FYI.

This story is over 5 years old.

Relato

Dormi com uma pedra mágica na vagina e a minha amiga chorou esperma

Era uma descrente no mundo da magia, mas descobri o ovo de obsidiana - que supostamente cura doenças e te livra de energias negativas - e tive sonhos bastante reveladores.
mulher mascarada e um ovo de obsidiana

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Já alguma vez viram uma mulher pôr um ovo? Eu acabo de ver. São dez da manhã. Selene e eu, via Skype, acabámos de mostrá-lo em frente a uma câmera - com uma graciosa contracção uterina. "Como fazer sair ovos negros obsidianos das nossas vaginas".

Fizemo-lo para encerrar um ritual que, no meu caso, já dura há uma semana. Cada noite introduzo uma pedra negra, preciosa e polida, nas minhas entranhas. Selene, sendo que é uma expert no assunto, já o faz há mais de três meses. Hoje termina o ritual. "Saúde!", diz Selene e ambas "brindamos" com as pedrinhas negras.

Publicidade

Conheci Selene na inauguração de uma exposição, há um mês. Eu tinha acabado de chegar à Cidade do México e não tinha amigos. O que tinha era uma diarreia bastante dura (ou melhor, bastante mole) que costuma atacar os espanhóis recém chegados - algo que os mexicanos chamam, ironicamente, "A vingança de Moctezuma".

dormi-con-una-piedra-sanadora-en-la-vagina-y-mi-amiga-lloro-lefa-157-body-image-1426842929

Procurava uma casa de banho e, de repente, vi-a. Era MUITO ALTA e falava MUITO ALTO, sobre qualquer coisa acerca de como enfiar algo no vagina. "Vai ser minha amiga", pensei. Mas, quando consegui colar-me ao seu grupo de conversa, disse-me: "Vou para casa, esta noite tenho que pôr o ovo" e saiu porta fora.

Desde que cheguei ao México, fiquei fascinada com a proximidade que as pessoas daqui têm com as medicinas alternativas. Em Espanha, há pessoas que limpam o cólon com tomilho, ou que partilham um refogado feito com a sua placenta com os amigos mais próximos, mas, regra geral, estas práticas mantêm-se em relativo secretismo. Em contrapartida, no México, há eventos sociais onde as mulheres falam com total naturalidade de um ovo negro de obsidiana que introduzem, todas as noites, na vagina.

dormi-con-una-piedra-sanadora-en-la-vagina-y-mi-amiga-lloro-lefa-157-body-image-1426842939

A ideia é que os traumas do passado, ou qualquer outra merda humilhante relacionada com a tua feminilidade que tenhas enfiada no cérebro, se cole ao ovo.

A obsidiana é lava cristalizada, uma rocha vulcânica, uma espécie de sangue coagulado da Mãe Natureza. É negra e brilhante, sobretudo quando está polida. A primeira vez que a vemos temos a sensação de que é um mineral da família da Kriptonite. Há algo mágico nesta pedra, oh se há! Os habitantes do México pré-colonização-espanhola usavam-na para fazer lanças e outros utensílios, mas também como objecto medicinal. O material da pedra esteve sempre ali, à vista de todos, e agora, na cidade do México, é o último grito das curas ginecológicas alternativas.

Publicidade

Para além de fortalecer os músculos vaginais, tipo aquelas bolas "Ben Wa" chinesas, o ovo de obsidiana protege a vagina de infecções, estabiliza as energias electromagnéticas e corrige males femininos como a endometriose, o vaginismo, a frigidez e as dores menstruais. Pensa-se que, durante noite, as energias negativas, os traumas do passado, ou qualquer outra merda humilhante relacionada com a nossa feminilidade que tenhamos enfiada no cérebro, se cole ao ovo. Desta forma, cada manhã deve-se tirá-lo e remover também uma boa quantidade de coisas que o cobrem. Para que esta acção seja bem sucedida, é aconselhável que a mulher prepare o seu útero-sala-de-missas-negras com umas boas sessões de acupuntura - ritual prévio ao qual eu me entreguei com algum receio e apreensão.

dormi-con-una-piedra-sanadora-en-la-vagina-y-mi-amiga-lloro-lefa-157-body-image-1426842953

O meu ventre-porco-espinho, pronto para a missa negra.

Mas há mais: o ovo de obsidiana cria, de alguma forma, sociedades secretas. Assim que cheguei a uma casa-de-banho no México, ouvi a tal conversa que girava em torno de um ovo obscuro. Pelo que, como disse Selene na primeira vez que falámos sobre o tema, pode concluir-se que a obsidiana, é a nova reunião da Tupperware. A diferença é que não falamos de mesquinhices de mulheres deprimidas, mas sobre união feminina, preocupações com o próprio corpo e, atenção, também há tempo para bebedeiras bastante divertidas com as amigas, em que se discutem, sobretudo, traumas de vidas passadas.

