nossos relógios e o tempo solar teriam uma diferença de quase um minuto.

Alguns opositores afirmam que a abolição dos segundos bissextos não passa de uma complicação dispendiosa, algo que iria exigir a revisão de todos os sistemas digitais de astronomia, por exemplo, e insistem que essa medida resultaria em uma disrupção enorme na percepção do tempo dos terráqueos. Os abolicionistas do segundo bissexto insistem que os humanos ficariam bem, pois eles se adaptariam às mudanças naturalmente.

Após pedir a opinião de agências como o Observatório Naval, o NIST, a NASA, o grande público, e empresas como a Garmin, que produz receptores de GPS, o Departamento de Estado dos EUA anunciou o seu apoio à proposta do ITU, se unindo à países anti-segundo bissexto como a França, a Itália, o Japão e o México.

Eles estão se posicionando contra a Rússia e o Reino Unido, que já anunciaram o seu apoio ao segundo bissexto. Outros, como a Alemanha, ainda estão em cima do muro; enquanto isso, a China deixou de apoiar o segundo bissexto e passou a defender sua abolição. A decisão final já foi adiada duas vezes, e espera-se que o assunto seja retomado— pela última vez, talvez —na próxima Conferência Mundial de Radiocomunicação, no ano que vem, em Genebra.

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A Rússia anunciou que teme que a perda de futuros segundos bissextos possa danificar seus equipamentos espaciais, como seu sistema de GPS, o GLONASS. A oposição do Reino Unido está enraizada na preocupação de que "sem os segundos bissextos nós iremos eventualmente perder a correlação entre o tempo e a vida diária da população", como dito por David Willetts, Ministro da Ciência. Visto que um novo horário padrão iria se afastar lentamente da Hora Média de Greenwich, alguns sugeriram que a introdução de um novo tempo padronizado seria um soco no ego ufanista do Reino Unido.

Essa polêmica desmente a ideia de que os especialistas em tempo fazem parte de uma comunidade organizada e diplomática, diz Matsakis. "Eu não gosto de falar sobre o segundo bissexto com algumas pessoas, porque tenho certeza de que elas vão dar o o seu 'discurso clássico' e eu vou ter que passar dez minutos escutando."

Matsakis admite que o custo da destruição do segundo bissexto será "altíssimo, e isso é um argumento forte contra a mudança". Mesmo assim, ele acredita que essa apreensão é um exagero, e acha que o custo seria equivalente ao que é gasto à cada acréscimo de um segundo bissexto.

Uma sala do salão do tempo do USNO, residência do Relógio Mestre. Crédito: Richard M. Hambly

O receio da conversão me lembrou a histeria que cercou o Bug do Milênio, quando o mundo temia que o início do novo milênio pudesse arruinar os sistemas computadorizados, que nunca haviam funcionado em anos de mais de dois dígitos.

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Na meia-noite do dia 31 de dezembro de 1999, Matsakis estava sentado em sua mesa; mas, segundo ele, ele não estava preocupado. Em preparação para a virada, o Observatório Naval comprou um computador de padronização do tempo meses antes do Ano Novo, e testou-o adiantando os relógios. Tudo estava funcionando perfeitamente.

O problema era outro computador: o que hospedava o site. "Nós o isolamos e esquecemos dele. Havia uma linha de programação em uma linguagem chamada Perl, que confundiu o computador. A tela dizia '1 de janeiro de 1900', ou algo do tipo. Ninguém sabia programar em Perl, então eu liguei para o meu filho no MIT. 'Como se compila em Perl?' 'É só mudar o código, bem aí', ele me disse. Aí eu entrei lá, mudei o código e consertei o problema."

A data no site do USNO ficou um século atrasado por apenas 45 minutos — tempo suficiente para um repórter do Washington Post notar o erro e escrever uma matéria para a edição do dia seguinte.

