Como H.R. Giger inventou o monstro mais assustador da ficção científica

FYI.

This story is over 5 years old.

cinema

Como H.R. Giger inventou o monstro mais assustador da ficção científica

A Taschen editou aquela que é, até agora, a maior obra dedicada ao trabalho do desenhador, pintor, escultor, realizador e designer suíço, falecido em 2014. O Mundo nunca mais foi o mesmo depois de "Alien".

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

Abaixo podes ler um excerto retirado da compilação lançada pela Taschen sobre o falecido H.R. Giger, reunida por Andreas J. Hirsch, um fotógrafo e escritor que fez a curadoria de várias exposições do trabalho de Giger. Todas as imagens são cortesia da Taschen.

Na Primavera de 1978, logo depois de completar 38 anos, o artista suíço H.R. Giger escreveu no seu diário:

Publicidade

18 de Maio de 1978. O trabalho no filme está em pleno andamento. A construção da nave espacial está quase concluída. Ficou incrível. Foram feitos pequenos modelos da paisagem e da área de entrada da nave. As pessoas que a construíram não têm a menor ideia da minha arquitectura. Disse-lhes que precisavam de arranjar ossos e construir um modelo com massa modelar…

Na época, H.R. Giger era já um pintor de sucesso e as suas visões sombrias, num estilo que ele baptizou de biomecânico, estavam por todo o lado. Em cartazes populares que apareceram no final dos anos 60; no livro ilustrado Necronomicon, com o seu design; e em capas de discos como Brain Salad Surgery, de Emerson, Lake & Palmer, de 1973.

Mas, o projecto em que agora estava a trabalhar iria transformá-lo numa figura de culto a nível global e, até, num vencedor de um Oscar. O realizador Ridley Scott tinha contratado Giger para criar o mostro do seu filme Alien. O artista foi para o Shepperton Film Studios, nos arredores de Londres, para dar vida ao design de Alien com as próprias mãos.

Necronom IV (1976)

Foi uma pintura de Necronomicon que, imediatamente, convenceu Scott de que Giger tinha de estar envolvido na criação da criatura alienígena: Necronom IV (1976), um dos trabalhos-chave da sua obra. A imagem mostra o torso de um ser com traços remotamente humanóides. O crânio é extremamente alongado e o rosto é reduzido a dentes e olhos, como os de um insecto. Há tubos a saírem-lhe do pescoço e as costas são dominadas por extensões tubulares e caudas reptilianas. O órgão sexual masculino é significativamente estendido e curvado sobre a cabeça. O membro abre-se numa protuberância transparente, onde é visível um ser esquelético, como um santo num caixão de vidro.

Publicidade

Todo o corpo todo parece estar sob uma tensão, que se mantém com facilidade. Apenas os braços estão próximos da forma humana, apesar de se poderem observar arames e faixas mecânicas sob a pele translúcida e o seu material lembrar menos tecido e mais uma escultura medieval em madeira. A posição das mãos, no canto direito da imagem, também se destaca: parecem ter sido tiradas da iconografia dos altares medievais. Os dedos elegantes contrastam muito com o semblante impiedoso da criatura. As mãos parecem querer agarrar algo que está além, como se a criatura quisesse alcançar ou manipular magicamente uma coisa fora do seu alcance.

A figura ocupa todo o plano da imagem e permite apenas um vislumbre do fundo orgânico, que é dominado por formas viscosas e sem nenhuma profundidade espacial. Não há indicação de onde a criatura pode estar no espaço ou no tempo, mas é óbvio que não pode ter vindo do Mundo que conhecemos.

Erotomechanics VII (Mia und Judith, first state), 1979

Para conseguir transformar a sua criatura pintada num monstro para o filme, o artista teve que submetê-la a uma transformação completa. A pintura original fascinou tanto Ridley Scott que ele pediu a Giger para desenvolver uma "história natural" completa baseada no guião de Dan O'Bannon, o que acabou por produzir o monstro final do filme.

O carácter mortífero da criatura, que já é perceptível na pintura, transformou-se numa condição letal, aplicada através da dinâmica de movimento do filme. Entre esses dois estágios estava o processo criativo e artístico de criar e produzir as figuras necessárias, o que Giger fez praticamente sozinho. O processo resultou numa mistura de fascínio e nojo que encontramos em Necronom e - com um ainda maior sentido de terror - no alienígena. O monstro de Giger representa um ponto de viragem na ficção científica e nos filmes de terror: Alien trouxe uma forma de vida mortal de um espaço que nunca antes tinha sido visto.

Publicidade

NY CITY II (1980)

Os traços que o trabalho de Giger deixou em diversas áreas - pintura e cinema, capas de discos, na cultura da tatuagem, e na ficção científica e fantasia em geral - transformam a sua obra numa autêntica "Pedra de Roseta", combinando várias "linguagens", que ainda hoje necessitam de ser traduzidas. Actualmente, o trabalho de Giger parece um código que ainda está longe de ser totalmente desvendado.

Visto em termos da história da arte, temos um artista cujo trabalho, apesar de inspirado no surrealismo e simbolismo, era altamente autónomo e difícil de classificar. Giger já tinha dado uma contribuição distinta para a arte fantástica do século XX antes mesmo do seu trabalho em Alien. As suas ideias biomecânicas ainda estão em desenvolvimento, independentemente das disciplinas em que se inscrevem, menos como uma influência estética e mais como ideias, que influenciam uma abordagem conceptual.

Cthulhu (Genius) III (1967)

Depois, temos a leitura do trabalho de Giger que se foca na mitologia e na psicologia, examinando o papel dos medos individuais e colectivos na sua abordagem, que não é apenas figurativa ou narrativa, mas também pode ser entendida de maneira moderna como a criação de uma mitologia. Uma obra tão densamente povoada com arquétipos e seres de um futuro pós-humano, que está muito além das noções aceites de realidade e que é tão rica em símbolos, formas e temas da tradição oculta, também pede uma leitura que inclua interpretações dos campos da alquimia, astrologia e mágica.

Publicidade

A diversidade das leituras dos temas arquetípicos acima esboçados, de sonho e trauma, nascimento e morte, significa que é possível preencher toda uma biblioteca - uma "bibliotheca gigeriana", apesar de fictícia de momento - sobre o desenhador, pintor, escultor, realizador e designer H.R. Giger.

The Spell II (1974).

Andreas J. Hirsch é um fotógrafo, escritor e curador que mora em Viena, Áustria, onde tem feito a curadoria de exposições de H.R. Giger, Pablo Picasso e Friedensreich Hundertwasser.

A história editorial da Taschen com H.R. Giger remonta a meados dos anos 80 e inclui edições limitadas de "Hologramm", bem como o www.hrgiger.com. O projecto desta extensa monografia começou há 10 anos e inclui colaborações e curadoria directa de Giger, além de novas fotografias das suas obras, provenientes de colecções particulares de todo o Mundo. Giger morreu em 2014 e nunca pôde testemunhar a impressão final do seu opus magnum, mas o livro funciona como um testemunho da sua obra prolífica e visão extraordinária.

A edição limitada da monografia de H.R. Giger está disponível para encomenda no site da Taschen.

Abaixo podes ver mais imagens do livro.

Biomechanoid 75 (1975)

Gebärmaschine (1967)

Alien III (Front view II), 1978

Hommage à Böcklin, 1977