A razão pela qual nunca deixarei de tomar Prozac
Ilustração por Nick Scott

FYI.

This story is over 5 years old.

O guia VICE da saúde mental

A razão pela qual nunca deixarei de tomar Prozac

"Sou um viciado? Possivelmente. Será que algum dia vou ser capaz de os deixar? Provavelmente não. Acham que me importo? Nem pensar. Viva o Prozac".

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

É quando as pessoas nos perguntam porquê, que nos sentimos mais impotentes. Até mesmo culpados. Porque é que estás deprimido? O que é que aconteceu para que te sintas assim? Como se já não nos sentíssemos mal o suficiente, agora temos de racionalizar, ou explicar a nossa depressão.

Não é à toa que um dos sintomas da depressão é a auto-aversão. É claro que vais odiar-te se não encontras uma única razão para te sentires tão mal. E sim, as coisas só pioram quando sabes que há pessoas a morrer de fome e sem abrigo, com verdadeiras razões para se sentirem mal. Nós dilaceramo-nos em busca da auto-indulgência.

Publicidade

Não há nada de auto-indulgente na depressão. É um desequilíbrio no cérebro que nos faz sentir desesperadamente tristes, com medo de tudo à nossa volta. Não é preciso ter náuseas existenciais, uma teoria intricada sobre a inutilidade da vida. Não é preciso eventos que conspirem contra nós. Não é preciso perder o emprego. Apesar de que, tudo isso, pode ajudar. Às vezes, só precisamos daquele clique no cérebro. E quando se dá o clique, a vida perde toda a objectividade e deixa de fazer sentido.


Vê também: "Viver com o pesadelo do 'Gang Stalking'"


Por exemplo, não consegues levantar-te de manhã cedo e, em posição fetal, completamente embrulhado nas mantas, deitas-te para sempre entre a escuridão. Ou então sais da cama e dás por ti a chorar incontrolavelmente num supermercado, sem motivo aparente.

Durante anos, chorava sempre que ia com a minha companheira ao mercado, ao sábado de manhã. Não sei porquê. Na verdade, até gostava do lugar mas, eventualmente, ela acabou por decidir que era mais fácil ir às compras sozinha. Ou encontras-te no meio da rua a ziguezaguear pelo meio dos carros, esperando o pior. Ou nem arriscas apanhar o metro, com medo de te atirares para debaixo de um deles - e sim, eu sei o terrível impacto que isso causaria sobre todos os que teriam que testemunhá-lo.

Ou tens medo de olhar as pessoas nos olhos, porque achas que vão descobrir-te, mesmo que nem saibas o porquê - por seres lento, um chico-esperto, um insensível, demasiado sensível, porque gostas de alguém, porque não gostas de alguém, porque não tens nada para dizer, o que seja. Ou estás tão paralisado pelo medo, ou fechado no teu próprio Mundo, que não és capaz de compreender os conceitos mais básicos - alguém te pergunta as horas e tu és incapaz de responder, porque a única coisa que tens na cabeça é o clicar do metrónomo, a sufocar-te os outros pensamentos.

Publicidade

Lembro-me de estar na Grécia de férias com uma namorada. A falta de dinheiro não ajudava, então passávamos dias e noites inteiras numa praia de nudismo, rodeados de hedonistas narcisistas que se deleitavam com a sua própria presença. Todos os dias desejava que chovesse. Não porque quisesse uma desculpa para sair da praia, mas sim porque queria uma razão para me sentir mal. "Viemos de tão longe para desfrutar das delícias gregas e agora mijam-nos em cima. Que porcaria. A vida é mesmo cruel". Tenho ambicionado, durante toda a minha vida adulta, sentir algo que reflicta o Mundo real: ficar feliz porque algo de bom aconteceu, ficar triste porque foi algo de mau.

E a maldição dos depressivos é ser-lhes negada essa simples ambição. A menos que, na minha experiência, eles tomem comprimidos. Neguei-me a tomar antidepressivos na altura que era adolescente e jovem adulto. Provavelmente, porque o meu médico me receitou antidepressivos quando eu, na realidade, tinha uma encefalite - uma infecção aguda no cérebro - uma boa razão para nunca mais confiar no diagnóstico de um especialista. Os comprimidos eram um sinal de fracasso, de loucura, era ficar a um passo da Eletroconvulsoterapia (ECT) e não tão longe de uma lobotomia completa. Por favor, qualquer coisa, menos comprimidos.

Quando tinha 10 anos de idade, mandaram-me ir a uma psiquiatra. Ela pediu-me para falar sobre como me sentia e então decidiu que tinha o síndrome de Münchhausen by proxy (por procuração), em vez de encefalite. Era tudo culpa da minha pobre mãe. Eu descobri que ela - a psiquiatra, e não a minha mãe - era maluca e corria regularmente à volta do hospital, toda nua, quando o relógio batia a meia-noite.