Matsakis aponta o surgimento de um problema da dimensão do Bug do Milênio: os sistemas que utilizam o UNIX podem entrar em colapso às 3:14:07 UTC do dia 19 de janeiro de 2038, visto que o sistema operacional não foi programado para datas posteriores a essa. Matsakis não está muito preocupado; quando isso acontecer, ele estará aposentado há anos.

"Mas talvez o meu aparelho de respiração seja afetado."

Por enquanto, a definição oficial do tempo depende apenas da oscilação da radiação dos átomos de césio, mas relógios mais precisos já estão sendo usados, trazendo com eles definições inovadoras. Para calibrar o Relógio Mestre com mais exatidão — e para o manter a par dos novos padrões de precisão, como o novo protocolo de GPS — Matsakis e seus colegas começaram a usar um relógio conhecido como o maser de hidrogênio, uma máquina de 226 de quilos que parece um robô desajeitado de Guerra nas Estrelas, e que usa átomos de hidrogênio movimentados por microondas para medir o tempo. (A palavra maser significa "amplificação de microondas por emissões de radiação estimuladas". Ele é diferente do laser, que por sua vez utiliza a luz visível.) Ambos foram criados pelo ganhador do Nobel Charles Townes, que, coincidentemente, foi o orientador de tese do Matsakis.

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Além dos mais de 80 relógios de césio, o USNO possui 40 masers e quatro relógios de rubídio. O relógio de césio mais moderno do Observatório data do ano de 2000; cerca de metade de seus masers são desse século. "Os relógios podem durar para sempre, mas eles precisam de reparos", disse Matsakis.

Ao padronizar as leituras de todos seus relógios, os medidores de tempo do Observatório Naval podem gerar um tempo cuja taxa, segundo o site, "não tem alterações maiores do que 100 picossegundos (0.000 000000 1 segundos) a cada dia". (Um nanossegundo equivale a um bilionésimo de segundo, enquanto um picossegundo equivale a um trilionésimo.) Apenas os relógios mais estáveis são incluídos nessa média, escolhidos com base em relatórios de performance constantes. Se você está na internet, você pode descobrir quantos dos relógios do Observatório estão sendo analisados nesse exato momento.

CÉSIOS. ESTRÔNCIOS. RUBÍDIOS. ITÉRBIOS.

As pessoas estão trabalhando constantemente na criação de relógios melhores; muitos designs promissores tiveram bons resultados na fase de testes. Em 2011, um relógio de césio da Inglaterra foi apresentado como o relógio com a maior exatidão à longo prazo do mundo; os cientistas determinaram que o relógio só ganharia ou perderia menos de um segundo em 138 milhões de anos. E ainda assim, esses relógios já estão atrasados. Enquanto relógios que usam átomos de césio são conhecidos por manterem a sua exatidão por longos períodos, eles não são tão precisos a curto prazo como aqueles que usam elementos como hidrogênio, mercúrio e cálcio, e um novo mecanismo chamado, poeticamente, de "fonte".

Nessa geringonça, um laser imobiliza e esfria átomos até o ponto em que a temperatura cessa todas suas movimentações aleatórias. Após isso, eles são lançados em uma cavidade de microondas, onde sua ressonância natural pode ser calculada. Em abril, o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST), localizado em Boulder, estreou um novo relógio-fonte de césio, o NIST-F2, que foi projetado para não ganhar nem perder nenhum segundo nos próximos 300 milhões de anos. (Veja um vídeo sobre o seu funcionamento no final dessa matéria.)

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"Os relógios vendidos por aí são tão bons quanto os relógios que nós criávamos em laboratório há 20 anos, e eles estão sendo usados por todo mundo", disse Steven Jefferts, um físico do NIST e um dos principais criadores do NIST-F2. "Nossa missão é nos manter sempre à frente, mesmo que seja só para poder calibrar esses relógios corretamente." Uma das razões para se criar relógios mais precisos é simplesmente manter um padrão a ser seguido pelo resto dos relógios do mundo.