Porque isto, meus amigos, é o mais interessante do ovo mágico. Tens uma cistite da qual nem o antibiótico mais agressivo te salva? Talvez, numa vida anterior, algo muito estranho tenha acontecido com a tua vulva e isso faz que com ainda te cause dor quando fazes xixi. Sim, riam-se à vontade amigos, riam-se. Não foram vocês que tiveram um ovo negro alojado nas partes íntimas durante a madrugada, um objecto mágico que retira todo o mal das vossas mentes e o absorve, e que, até o removerem, ficaram com essas imagens obscuras a rodopiar na vossa mente.

Publicidade

Vê o primeiro episódio da segunda temporada de "Slutever"


Não foram vocês que sonharam que um cão negro vos perseguia por ruas e vielas querendo violar-vos (isto sonhou a empregada de um bar perto de minha casa). Este pesadelo, repetido durante uma semana, pode ser o primeiro passo para que ela possa entender que, provavelmente, ALGUMA COISA SE PASSA . Ou, pelo menos, ALGO ACONTECEU NO PASSADO.

As noites com o ovo negro são normais. Poderia defini-las como um sono profundo (tipo em estado de coma), depois de ter ingerido psicotrópicos como sobremesa de uma pratada de feijoada. Devo dizer que os meus traumas de vidas passadas transpiravam espanholismo. Nos meus males antepassados rodopiavam touros, tascas, grandes canecas de cerveja, um brutamontes que insistia em sentar-me ao seu colo e dar-me palmadas no rabo, enquanto ria às gargalhadas.

dormi-con-una-piedra-sanadora-en-la-vagina-y-mi-amiga-lloro-lefa-157-body-image-1426842965

A minha amiga Selene a chorar sémen (segundo o médico: "uma conjuntivite bastante estranha").

No caso de Selene, a coisa era mais agressiva. O México, como sabem, tem uma relação bastante séria e respeitosa com o sangue e a morte. Selene entregou-se ao ritual do ovo obsidiano com o objectivo de encontrar numa vida passada a causa das suas dores menstruais horríveis, que tanto a atormentavam. Por vezes, sonhava que se via a tomar atole (uma bebida mexicana de milho e cacau) com uma avó que nunca chegou a conhecer e que lhe falava de um aborto que a tinha deixado profundamente magoada.

E isto não é o pior. Quando coisas mais obscuras aconteciam, Selene ligava-me pela manhã, bastante febril e transpirada, para me contar as terríveis violações que tinha sofrido por parte de conquistadores espanhóis. Havia vezes em que era uma indígena assaltada em plena selva. Outras, já integrada no bando de Hernán Cortés, era assediada várias vezes pelos soldados. Quando Selene relatava estes sonhos ao seu bruxo-conselheiro-da-pedra-obsidiana, ele aconselhava-a a finalizar esse ciclo, ou seja, aceitar todos esses males do passado para, assim, curar a dor antiga.

Publicidade

E foi assim que Selene começou a andar por casa com as mesmas roupas dos seus pesadelos. Preparava micheladas vestida de azteca-sadomaso, limpava a casa de banho disfarçada de cortesã recém ultrajada… Era qualquer coisa de espectacular ir a sua casa visitá-la e ver como se sobrepunha à violência das suas vidas anteriores. Mas as dores menstruais não desapareceram até quase ao fim do ritual.

Há uns dias, numa das noites de ovo negro, Selene ligou-me para me dizer que estava a CHORAR SÉMEN. Saí a correr em seu auxílio. E a verdade é que os seus olhos derramavam algo que parecia puro esperma. Segundo ela, era o esperma dos homens que tinham abusado dela nas suas vidas anteriores. Este esperma saía, libertando-a para sempre do trauma. Caí no sofá, ainda atordoada com tanta loucura. Antes de chegar ao México era uma completa descrente no mundo mágico. E agora dormia com uma pedra negra na vagina e a minha melhor amiga chorava sémen de conquistadores espanhóis.

O médico identificou o mal ocular como "uma conjuntivite bastante estranha", olhando para aquele líquido esbranquiçado com ar de espanto, muito provavelmente pensando o mesmo que nós. O mais curioso de tudo isto é que, desde o momento que começou a soltar lágrimas de esperma, Selene deixou de sentir dores menstruais. Milagre? Ajuste de um desajuste psicossomático? Pois se assim for, ajoelhemo-nos todas perante a Grande Pedra Negra.

Styling: Felix d´Eon


Segue a VICE Portugal no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Vê mais vídeos, documentários e reportagens em VICE VÍDEO.