Publicidade

Uns anos mais tarde, no aperto da verdadeira depressão (muitos sobreviventes da encefalite sofrem depressões por uma série de razões - porque o seu cérebro foi perturbado, porque ficam com algumas deficiências ou porque, depois, terão de lidar com várias adversidades durante as suas vidas) fui a outro psiquiatra. Como gostava ele de ouvir-me falar sobre o que me fazia sentir mal, como se sentia tão inteligente quando sugeria que a minha depressão tinha algo que ver com o que eu passei.

Realmente, eu não sabia o que estava ali a fazer, ter de ouvir um homem que absorvia a minha história de vida e, em seguida, chegava à mesma conclusão que eu. Não queria compreensão, nem mesmo simpatia, queria ajuda. Além de que ele era estranho - um tipo bastante agradável, mas tão obeso, que primeiro fecharam-lhe as mandíbulas, sem nenhum resultado. Depois, acabaram por colocar-lhe um balão intragástrico no estômago que, eventualmente, o matou.

Não muito tempo depois voltei aos comprimidos. Deixaram-me catatónico. Eram os comprimidos zombie. Considerando que antes só queria dormir o dia inteiro, estes comprimidos tornavam esse sonho realidade. Claro que não me sentia mal se estava completamente pedrado, o problema é que isso não podia considerar-se viver. Acabei por deixar de os tomar. Nos 10 anos seguintes mais ou menos, consegui sobreviver sem psiquiatras e sem comprimidos. Chorei o caminho todo, enrolado em mantas, e assim prevaleci. Tudo estava a correr bem na minha vida - tinha um emprego de sonho no Guardian, uma companheira maravilhosa, filhos, amigos - e, mesmo assim, ainda me sentia uma merda.

Publicidade

As pessoas depressivas têm tendência a atrair-se mutuamente. Podes cheirá-los a quilómetros de distância. E foi isso que provavelmente me aconteceu quando conheci a minha melhor amiga, Fiona. Fiona era a secretária do departamento de artes do Guardian, mas entendia tudo muito melhor que os críticos que costumavam falar com ela sobre os filmes que tinham visto e a importunavam com os seus melhores diálogos. Fiona era uma depressiva clássica, que não tinha razões para ser miserável. Era brilhante, linda, amada e única. Mas nada disso a ajudou a lidar com a vida, até que se matou.

Alguns meses depois fui-me abaixo. Sabia que era resultado do que tinha acontecido a Fiona, era inevitável. Fui ao médico, disse-lhe que era suicida e que só precisava de alguma coisa que me fizesse sentir melhor o mais rápido possível. Ela mandou-me para um hospital psiquiátrico onde me receitaram antidepressivos mas não me internaram. O Prozac ainda era relativamente novo nos anos 90. Os R.E.M. escreveram uma canção sobre ele, "Shiny Happy People" - e esse era o medo comum, que fosse uma espécie de sedante vertiginoso. Eles avisaram que ia sentir-me enjoado durante algumas semanas (e senti), mas tinha de aguentar.

A mudança foi surpreendente. Não me tornei uma pessoa feliz, mas parei de chorar o tempo todo. O metrónomo parou, já podia dizer as horas às pessoas e tornei-me em algo bastante parecido com um ser humano funcional. Diana, a minha companheira, era contra os antidepressivos porque viveu as minhas reacções aos anteriores, mas agora insistia para que eu não deixasse de tomá-los.

Publicidade

Li muitas coisas sobre pessoas que tinham ficado loucas e que mataram por culpa do Prozac, e isso preocupava-me. Mas, nunca senti vontade de matar ninguém. Li também que tornava a ejaculação mais difícil (é verdade, mas é sempre bom ter um desafio) e que perdias as emoções (ainda tenho muitas, mas já não choro tão facilmente, como no mercado). De vez em quando tento parar de tomá-lo, mas sinto-me demasiado mal. Ainda me perguntei se era culpa da depressão ou se estava a ficar viciado em Prozac. Talvez ambos. Finalmente, deixei de preocupar-me.

Se está a ajudar-me a viver a vida, porque é que vou importar-me com ser um viciado? Levo 18 anos com estes pequenos cilindros verdes e brancos que me caíram do céu. Estou com eles há muito tempo? Provavelmente. Sou um viciado? Possivelmente. Será que algum dia vou ser capaz de os deixar? Provavelmente não. Acham que me importo? Nem pensar. Viva o Prozac. Celebremos os próximos 18 anos.

@shattenstone


Segue a VICE Portugal no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Vê mais vídeos, documentários e reportagens em VICE VÍDEO.