Também existem outras razões mais misteriosas. Relógios de precisão como esses podem não mudar a nossa percepção de tempo imediatamente, mas, como qualquer outro instrumento científico exótico, eles trazem uma promessa de inovação. Jefferts prevê que o novo relógio "será o precursor de alguma invenção muito importante nos próximos dez anos".

Por exemplo: ao mensurar fatores ambientais que geram variações no andar do relógio atômico, os cientistas poderiam usar esses relógios para mapear os campos gravitacionais e magnéticos da Terra. Algum dia, os relógios poderão ser usados para uma variedade de trabalhos, incluindo a mineração, a previsão de erupções e terremotos, a pesquisa de órgãos delicados como o coração e o cérebro, e até mesmo em sistemas de vigilância altamente eficientes.

Em maio do ano passado, pesquisadores da DARPA envolvidos em pesquisas no NIST revelaram um "relógio de rede óptica" que usa lasers para excitar átomos do itérbio, um elemento raro cujas oscilações podem ajudar os pesquisadores a dividirem o tempo em frações cada vez menores. Afirma-se que o relógio é dez vezes melhor do que os seus predecessores; se ele tivesse começado a contar a partir do Big Bang — uns 13,8 bilhões de anos atrás — sua margem de erro atual seria de um segundo. O time que o idealizou está sonhando ainda mais longe, de acordo com o chefe de pesquisa do NIST, Dr. Jun Ye: "Nosso objetivo é criar um relógio que não perca nenhum segundo durante toda a eternidade".

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"Nós prevemos que várias tecnologias futuras precisarão de relógios melhores", disse Matsakis — especialmente tecnologias espaciais e GPS mais precisos. "É por isso que a Marinha nos dá dinheiro para construir relógios melhores."

POR ENQUANTO, O RELÓGIO MESTRE É O SISTEMA OPERATIVO MAIS PRECISO JÁ CONSTRUÍDO PARA MESURAR ALGO.

Em fevereiro, o Observatório Naval de Colorado acrescentou vários relógios-fonte de rubídio novinhos em folha ao Relógio Mestre. (Contar as oscilações do rubídio poderia aperfeiçoar a exatidão do GPS em dez vezes, abaixando a margem de erro de 1 a 2 segundos para 300 picossegundos.) O relógio é tão delicado que sua instalação exigiu um "levantador aéreo"— em outras palavras, um aerodeslizador — para assegurar que o equipamento não entrasse em contato com o chão ou as paredes.

O Relógio Mestre contêm quatro fontes de rubídio, que fazem, segundo Matsakis, parte do "sistema operativo mais preciso já construído para mesurar algo".

Aumentar a precisão aumenta os gastos. Um bom relógio de césio pode ser comprado pela bagatela de US$ 75 mil; um maser custa cerca de US$ 250 mil e uma fonte de rubídio não tem preço. Cada uma de suas partes pode chegar aos US$600 mil, mas isso não inclui os salários da meia dúzia de PhDs que trabalharam por uma década para criar essas fontes. No total, o Observatório gasta cerca de US$ 20 milhões anuais, um orçamento modesto para o Departamento de Defesa. (O Observatório também recebe fundos para projetos especiais da NASA, das Forças Aéreas, e de outras agências.)

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Há uma pequeno museu de relógios históricos no Observatório. Quando passa por eles, Matsakis consegue colocar o preço de seus novos relógios em perspectiva. "Aqui nós temos um relógio Cummins, do meio do século 19. Aqui está escrito que, convertido em dólar, seu preço seria o mesmo do de um maser. Nós temos mais de cem relógios. Na Dinastia Song o imperador usava um relógio de água. Ele tinha uma equipe do tamanho do meu departamento só para mantê-lo."

