Apanhámos os teus pais (e os teus tios e irmãos mais novos) a curtirem a vida no Rock in Rio
Todas as fotos por Bruno Lisita

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Apanhámos os teus pais (e os teus tios e irmãos mais novos) a curtirem a vida no Rock in Rio

Pois é, fomos à "Cidade do Rock" e vê lá tu bem, aprendemos bastante sobre merdas que tu, membro distinto da geração das gerações, às vezes te esqueces com demasiada facilidade.

Todas as fotos por Bruno Lisita.

Do alto dos teus 20 e poucos anos achas-te o maior. Os teus gostos são indiscutíveis (apesar de seres fã dos Vampire Weekend), tens consciência ambiental, dominas as redes sociais, almejas comer de forma saudável (só que ainda não resistes àquelas rodelas de carne, entre duas fatias de uma cena parecida com pão), queres trabalhar apenas em coisas que te dêem prazer, nunca compraste um disco na vida, mas estás a pensar adquirir agora uns vinis para vincares ainda mais a tua personalidade e festivais de música são a melhor altura do ano (excepto todos os fins-de-semana) ou para meteres cenas, ou para reafirmares a tua capacidade de te divertires sem precisares de meter cenas. Tens tudo dominado.

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Gostas de festivais de música, mas só de alguns. Claro. Não me interpretes mal. Eu também. Sou até um gajo bastante elitista no que diz respeito a festivais. Só gosto dos que têm bandas que adoro, ou que posso vir a adorar. No entanto, também gosto muito de outra coisa: experimentar, ver para crer, estar presente, encontrar o melhor no que é, supostamente, pior.

No campeonato do ódio elitista na Internet (e nas mesas de café), deverá haver poucos festivais mais fustigados que o Rock in Rio. É fácil. Bandas e artistas absolutamente (e assumidamente) mainstream, alinhamentos aparentemente estranhos e pensados para um público em que tu, claramente, não te revês, um espaço gigantesco tomado por marcas também elas de grande consumo, que gritam o mais alto que podem para te captar a atenção e encher-te de brindes em troca de algum tempo em filas e dos teus dados pessoais.

Não é o melhor dos cartões de visita para cidadãos como tu (ou como eu, vá). Concedo. O "problema" meu caro jovem-rei-do-planeta-alternativo-da-vida-de-sonho-e-dos-gostos-inquestionáveis, é que, por incrível que possa parecer, há mais gente neste Planeta. Há gente que gosta de diversão, de concertos, de música, de brindes, de marcas de grande consumo, de artistas mainstream, de festivais à escala dos seus sonhos capitalistas, de - aponta aí na aplicação de notas que acabaste de descarregar- curtir a vida.

E nessa gente podem estar os teus pais, os teus tios, os teus irmãos mais novos, os amigos dos teus pai, sei lá, man, até podem estar os teus avós e alguns dos teus melhores amigos que têm vergonha de o admitir. E tu, meu amigo, palhaço, companheiro, não tens o monopólio das melhores formas de curtir a vida. Aliás, pensando bem, tu (e eu, vá) até tens um conceito muito limitado do que é curtir a vida.

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Calma, não venhas já aí com o tradicional "foda-se quanto é que pagaram a estes gajos da VICE para se venderem e escreverem bem do Rock in Rio". Ninguém nos pagou (aliás, até nos fartamos de rebentar guita em imperiais). A única coisa que fizemos foi decidir ir. E, sim, fomos, curtimos bastante e percebemos algumas merdas. E no Rock in Rio até cheira tanto a erva como noutro festival qualquer, vê tu bem. Mas também não penses que andámos a gozar com a cena.

Eh pá, não te vou dizer que ver o Johnny Depp, o Alice Cooper, o jovem guitarrista dos Aerosmith e restante pandilha a dois palmos de distância a tocarem clássicos do rock como se estivessem no pub da esquina, não me deixou num estado de riso descontrolado (como quando fumas uma e parece que meteste um ácido, sabes?). Deixou, como deixaram os Korn (??!!!), a Ivete, ou aquele puto de que nunca tinha ouvido falar e que tocou no Domingo. Só que, ver o prazer genuíno com que os outros milhares e milhares e milhares de pessoas que andaram pelo Parque da Bela Vista durante os dois fins-de-semana que durou o Festival, abordam tudo o que se lhes mete à frente foi, digamos, bastante mais inspirador que essa tua atitude elitista de merda. Até o aparente civismo com que lidaram com situações como a de um concerto de 25 minutos de Korn, ou do cancelamento de Ariana Grande, concertos para os quais muitos tinham comprado bilhete (que não é barato) em exclusivo.

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Portanto, quando digo tudo, é mesmo tudo, porque se a maioria se dedicava ao parque de diversões antes dos concertos do Palco Mundo, também é certo que muitos experimentaram ser surpreendidos com a magnífica programação do Palco Vodafone. E não foram poucas as caras de surpresa e deleite de pequenos e graúdos confrontados com algumas das melhores (e mais "pequenas") bandas portuguesas da actualidade - dos Sunflowers, aos Keep Razors Sharp, dos Sensible Soccers, aos Pista, dos Glockenwise, aos Cave Story, dos gigantes Mighty Sands, aos claramente consagrados Capitão Fausto, da promissora Isaura, ao estrondosamente brilhante B Fachada (o pai biológico do novo rock português, da música nova, feita por gente nova que, pela primeira vez na história deste País encontrou referências nos seus compatriotas e está a fazer do cancioneiro pop nacional um lugar melhor).

Artistas a quem o Rock in Rio, proporcionou condições de se mostrarem a outros públicos, num palco decente, em horários decentes, com som decente, promoção decente e que, com mais ou menos sarcasmo, mais ou menos ironia, escolheram não entrar em tretas ético-morais do tempo da Maria Cachucha e tocar à séria, dar concertos marcantes e tão bons, ou melhores que os cabeças deste outro cartaz - Black Lips, Boogarins, Metz, Real Estate, Hinds - que nem tu, do alto dos teus 20 e poucos anos, desdenharias.

Por isso, jovem amigo, tu que pertences a uma geração que rima com inclusão, tu que és amigo dos animais, das plantas e da camada de ozono, que gostas de drogas, mas não te agarras a nenhuma, que tens na ponta dos dedos todo o poder do Universo, que vais salvar o Mundo antes dos 30 e chegar a Marte aos 41, sê gentil, sê tolerante, sê aventureiro, tenta deixar o preconceito em casa e experimenta a vida dos outros, da maioria, sai da tua bolha de perfeição e deixa-te imbuir do espirito do povo, do cidadão comum, dos teus pais, dos teus avós, dos teus tios, dos teus irmãos mais novos.

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Pode ser que, no fim, sintas que, afinal, ganhaste anos de vida, tal como o Springsteen a tocar músicas com 30 anos que parecem ter sido escritas ontem.