Alguns pesquisadores também estão desenvolvendo relógios atômicos que exigem equipes e espaços menores. Os relógios de césio mais precisos tem o tamanho de um carro compacto e gastam cerca de um kilowatt de energia; o objetivo agora é criar relógios atômicos do tamanho de chips, o que possibilitaria sistemas de GPS muito mais precisos do que os atuais.

MAS PERAÍ: O QUE É O TEMPO?

Uma hora, a grande questão sobre o tempo deu as caras. O que é o tempo?

"Eu já pensei no tempo como uma coordenada cuja evolução pode ser mesurada em um sistema fechado", disse Matsakis. "Agora, eu penso no tempo como algo que é, em seu âmago, uma medida de interações", essa é uma ideia baseada na teoria da relatividade, que liga o tempo e espaço ao movimento relativo dos objetos. "É uma ideia intrigante: se não há interação, o tempo é irrelevante."

Ele dá um exemplo que data do início dos tempos. "Uma das formas de parar o tempo seria se o universo chegasse a um fim inóspito. Se nosso universo se manter em constante expansão, e as estrelas morressem e virassem buracos negros, que por sua vez evaporassem; e o que restasse fosse um gás rarefeito, um gás gelado e uniforme por todo o universo. Se tudo é igual, como podemos afirmar que o tempo existe? Não haveria nada para medir o tempo. O tempo iria parar, e não com uma explosão. Ele iria apenas definhar."

As interações relativas que governam a passagem do tempo explicam porque os eventos que acontecem no universo não seguem uma cronologia. "Imagine que algumas pessoas assistam à Al Capone roubando um banco em 1930", ele disse. "Em 1987, uma supernova à milhares de anos-luz é vista de algum ponto da Terra. O que veio primeiro, a explosão da estrela ou o assalto ao banco? Tudo depende do observador."

Em um email enviado há alguns dias, eu mencionei a teoria do eterno retorno de Nietzsche. Matsakis replicou: "É muito difícil definir coisas fundamentais. Eu nunca tentei definir o que é o 'aqui'. Sócrates passou anos tentando definir a justiça. Talvez eles estivessem certos quando o acusavam de corromper a juventude."

Foram os contemporâneos de Aristóteles que dominaram o cálculo da passagem do tempo, o cronos, e foram eles que identificaram outro tipo de tempo, o kairos — os momentos que definem nossos prazeres, dores, nossos sentimentos e pensamentos mais profundos. Em outras palavras, o tipo de tempo que não pode ser medido por nenhum relógio.

Há uma tensão entre a sensação do "tempo", que Henri Bergson descreve como "duração", e o tique-taque do tempo regido pelos especialistas. Agora, mais do que nunca, afirma Douglas Rushkoff no livro Present Shock, as distrações colocam a segunda definição do tempo em uma queda de braço com a primeira definição.

"Nós passamos séculos pensando em horas e segundos como partes de um dia", disse Rushkoff para David Pescovitz no ano passado, "mas um segundo digital não é parte de um minuto maior, mas sim uma duração absoluta, eternamente presente, como os ponteiros de um velho relógio." A velocidade do presente e de suas possibilidades infinitas implicam em "um desprezo a tudo que não esteja acontecendo no presente — e o ataque à tudo que supostamente está".

Mas de acordo com o tempo, nem tudo acontece ao mesmo tempo, como brinca Wheeler. Eu me pergunto se o Relógio Mestre, com seu ritmo constante e metódico, pode nos lembrar que o mundo não está andando cada vez mais rápido.

Porém, nem o seu andar continuará o mesmo. Com o surgimento de novos relógios, a forma com que contamos o tempo irá mudar. E no futuro, as definições do que é o tempo também irão mudar — talvez junto com as questões que o envolvem desde o início dos tempos.

"Eu digo para as pessoas que eu não sei o que é o tempo", disse Matsakis, "mas que eu sei o que é um segundo".

Por enquanto, pelo menos.

Tradução: Ananda Pieratti